Comunicação não é marketing. A ciência e os cientistas precisam tomar cuidado com armadilhas politiqueiras
Que João Doria, governador de São Paulo, aposta no marketing para rebaixar a política, isso é sabido desde sua eleição para a prefeitura de São Paulo em 2016. O João trabalhador, usando uniforme dos funcionários da limpeza pública na primeira semana de seu mandato, foi personagem criado para sustentar suas narrativas antipolíticas. Num cenário em que Bolsonaro é presidente, Dória parece civilizado, parece melhor, mas é importante lembrar que a distância entre essas duas figuras é bem pequena, eu diria, irrelevante. A maneira como Dória se apropriou dos estudos do Instituto Butantan me pareceu irresponsável e perigosa, podendo mesmo virar desserviço para a ciência como um todo.
Diante dos dados apresentados pelo Buntatan hoje (12/01/2021), é bem provável que tenha havido um atropelo na divulgação dos dados. Na semana passada, as eficácias anunciadas, de 100% para casos graves e moderados (que necessitam UTI ou hospitalização) e 78% para casos leves (que necessitam alguma intervenção ambulatorial) gerou expectativas altas em relação à vacina. No entanto, logo pesquisadores e jornalistas especializados em divulgação científica apontaram a ausência de dados sobre a eficácia geral da vacina.
É bom que se diga que os números inicialmente apresentados pelo Butantan não são falsos ou errados, mas que representam recortes específicos do estudo. No entanto, aparentemente, acompanhamos uma estratégia atabalhoada da divulgação dos dados, que pode ter sido influenciada por interesses políticos do governador de São Paulo, na sua guerra particular contra o cavaleiro da ignorância que desgoverna o nosso país. Mas reforço: não é porque Bolsonaro é o pior presidente que Doria se torna o melhor governador. E mesmo reconhecendo quão delicada é a situação que vivemos, os ataques de má-fé feitos por figuras como o deputado Osmar Terra e outras criaturas trevosas, os cientistas não estão imunes a críticas nem podem estar acima do bem e do mal. Os questionamentos feitos ao Butantan, os burburinhos que surgiram após a primeira divulgação de dados, devem servir de alerta aos cientistas. Não podemos incorrer no erro de achar que a ciência é neutra, com isso querendo dizer que ela está livre de influências políticas e econômicas, mas não é de bom tom ter cientista falando mais em linguajar político do que científico. Quando isso acontece, é importante também ter humildade para reconhecer as escolhas equivocadas e que podem afetar toda a ciência.
Em tempos de negacionismo científico, de disseminação do movimento antivacina no mundo todo, com um presidente que está em plena campanha contra a vacina, faz-se fundamental estratégias de comunicação cuidadosas e responsáveis. Diferente de meras estratégias marketeiras ou com intenções politiqueiras, uma boa comunicação, nesse caso, deveria levar em consideração impactos psicológicos em apresentar um "número" maior de eficácia num primeiro momento, para depois apresentar um "número" menor de eficácia. Como frisou a pesquisadora Natália Pasternak durante a coletiva de hoje, "temos uma boa vacina", não é a melhor do mundo, mas é uma boa vacina. Desse modo, teria sido muito melhor apresentar os dados sobre a eficácia geral da vacina que, embora baixos, 50,38%, se comparado com outras vacinas que já apresentaram seus dados, atendem os requisitos necessários para que uma vacina seja liberada para uso, e então depois se apresentassem os dados mais animadores, nos recortes do estudo.
Mas vamos ao que interessa! Temos vacina. Essa vacina é boa e é segura. Agora o que precisamos é combater o negacionismo, as desconfianças, e ampliar as vozes pedindo #vacinaçãojá!
Em tempo: Viva a Ciência! Viva as instituições públicas de pesquisa! Viva o SUS! e Fora Bolsonaro!
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