segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Passeio de sábado


O centro de uma cidade como Campinas pode se tornar muito interessante quando se tem uma boa companhia, nenhuma pressa, e a manhã de um sábado de fevereiro sem sol e sem chuva. Acordamos cedo. Talvez não tão cedo como havíamos planejado. Levantamos, preparamos o café. Comemos e deixamos a louça suja na pia. Descemos a rua e ficamos no segundo ponto de ônibus. Demorou mais do que gostaríamos. Mas, no fim das contas, deu tudo certo. As dez horas estávamos em frente ao sebo da Rua 11 D'Agosto. Entramos e nos perdemos lá dentro, entre um monte de tantas coisas e risadas e um ou outro beijinho, que somente os livros foram testemunhas.

Foi na sala de literatura e poesia brasileira que nos perdemos mesmo. Uma lembrança, uma promessa de leitura, uma troca de impressões - Capitu traiu ou não Bentinho? Um soneto de Camões, uma poesia de Pessoa, um conto da Clarice. Livros com cheiro de saudade. "Esse eu li no colégio!" "Eu também." "E esse aqui, você já leu?" "Não, esse não." "Mas esse eu li!" "Ah, esse eu não li não.."

Sebo é um lugar fantástico. É um dos meus lugares favoritos! Bom, às vezes, me divirto bastante também numa livraria. Mas os livros velhos, que trazem histórias em suas páginas amareladas, dedicatórias e alguns marca-páginas são muito mais interessantes. Muitas vezes fico viajando, pensando nas pessoas que possuíram aqueles exemplares. Nas histórias de suas vidas. Eu gosto de escrever nos livros. Nos meus, e nos que faço presente para amigos. Colocar nome, data e local onde comprei. Sei lá, um dia alguém poderá ter os meus livros em mãos e ter o mesmo prazer que tenho em ficar imaginando quem seria Francine, e o que teria sentido naquele dia em que comprou ou ganhou aquele livro, onde estaria. Nos livros que comprei, só no "Tempus Fugit" do Rubem Alves tem uma assinatura e uma data, no entanto, não fui capaz de decifrar o nome, nem mesmo de compreender a data, é uns vinte e pouco de junho de noventa e alguma coisa... Eu comprei três livros do Kundera: "A insustentável leveza do ser", " A brincadeira" e "Risíveis Amores". Esse último eu comecei a ler ontem. Também trouxe pra casa um dos Pensadores, do Wittigeinstein. Livro que esteve na minha cara e não pude ver... tem horas que tudo que precisamos em nossas vidas é um olhar estranho, que chega assim, pára do seu lado, e te mostra o que estava, literalmente, na sua cara...

Ele também comprou um livro do Rubem Alves; Também trouxe pra casa o "Viva o povo brasileiro", quero ver quando vai ler esse tijolinho, como ele mesmo classificou o grosso livro de capa dura vermelha. Nossa, não me recordo quais foram os outros dois livros que ele comprou. Tinha alguns em suas mãos, e quando fomos convidados a nos retirar, porque já era meio dia e estavam fechando o Sebo, ele separou rapidamente os que compraria. Fiz o mesmo. Também tinha separado mais livros do que de fato eu trouxe. Mas, além do fato de não querer gastar muito de uma vez só, temos a desculpa de fazer esse passeio mais vezes...

Saindo do Sebo D'Agosto, ficamos caminhando, um pouco sem rumo, pelo centro de Campinas. Eu tinha listinhas de outros Sebos, que aquela hora provalmente já estariam fechados, caso eles existissem de fatos! É, chegamos em dois endereços e.. Cadê o número que deveria ser um Sebo? Não existia! Mas foi divertido. Numa dessas procuras em vão, descobrimos o MIS - Museu de Imagem e Som. Entramos. Foi bem divertido. Tinha uma exposição sobre Biotecnologia e a exposição fixa do museu. Nossa, descobrimos que estamos ficando velhos. Os aparelhos de TV que fizeram parte de nossas infâncias já viraram peça de museu...Também as câmeras filmadoras, dos casamentos e festa de aniversários de tios e primos, já estão lá...

