quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Na fila do banco

Não era bonita mas tinha seu charme. Muitas vezes se dera conta de que era observada. Mas era tímida. Nesses momentos sentia seu rosto ficar vermelho e quente. Tentava desviar o olhar e fingir que não percebia. Se caminhava, tropeçava, se ficava parada, sentia um desconforto tremendo e as mãos buscavam algum lugar para se acomodar, o que a desnudava fosse diante de quem fosse.

A fila estava grande. O calor insuportável daquele começo de verão a obrigará colocar um vestido leve que desenhava bastante seu corpo. Os óculos escuros eram a única arma que dispunha no momento. Pelo menos sentia-se um pouco protegida daquele olhar insistente que teimava em medir-lhe cada curva e cada centímetro. O vestido florido talvez lhe concedesse menos anos do que de fato carregava. O cabelo curto poderia trazer-lhe um pouco mais de idade. Não sabia porque mas sentia-se bem ao representar-se mais velha. Pensava que alguns anos a mais poderiam lhe garantir um pouco mais de respeito e livrá-la de olhares tão agressivos como aquele que a mirava na fila...

Precisava pagar as contas de água e luz. A fila não andava. Os olhos castanhos que a obsevavam estavam em grande harmonia com aquele rosto branco, com os cabelos claros e aquela boca tão perfeitinha. O nariz era pequeno e fechava aquela aparência angelical. Não, angelical coisa nenhuma! Eram olhos endiabrados aqueles que lhe miravam. Sorriam maliciosamente e a desnudavam ali mesmo, na fila do banco. Sentia seu vestido sendo suspenso pouco a pouco e, de repente, arrancado esbaforidamente. Sentia aqueles olhos medindo cada detalhe de seu corpo. Sim, o olhar tinha mãos próprias. Mãos que à distância já acariciavam sua cintura...

Ele usava uma bermuda azul e uma camiseta branca. Usava óculos. Uma armação quadradinha de metal. Como não tinha percebido os óculos antes? Sim, de repente ele tinha novamente a carinha de anjo. De bom menino. Usava chinelos pretos e trazia uma pasta na mão direita. Que mãos bonitas ele tinha. Branquinhas. Os dedos não eram gordos nem magros. Uma mão, de fato, bonita. Tinha uma certa queda por mãos...

Será que ele percebia que ela também o observava? Não, estava protegida pelos óculos escuros. A fila andou com uma rapidez até então desconhecida naquela manhã. Outro caixa foi aberto. Mais uma senhora e seria sua vez. Estaria livre daqueles olhos, daquele olhar endiabrado.. daquelas mãos tão bonitas que podiam lhe acariciar...

Dirigiu-se ao caixa. Pagou as contas. Tão rápido. Que raiva daquela fila, quase 40 minutos. Virou-se lentamente só para certificar-se de que ele ainda estava lhe observando... Ele agora sorria, não só com os olhos, mas deixava a mostra os dentes pequenos e brancos. Os lábios separados pareciam insinuar o desejo por um beijo...

Ela caminhou firme na direção dele. Não sorria, e era difícil traduzir a expressão de seu rosto. Ele ficou nervoso, olhou atônito para os lados, e voltou a encará-la. Ela parou, abaixou-se, pegou a pasta que ele, por descuido, deixará cair. Entregou-lhe. E sem nenhuma palavra, saiu.

*****

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Ausência


O barulho parecia, rapidamente, aproximar-se de sua porta. Eram passos pesados atravessando o corredor do sexto andar do prédio velho em que vivia já há 15 anos. Ela sabia que ele chegaria a qualquer momento. Tinha esperado impacientemente nas últimas semanas e, depois do telefonema da noite passada, nas últimas horas.


Tinha o cabelo preso num rabo alto o que a deixou uns 10 anos mais jovem. Usava uma calça preta e uma blusa azul claro. As unhas estavam pintadas e usava uma sandália baixa branca que combinava com o colar branco de contas grandes que girava duas vezes em volta de seu pescoço. Sentada na poltrona embaixo da janela, que era a preferida dele, ela batia os dedos no joelho tentando se distrair um pouco.


