O barulho parecia, rapidamente, aproximar-se de sua porta. Eram passos pesados atravessando o corredor do sexto andar do prédio velho em que vivia já há 15 anos. Ela sabia que ele chegaria a qualquer momento. Tinha esperado impacientemente nas últimas semanas e, depois do telefonema da noite passada, nas últimas horas.
Tinha o cabelo preso num rabo alto o que a deixou uns 10 anos mais jovem. Usava uma calça preta e uma blusa azul claro. As unhas estavam pintadas e usava uma sandália baixa branca que combinava com o colar branco de contas grandes que girava duas vezes em volta de seu pescoço. Sentada na poltrona embaixo da janela, que era a preferida dele, ela batia os dedos no joelho tentando se distrair um pouco.
Quando ele foi embora, só levou uma pequena mala com os livros e alguns pares de calça e camisa. Saiu por aquela mesma porta de madeira envelhecida. Mas quase não se ouvia seus passos. Ele parecia flutuar. Deu-lhe um beijo longo na testa e pediu que ela se cuidasse. Ela não pode controlar as lágrimas e ainda agora sentia aquela dor no peito que a deixou alguns dias na cama. Chegou a pensar em lhe escrever e pedir que voltasse. Teve vontade de entrar no primeiro ônibus que passasse na rua e ir ao seu encontro. Mas controlou cada um desses desejos. Sofreu em silêncio e esperou as primeiras notícias.
Os postais, as cartas ricas em detalhes e os raros telefonemas iam compondo, aos poucos, o quadro daquela terra distante onde ele estava agora. Uma vez ele mandou fotos. Da casa, dos amigos, do caminho que percorria todos os dias. Uma vez ela descobriu que ele tinha uns fios de cabelos brancos em meio aquela cabeleira negra.. Também já não sorria como o menino que se jogava em seu colo pedindo cafuné. Tinha agora um olhar sério, quase triste, e parecia mais velho do que realmente era.
Os passos apressados, de repente, cessaram. O coração dela parecia subitamente ter sido colocado em viva voz. As batidas fortes na porta se confundiram com as batidas de seu próprio coração. Levou alguns segundos para se convencer de que ele havia batido na porta. Levantou-se e sentiu uma leve tontura e precisou apoiar-se na parede. Os olhos estavam turvos e as lágrimas quentes estavam prontas para rolar por seu rosto. Novamente o barulho na porta. Com dificuldade chegou até a porta. A mão trêmula girou a chave e depois a maçaneta. Fechou os olhos enquanto abria a porta. Um pequeno silêncio se seguiu. Mas depois uma voz familiar disse:
- Dona Catarina? A senhora tá bem?
Ela não podia acreditar. Era seu Joaquim, o porteiro. O que ele fazia à sua porta? Não queria abrir os olhos, não podia acreditar...
-Dona Catarina?! Tá tudo bem?! Eu trouxe isso pra senhora...
Rapidamente ela abriu os olhos e deu com eles num envelope branco que o porteiro trazia na mão direita, estendida na frente dela. Tomou a carta com certo receio. Não reconheceu aquela caligrafia mal feita. Abriu o envelope num único movimento brusco e desenrolou a folha branca. Passou os olhos pelo papel e a cada linha percorrida seu rosto se tornava cada vez mais pálido. Apertava os lábios para conter os soluços e gemidos. Aos poucos foi perdendo o controle de suas pernas e o corpo pesou como nunca jogando-a no chão desfalecida...
O porteiro a chamou, ergueu sua cabeça, gritou por socorro. O eco daquele pedido de socorro, no corredor do prédio velho, foi tão doloroso quanto à notícia que havia retirado dona Catarina daquela espera solitária de 10 anos.
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