Depois do MIS, fomos até o Mercado Municipal. Meu deus, eu "so" boba mesmo, adorei o mercado! Comemos uma pamonha muito gostosa lá. A princípio tive medo de experimentar. Sei lá, às vezes sou muito fresca com alimentação. Mas estava uma delícia, quentinha e muito saborosa. O preço das coisas é uma ótima justificativa para voltarmos lá outros sábados...

Bom, demoramos mais do que havíamos planejado. No fim das contas estávamos os dois com os pés cansados. Mas acho que a mesma carinha de feliz que ele tinha era a minha. Rimos bastante caminhando pelas ruas.

Em meio a um monte de gente estranha, eram só mais duas pessoas passando pelas ruas de Campinas. Duas pessoas que não tinham pressa, que tinham todas as horas daquele sábado de fevereiro, sem sol nem chuva, para passarem um do lado do outro. Rindo das mais insignificantes coisinhas: por terem tomado a rua na direção errada, e foi duas vezes que fizeram isso; por chegarem no lugar onde deveria ter um Sebo e sequer achar o número que estava anotado na listinha... Que sorriam um para o outro com graça e felicidade. Se misturavam entre as muitas pessoas que iam e vinham pelas ruas sob aquele céu cinzento no centro da cidade. No fim, a promessa de que fariam aquele passeio mais vezes, porque tinham muitas coisas para conhecer ainda...




quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Prece


Acordei querendo fazer uma prece! Uma prece egoísta, é verdade! Mas queria de alguma forma garantir que algo ou alguém estaria cuidando das pessoas que eu amo. De repente dançava na minha frente os nomes, sorrisos, o cheiro, do meu pai, da minha mãe, do meu irmão, e da minha irmazinha, dos meus amigos queridos, que mesmo longe estarão sempre bem guardados por mim, das avós, das primas queridas, tias, tios, amigos novos, paixão recente. Pensei neles com todo carinho que tenho. Pensei neles juntamente com todos os bons sentimentos que desejo a eles: saúde, paz, alegria, amor, paixão. Muita paixão, porque apaixonar-se é um revitalizante. E como desejo longa vida aos meus, espero que todos se apaixonem... Pensei neles e fui sentindo cada um, como se estivessem aqui, do meu lado. Acho que essa é a única prece que sei fazer direito. Espero que ela possa chegar a cada um. Que os meus sinceros desejos e sentimentos possam ser sentidos, como uma brisa que chega de repente. Que se sintam queridos, especiais! Essa é a prece que sei fazer, a única...

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Filme


Tinha dias em que acordava, e tudo parecia assim tão simples. Abria a janela e a luz que entrava, o cheiro de mato e terra, o canto de uns passarinhos aqui outro acolá, traziam aquela esperança esquisita de que a vida podia ser sempre bonita. Esquisita mesmo, porque no fundo não buscava pela beleza constante. Temia esquecer o que era belo. Então buscava, quase que compulsivamente, algum traço que lhe causasse aquela sensação de estranheza, de horror, que quase faziam fechar os olhos. Mas tudo isso era só pra poder aproveitar melhor a sensação posterior. Da beleza que consome cada minúsculo espaço. Da beleza que vem, às vezes, do cheiro de alguém que se aproxima, da musicalidade da voz há muito tempo esquecida, ou da flor que se abre, alí, em frente a sua janela...


