quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Função da Arte

"Hoje a visão que tenho é que uma obra de arte já tem função social, independentemente do conteúdo político. A função da arte é ajudar a inventar o mundo, a vida. A arte existe pois a vida é pouca. E essa função é satisfatória."
Ferreira Gullar - folha online - 10/12/2008 - http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u477423.shtml

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Faz de conta


 Gostava de brincar de faz de conta, era princesa e bruxa, era sapo e fada. Era tudo e mais um pouco nos faz de conta que inventava. Era menina sapeca que na nuvem de algodão-doce dançava. Era moleque esperto, que montava em seu cavalo e da lição escapava... Era queijo que parecia lua, era pirulito colorido que se fingia de poste na rua, era anjo e tinha asas, voava e voava, se fosse borboleta ou fada... E fazia de conta que nunca ia ter fim: o cheiro de terra molhada depois que a chuva caia, o cheiro de café logo que alguém passava, o gosto do último pedacinho de bolo de chocolate que estava na geladeira, o abraço da mãe, a noite de sexta feira...

Fazia de conta tantas coisas.

Que até fez de conta que tinha vida: assim, viveu feliz, como se tudo aquilo fosse pra ser daquele jeitinho: Como no faz de conta...

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Eu e Ele

Ele não sabe muito de mim. Eu também sei pouco dele. Ele deve saber tanto quanto eu sei. O que eu já descobri até agora. Eu sei o que ele me deixou ver até agora e talvez isso seja tudo que ele mesmo viu... Estamos construindo algumas coisas juntos: castelos de sonhos, uma linguagem secreta, uma pasta de emails dele pra mim (e alguns meus pra ele), um caderninho de receitas com nossas receitas favoritas, uma amizade bonita, uma paixão cheirosa, algumas páginas de agenda, um arquivo de chamadas atendidas no celular, uma coleção de mensagens, também por celular. Ele é de peixes. Às vezes eu sou o aquário dele. E juntos olhamos para o mesmo céu estrelado, mesmo quando estamos longe. Eu ligo várias vezes no dia. Ele retorna minhas ligações. Ele dormia silencioso, quando o celular tocou e assustou os dois... Eu sou de capricórnio. Mas nunca sei o que essas coisas querem dizer. Logo mais farei aniversário. Mas ele vai estar longe... Em pouco tempo fará um tempo bom que estamos juntos. Um ano é muito, mas é pouco também. Se tivéssemos só mais um ano juntos, passaria como se fosse um dia. Eu gosto dele e sei que ele gosta de mim. "Amor recíproco e feliz" ( Romance 2008). Eu chorei assistindo esse filme. Às vezes sou romântica sim. De verter sangue (tenho uma amiga que dizia isso de algumas coisas que já escrevi: se espremer sai sangue!). Ele lê os meus textos, poesias e tudo mais. Ele tem sido minha inspiração. Eu já escrevi pra ele. Na verdade, logo no começo eu escrevi pra ele. Vamos fazer aniversário. Eu quero que comece tudo de novo. Mas não quero perder o que construimos até agora. Todas as lembranças, risadas e lágrimas, e filmes e músicas, bolos e macarrões, beijos e tantas coisas... Ah, como é bom cada dia ao lado dele. Descobri que o céu tem mais cores que o arco-íris. Que a lua tem mil facetas e que eu posso ser eu mesma sem me repetir. Mas que se eu me repetir, ele também vai gostar. Tem horas que precisamos bem pouquinho para que o mundo se torne o melhor dos mundos: é só estar vivo. E ter ele do meu lado.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Céu aberto