Quando ele foi embora, só levou uma pequena mala com os livros e alguns pares de calça e camisa. Saiu por aquela mesma porta de madeira envelhecida. Mas quase não se ouvia seus passos. Ele parecia flutuar. Deu-lhe um beijo longo na testa e pediu que ela se cuidasse. Ela não pode controlar as lágrimas e ainda agora sentia aquela dor no peito que a deixou alguns dias na cama. Chegou a pensar em lhe escrever e pedir que voltasse. Teve vontade de entrar no primeiro ônibus que passasse na rua e ir ao seu encontro. Mas controlou cada um desses desejos. Sofreu em silêncio e esperou as primeiras notícias.


Os postais, as cartas ricas em detalhes e os raros telefonemas iam compondo, aos poucos, o quadro daquela terra distante onde ele estava agora. Uma vez ele mandou fotos. Da casa, dos amigos, do caminho que percorria todos os dias. Uma vez ela descobriu que ele tinha uns fios de cabelos brancos em meio aquela cabeleira negra.. Também já não sorria como o menino que se jogava em seu colo pedindo cafuné. Tinha agora um olhar sério, quase triste, e parecia mais velho do que realmente era.


Os passos apressados, de repente, cessaram. O coração dela parecia subitamente ter sido colocado em viva voz. As batidas fortes na porta se confundiram com as batidas de seu próprio coração. Levou alguns segundos para se convencer de que ele havia batido na porta. Levantou-se e sentiu uma leve tontura e precisou apoiar-se na parede. Os olhos estavam turvos e as lágrimas quentes estavam prontas para rolar por seu rosto. Novamente o barulho na porta. Com dificuldade chegou até a porta. A mão trêmula girou a chave e depois a maçaneta. Fechou os olhos enquanto abria a porta. Um pequeno silêncio se seguiu. Mas depois uma voz familiar disse:


- Dona Catarina? A senhora tá bem?


Ela não podia acreditar. Era seu Joaquim, o porteiro. O que ele fazia à sua porta? Não queria abrir os olhos, não podia acreditar...


-Dona Catarina?! Tá tudo bem?! Eu trouxe isso pra senhora...


Rapidamente ela abriu os olhos e deu com eles num envelope branco que o porteiro trazia na mão direita, estendida na frente dela. Tomou a carta com certo receio. Não reconheceu aquela caligrafia mal feita. Abriu o envelope num único movimento brusco e desenrolou a folha branca. Passou os olhos pelo papel e a cada linha percorrida seu rosto se tornava cada vez mais pálido. Apertava os lábios para conter os soluços e gemidos. Aos poucos foi perdendo o controle de suas pernas e o corpo pesou como nunca jogando-a no chão desfalecida...


O porteiro a chamou, ergueu sua cabeça, gritou por socorro. O eco daquele pedido de socorro, no corredor do prédio velho, foi tão doloroso quanto à notícia que havia retirado dona Catarina daquela espera solitária de 10 anos.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Três e pouco da manhã

Seu cheiro no silêncio escuro da madrugada
enche meus olhos de lágrimas numa repentina onda de bem querer.
Abraço-lhe também silenciosa, aspiro profundamente esse cheiro morno-laranja-avermelhado que só você tem,
e ouço uma música que fala de você e de mim,
uma música que é só minha.
Fecho os olhos e entro no escuro claro dos pensamentos que sempre trazem você para perto.
O vento lá fora faz silêncio para ouvir meu coração bater cada vez mais junto do seu.
A madrugada sorri para nós dois.
Você dorme do meu lado,
eu percorro nossos caminhos, ouço sua respiração,
e aspiro seu cheiro morno-laranja-avermelhado no silêncio escuro da madrugada que me leva por onde anda os sonhos seus.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Vento ventania..

O vento lá fora está furioso. Parece que vai levar até a casa. O barulho está assustador.
Deve estar frio. E em dias de frio, com muito vento, eu desejo entrar por debaixo da roupa dele, pra sentir o calor dele.

Estou com sono. Fui dormir tarde noite passada. E com essa ventania, eu vou é me esconder debaixo do cobertor. Eu sinto muito frio só de ouvir o barulho do vento. Estou arrepiada. Isso é engraçado...

Talvez chova novamente.. Hoje já caiu uma quantia boa de água do céu.
Nossa, eu me enganei. Já está caindo o mundo lá fora.. bom mesmo pra dormir...

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