Abriu a janela, fechou os olhos, e aquela beleza misturada surgiu na sua frente. Com gosto de grama molhada, com cheiro morrom avermelhado da terra nua daquele canto esquerdo do jardim. Havia prometido cobrir aquele pedaço de terra com florzinhas miúdas, de cores diferentes. Mas a promessa já tinha até se perdido. E a terra continuava lá, exalando seu cheiro morno quando a chuva caia. Demorou-se com os olhos fechados e quando os abriu foi porque sentiu o leve bater de asas de uma borboleta que desfilava na sua frente. Antes, porém, se pôs a imaginar suas cores, azul, branco e cinza. Caprichosamente misturadas... Não, era amarela. Um amarelinho bem suave, de roupinha de criança recém nascida. Brincou alí, por entre suas flores e o mato que crescia pelas beiras da cerca de madeira. Vôou, vôou, e num instante, talvez enquanto tenha piscado, ela sumiu...

Aquelas primeiras horas do dia, com aquele colorido que invadia cada pedacinho da sua alma, trouxeram aquela esperança esquisita de que a vida era bonita mesmo. Achava graça da sensação. Achava graça daquela certeza sem sentido que a tomou. Tinha os cabelos bagunçados e o coração tomado de uma felicidade boba. E ali, no interior do quarto, que foi aos poucos invadido pelos movimentos do jardim, deitado e com o rosto numa paz invejável, estava o responsável pela bagunça em seus cabelos. Que graça tinha bagunçar seus cabelos? Ela até já achava graça também. Mas era do sorriso que pairava no rosto dele enquanto deslizava os dedos por seus cabelos. Ainda dormia. E ela o observava, como quem assiste a um filme bom e no fim tem medo de se levantar da poltrona. Quer ficar mais. Quer prolongar. As letras vão subindo, a música está quase no fim, a sala está vazia, mas continua-se lá. Esperando por um milagre. Ou esperando nada! Olhava para aquele rosto, cada detalhe que já havia gravado em sua memória, com ajuda das pontas dos dedos. Olhava e sentia-se agora dentro do filme. E então as letras poderiam subir, a música acabar, mas ela estaria segura lá, bem no meio do filme!


Ele mexeu a cabeça de repente. Abriu os olhos preguiçosamente, sorriu e perguntou com aquela voz rouca de quando se acorda: "Faz tempo que você está me olhando?" Sim, fazia tempo. Mas o tempo de repente tinha se tornado tão diferente. Havia se perdido nele. Realmente parecia um filme. Poderia ser apenas uns segundos, ou minutos, mas talvez fossem horas... Deslizou as dedos nos cabelos dele. Passou para o rosto e refez aquele trajeto, passando por cada curva e detalhe. Descobria nele os caminhos que esteve procurando sem saber, reconhecia os atalhos errados que havia tomado, quando se deparava com o que realmente havia desejado encontrar. Ele fechou os olhos. Talvez fosse a luminosidade que entrava pela janela. Resolveu encostá-la novamente. Faria como as vezes que, quase num ritual religioso, retirou a fita do video e guardou na caixinha, se deliciando com a certeza de que poderia colocá-la pra rodar quando quisesse. Que aquela história bonita, que as persoangens e cada cantinho da paisagem, cada palavra, não fugiriam da fita... Fechou a janela com aquela certeza estranha de que a vida podia mesmo ser muito bonita...

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

A colheita

O décimo quinto raio de Zubuê atravessou a décima quinta fresta do muro sagrado. Era a estrela, antes havia uma sequência de figuras geométricas: quadrados, triângulos e círculos, mas o primeiro e o último dos símbolos era a estrela de cinco pontas. Era hora de começar a marcha. Estavam lá com suas vestes escuras, todos com o rosto coberto. O Templo os esperava. A deusa sempre guardava surpresas para aquela comemoração. Dois dias de celebrações e depois começaria a colheita. Por debaixo das túnicas escuras elas traziam vestes coloridas e enfeites pelo corpo todo: colares e pulseiras com sementes da plantação. Eles tinham o corpo pintado de vermelho. No rosto todos tinham um estrela de cinco pontas, na testa, pintada de amarelo. A deusa Kaiemá era esposa de Zubuiê, que agora espalha seus raios através daquelas figuras no muro sagrado, avisando que chegou a hora de se colocarem em marcha. Entre as duas estrela, começo e fim, estava o caminho percorrido pelos antepassados.

A marcha era silenciosa. Mas era ritmada: todos andavam na mesma direção como se estivessem em fila. Os pés se levantavam juntos e tocavam as areias também juntos. Nas mãos, elas seguravam fios coloridos embolotados. Eles traziam um pedaço de madeira. Os pequenos não acompanhavam aquela caminhada. O chá azul que eles tomaram na noite anterior os faria dormir até que a colheita terminasse.

No primeiro dia da colheita, Zubuiê chegaria antes e se recolheria mais tarde. Taioá, irmã de Zubuiê, ficava escondida por esse tempo. Assim eles descansavam profundamente durante a noite escura, para que a colheita rendesse.

O Templo estava iluminado. Os guardiões preparavam tudo. No centro estava o lugar do grande sacrifício. Durante a colheita seria separado tudo que ficará ali e, no último dia, será entregue à Kaiemá. As portas do Templo se fechariam e Kaiemá só voltaria na próxima colheita. As folhas sagradas queimavam em todos os cantos do Templo. Os mantos escuros já estavam no chão. O colorido dos tecidos e das tintas se misturavam com os raios de Zubuiê que entravam pelos quatro símbolos no teto. A fumaça aos poucos trazia ao centro do Templo os primeiros sinais de Kaiemá. Elas começaram a dança. Eles faziam a batida ritmada. Dois grandes círculos, girando em sentidos invertidos, se organizaram no interior do Templo. De repente, param e formam a estrela de cinco pontas.

Kaiemá surge no centro das estrela e seu brilho intenso deixa todos embriagados. Ela se curva em direção aos quatro cantos do Templo. Sopra a fumaça das folhas sagradas e a alma deles inspira. Seus corpos vazios caem no chão. Kaiemá passeia por entre os corpos caídos, e deixa sobre cada um uma nova semente. Antes de sair do Templo ela devolve as almas a seus corpos, num expiro longo.

Quando eles acordam ficam extasiados com as novas sementes. As folhas sagradas foram todas queimadas. As cinzas são recolhidas no centro, onde serão feitas as oferendas. Ao redor do Templo começa a dança da colheita. Quando Taioá chega eles dormem. Durante a noite Taioá desaparece. No meio da noite escura, Kaiemá volta para trazer o alimento e a bebida para o dia seguinte. Os primeiros raios de Zubuiê os faz despertar. Maravilhados, devoram tudo que Kaiemá trouxe durante o sono. Novamente entram no Templo, mais uma vez dançam até Kaiemá aparecer. Outras sementes foram deixadas pela deusa. Dessa vez, a irmã mais nova de Kaiemá vinha molhar a terra e deixava um perfume inebriante no ar. Kuraiá só voltaria quando a colheita tivesse chegado ao fim. Mais uma vez descansavam quando Taioá regressou. Como na noite anterior, Taioá desaparece durante a noite e Kaiemá vem trazer o alimento.

Quando Zubuiê vem despertá-los, devoram todo alimento e logo em seguida iniciam a marcha até a plantação. Voltariam ao Templo no fim do dia para entregar à Kaiemá o que lhe pertencia. Voltavam no mesmo ritmo silencioso. Os pequenos em breve estariam despertos. Os guardiões enviados por Kaiemá regressavam para o Templo. As portas seriam fechadas e as oferendas fariam Kaiemá descansar até a próxima marcha.

O trabalho agora era cuidar das novas sementes até a nova colheita...

08/10/2007

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Cinema

Tinham combinado de se encontrar na hora do filme. Ela foi antes. Comprou as entradas. Era o filme deles. Estranho pensar assim.. Mas era isso mesmo. A idéia do filme talvez tenha sido o começo de tudo. Pelo menos pareceu o ponta pé inicial para que ambos se dessem conta de que realmente alguma coisa poderia acontecer...

Estava com alguns amigos que assistiriam outro filme. Ele liga, 18:14. Mas a ligação cai. Ela liga e dá caixa postal. Será que aconteceu alguma coisa? Não vai chegar em tempo? Mas fica tranquila. Não, ele só queria dizer que já está chegando. Continua conversando com os amigos. O telefone toca novamente, 18:18, é ele. "Estou no ônibus, daqui a pouco chego aí". Certo. Os amigos vão comer antes do filme. Encontra mais pessoas conhecidas. E a hora vai passando...18:36, o filme começará as 18:40. Ele não chega. Ela resolve ligar. "Já estou no shopping"! Ele deve tá correndo.. E estava! De repente ela vê um mocinho de camiseta amarela correndo pela praça de alimentação... Ia passando por ela desapercebidamente... Ela o chama. Um abraço. Que gostoso! Que abraço bom. Ficaria todo o dia assim, junto desse abraço. Ele estava todo atrapalhado. Tinha corrido bastante. Mas estavam em tempo. No fim das contas o filme começou com atraso de uns dez minutos.

O filme? Legal! Mas bom mesmo foi ficar abraçadinha com ele, sentindo o toque de suas mãos, carinho no braço, sentindo a respiração...
Ela não gosta de shopping. Aquele povo se esbarrando. Todos tão parecidos. Meninas iguais em fila, como se fossem bonecas na esteira de uma fábrica...o mesmo pode ser dito dos meninos, em suas bermudas caidas, com seus topetes...

Mas dessa vez foi diferente. Nem teve tempo para se irritar com nada disso. Jantaram no shopping. Conversaram, riram.. se olhavam com aquele olhar bobo... troca de confidêcias silenciosas, nos olhares sorrindo: como você me tem feito feliz, ela pensava.

Voltaram para casa abraçadinhos no circular. Ele contava como tinha sido seu dia. Talvez viajasse na próxima semana. Ela gosta de ouvir a voz dele. E o jeito que ele se empolga com as coisas que faz. Ele tem muita energia. Caminharam até a casa dela. Já estava tarde e ele preferiu não entrar. Mas que dificuldade deixar ele ir... Se pudesse, se tivesse uma varinha mágica, pra congelar o tempo, ou pra diminuir as horas que marcavam o relógio do celular... Parecia um imã. Mas que bobeira! Ele só vai pra casa. E amanhã com certeza se verão novamente. Mas era como se qualquer tempo que passassem longe pudesse roubar deles um bocado de felicidade...

Com muito custo se soltaram. Ele desceu a rua, ela se colocou portão a dentro... Andava sorrindo... já imaginava que horas se encontrariam no dia seguinte.. Esperava que esse sentimento bom durasse muito tempo..

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Mais um retirado do fundo do baú..

A vida tem ciclos. Os sentimentos vem e vão. De repente lembrei-me de um poema que escrevi já há algum tempo, mas que diz muito do que tenho sentido nessas últimas semanas. Então decidi botá-lo aqui.

Música


A vida é pura melodia...

Uma sinfonia,

Uma grande ópera,

A vida é música...

Ouço a música dos pássaros,

Que são livres, desconhecendo qualquer conceito de liberdade...

Ouço a música dos que vêm e vão,

Apressados, atrasados,

Felizes, agitados...

Eu também sou música:

Uma velha canção que agora está em novo rítmo...

Sou música que acalma,

que atrai,

que desperta desejos.

Música que quer ser tocada,

Cantada, ouvida...

Sou música:

Agora uma nova melodia...

breve ou eterna,

Dependendo de quem vai me ouvir...


Ouço a música dos que não me ouvem.

A música dos que sequer sabem que são melodias...

Música,

Quanta beleza se esconde nas notas,

Quanto sentimento,

Quanto mistério,

Quantas lembranças...

Sou música que encanta,

Que faz chorar.

Sou música das horas de solidão,

Que quebra o silêncio e

Que abafa o som das lágrimas que caem...

Sou música,

Somos todos uma canção!

Agora sou música

Que faz dançar,

Que faz sorrir,

Que faz cantar...


A vida:

é uma melodia...

Uma sinfonia,

Uma grande ópera,

A vida é música...

10/09/2004 / Coqueiros da Unicamp

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Mais Rilke!

Como contei outro dia, uma das minhas leituras de férias foi Cartas a um jovem poeta ,de Rainer Maria Rilke. Recomendo novamente a leitura!

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Roma, 23 de dezembro de 1903

Meu caro Sr. Kappus,

Não quero que fique sem uma saudação minha pelo Natal, quando, no meio da festa, carregar a sua solidão mais dificilmente do que nunca. Mas se verificar, nesse momento, que a sua solidão é grande, alegre-se com isto. Que seria, com efeito, uma solidão (faça esta pergunta a si mesmo) que não tivesse grandeza? Há uma solidão só: é grande e difícil de se carregar. Quase todos, em certas horas, gostariam de trocá-la por uma comunhão qualquer, por mais banal e barata que fosse; por uma aparência de acordo insignifiante com quem quer que seja; com a pessoa mais indigna. Mas talvez sejam estas, justamente, as horas em que ela cresce, pois o seu crescimento é doloroso como o de um menino e triste como o começo das primaveras. Mas tudo isto não o deve desorientar. O que se torna preciso, é no entanto isto: solidão, uma grande solidão interior. Entrar em si mesmo, não encontrar ninguém durante horas - eis o que se deve saber alcançar. Estar sozinho como se estava quando criança, enquanto os adultos iam e vinham, ligados a coisas que pareciam importantes e grandes porque esses adultos tinham um ar tão ocupado e porque nada se entendia de suas ações.

Se depois um dia a gente descobre que suas ocupações são mesquinhas e suas profissões petrificadas, sem ligação alguma com a vida, por que não voltar a olhá-los outra vez como uma criança olha para uma coisa estranha, do âmago de seu próprio mundo, dos longes de sua própria solidão que é, por si só, trabalho, dignidade e profissão? Por que querer trocar a sábia não-compreensão de uma criança pela defensiva e pelo desprezo, - uma vez que a não-compreensão significa solidão, ao passo que defensiva e desprezo equivalem à participação nas próprias coisas cujo afastamento se deseja?

Pense, caro senhor, no mundo que leva em si e chame o seu pensamento como quiser: resminiscência da sua própria infância ou saudade do futuro - o que importa apenas, é prestar atenção ao que nasce dentro de si e colocá-lo acima de tudo o que observar em redor. Os seus acontecimentos interiores merecem todo o seu amor; neles de certa maneira deve trabalhar e não perder demasiado tempo e coragem em esclarecer suas relações com os homens. Aliás, quem lhe diz que as tem? Sua profissão, bem o sei, é dura, cheia de contradições para si; previ a sua queixa e sabia que ela havia de vir. Agora que chegou não o posso tranquilizar, mas apenas aconselhar-lhe que examine se todas as profissões não são assim cheias de exigências, de hostilidade contra o indivíduo, como que ensopadas do ódio daqueles que, mudos, resmungando, se tiveram de conformar com o simples dever. A posição em que agora deve viver não é mais carregada de convenções, preconceitos e erros do que todas as outras. Se há algumas que exigem bem uma liberdade maior, não existe nenhuma que seja larga e ampla em si, relacionada com as grandes coisas de que se compõe a verdadeira vida. Mas o solitário é como uma coisa submetida
às profundas leis. Ao sair para a manhã que aponta, ao olhar para a noite cheia de eventos, se chega a sentir tudo o que aí acontece, todos os encargos se desprenderão dele como de um morto, embora se encontre no meio vibrante da vida. O que agora deve experimentar, caro Sr. Kappus, em sua qualidade de oficial, tê-lo-ia sentido em qualquer das profissões existentes. Mesmo que, fora de qualquer posto, tivesse procurado apenas contatos leves e independentes com a sociedade, este sentimento constrangedor não lhe seria poupado. - Por toda parte as coisas são assim. Mas isto não é um motivo de angústia ou tristeza. Não tendo nenhuma comunhão com os homens, procure ficar perto das coisas, que não o abandonarão. Ainda há as noites e os ventos que passam pela árvores e percorrem muitos países. No mundo das coisas e dos bicho tudo está ainda cheio de acontecimentos de que o senhor pode participar. As crianças são ainda como o senhor era quando criança, tão tristes e tão felizes - e quando pensar na sua infância, torne a viver entre elas, as crianças solitárias: os adultos voltarão a não ser nada, e suas dignidades não terão nenhum valor.

Se porventura lhe for temível e penoso pensar na sua infância, na simplicidade e no silêncio ligados a ela, por não poder mais crer em Deus que nela se encontra por toda a parte, então pergunte a si mesmo, caro Sr. Kappus, se relamente terá perdido a Deus. Não será, antes, que o senhor ainda não o possuiu? Aliás, quando o teria possuido? Parece-lhe que alguém que realmente o possui o possa perder como um seixo? Não lhe parece, antes, que aquele que o teve pode por Ele ser perdido? Se porém, reconhece que Ele não existia na sua infância, nem antes; se admite que Cristo foi iludido pela sua saudade e Maomé enganado por seu orgulho; se percebe com espanto que Ele não existe nem mesmo nesta hora em que falamos d'Ele - que coisa então o autoriza a sentir a falta de alguém que nunca foi e a procurá-lo como se estivesse perdido?

Por que não pensar que Ele é o vindouro, aquele que está por vir desde a eternidade, o futuro, o fruto final da árvore de que nós somos as folhas? Que é que o impede de projetar o seu nascimento para os tempos posteriores e viver a sua vida como um dia belo e doloroso de uma grandiosa gravidez? Não vê como tudo o que acontece é sempre um começo? Não poderia ser, então, o começo d'Ele, pois todo começo em si é tão belo? Se Ele é o mais perfeito, não deve ter havido algo menor antes d'Ele para que Ele se pudesse escolher a si mesmo dentro da plenitude e abundância?Não deverá ser Ele o último, para encerrar tudo em si? Que sentido teria a nossa vida se Aquele a que aspiramos já tivesse sido? Como as abelhas reúnem o mel, assim nós tiramos o que há de mais doce em tudo para o construirmos. Começamos pelo pormenor, pelo insignificante (posto que venha do amor), depois pelo trabalho e pelo repouso, por um silêncio ou por uma pequena alegria solitária; por tudo o que fazemos, sem participantes ou aderentes, iniciamos Esse que não podemos compreender, do mesmo modo que os nossos antepassados não nos puderam compreender a nós mesmos. No entanto, estes seres desaparecidos há muito, estão em nós, em nossos pendores, pesando sobre nosso destino, zumbindo em nosso sangue, emergindo num gesto que sobe do âmago dos tempos.

Existe algo que lhe possa tirar a esperança de estar futuramente n'Ele, no longínquo, no extremo?

Festeje o Natal, caro Sr. Kappus, com o pio sentimento de que talvez Ele, para começar, aguarde do senhor justamente esta angústia de viver. Talvez justamente estes dias de transição sejam o tempo em que tudo o no senhor trabalha n'Ele, como outrora, quando criança o senhor n'Ele trabalhou palpitante. Não seja impaciente e mal-humorado. Lembre-se de que a menor coisa que podemos fazer consiste em lhe dificultar tão pouco o nascimento quanto a terra dificulta o advento da primavera, quando ela tem de vir.
Fique alegre e tranquilo.

Seu
Rainer Maria Rilke

Retirada de Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke

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