Fecho os olhos e ainda posso ver o bordadinho miúdo de seu vestido. O pano era de qualidade tão baixa quanto a autoestima que ela tinha. Os cabelos enrolados em volta de um coque, começando a branquejar. As rugas no rosto eram acentuadas pela total falta de trato que aquela pele recebia. Tinha os olhos fundos, a boca murcha, as mãos machucadas pela enxada, os pés cascudos denunciando as longas caminhadas de pé no chão que fazia todo dia. Sorria muito pouco. E quando o fazia os olhos entravam em contradição com aquela quase expressão de alegria. Eles choravam. Sem lágrimas e muito pouco expressivos. Da última vez que a vi, o vestido que usava era azul com algumas florzinhas num tom mais escuro e uns pontinhos amarelos desbotados. Ela usava o chinelo que lhe dei e havia solto o cabelo. Os olhos continuavam acinzentados, pouco expressivos, mas dessa vez não chorava. O sorriso que colocou no rosto, lhe caiu bem naquela manhã ensolarada. Eu sabia que ela estava um pouco desapontada. No fundo ela sempre esperou, desde quando cheguei, que eu ficasse ali, que assossegasse meu coração e deixasse o mundo que seguisse seu rumo. Era o jeito que ela mesma dizia nos fins de tarde, quando eu observava o sol sumindo e ouvia passarinhos ao longe cantando a noite que se aproximava.
****************
Eu estava perdido. Sim, totalmente perdido. Sem mapa na mão, com a mochila nas costas, andando sem saber onde o caminho ia dar. Quando resolvi por os pés na estrada, queria na verdade percorrer os meus caminhos até aqueles 32 anos. Fechei-me para balanço. Dei adeus ao conforto da minha casa, às noticias diárias de economia e política, aos ombros dos meus amigos que tinham me suportado nos últimos meses. Talvez alguns deles julgassem precipitada minha decisão. Ou até mesmo ingratidão depois de todo apoio oferecido. Mas eu sentia que era preciso.
Quando cheguei em Céu aberto, eu só queria um lugar pra descansar. Deitar meu corpo doído de tanto andar. Foram três dias de ônibus. Uma noite num banco de praça de uma cidadezinha que nem lembro o nome. Um dia inteiro caminhando. Cheguei quando o sol estava sumindo e o céu estava avermelhado. Ouvi pela primeira vez aquele canto de passarinho que nunca mais saiu dos meus ouvidos.
Mercedes morava sozinha. Isso explica a recepção espantadiça com que me recebeu. Empunhou o porrete que trazia na mão direita. Olhou com cara de bicho assustado pronto pra atacar. Nunca poderei esquecer aquele olhar. Fui rápido dizendo que não lhe faria mal, que apenas procurava abrigo por uma noite. Que sentia sede e tinhas os pés doídos. Ela falava pouco. Sozinha como vivia, quase mesmo só emitia uns sons estranhos. Disse-lhe meu nome. Não sei se ele inspirou confiança, mas ela baixou o porrete. Examinou-me de cima a baixo. Deu sinal pra ver o que eu trazia na mochila. Logo abri a bolsa e joguei para fora as poucas peças de roupa que carregava e o bloco de notas com as canetas. Não tinha nada que pudesse representar perigo. Naquele momento até mesmo pensei nos riscos que corri nos dias anteriores. Nada tinha que pudesse tornar-se arma, a não ser aquelas palavras amargas e duras rabiscadas no caderno de notas que só poderiam ferir a mim mesmo...
Entrei na casinha simples que estava próxima do portãozinho pelo qual entrei na vida de Mercedes. Talvez nem ela tenha percebido que desde aquele dia não foi apenas a terra e a casa dela que passei a habitar. Foi também seu coração. Eu mesmo só me dei conta disso passado algumas semanas.
***************
Mercedes levantava cedo. Fazia um café forte que bebia sem nenhum tipo de adoçamento. Punha o chapéu de palha de longas abas na cabeça e adentrava a pequena floresta que começa atrás da casa. Aventurei-me a fazer esse percurso com ela depois de alguns dias. Ela retornava pra casa quando a tarde já dava sinais de cansaço e cedia seu lugar a noite. Ela permanecia num silêncio quase místico. Comunicava-se por sinais. Gesticulava com muita agilidade. E quando tentava falar, parecia temer acordar alguém. Talvez o filho que descansava no fundo do quintal, cujas pedras em circulo e a roseira branca eram o único sinal. Não foi logo que descobri todas essas coisas. Por isso, talvez, eu fui ficando e ficando.
Ela, apesar da aparente idade avançada, tinha apenas três anos mais do que eu. Morava ali, naquele isolamento silencioso já há 15 anos. Não fora sempre daquele jeito. Aqueles olhos acinzentados já haviam brilhado um dia. Aquela boca murcha e aquele corpo maltrado já haviam beijado e amado. Mas o amor foi breve. Não pra ela, mas pra ele. Um dia sem mais nem menos foi embora. Arranjou alguém com mais brilho nos olhos, mais perfume nos cabelos, mais beijos e mais amor no corpo. Dele só restou a barriga crescida. O filho que nasceu, durou tão pouco quanto aquele amor errado. Desde então ela viveu só mesmo porque estava viva.
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Eu ainda estava perdido. Acabei mergulhando no silêncio de Mercedes. Na verdade não exatamente no silêncio dela. O silêncio de Mercedes foi só a porta de entrada para meu próprio silêncio. Aos poucos eu parecia mesmo esquecer algumas palavras. Esquecia nomes, esquecia junto com os nomes pessoas, lugares. Sentia um esvaziamento. Mas não me sentia vazio. Era com se eu desocupasse um prédio velho que por muito tempo esteve amontoado com um monte de tranqueira. Depois de jogar fora todos os móveis que não usava há tempos, todos os livros empoeirados, anotações já sem sentido, objetos estranhos e sentimentos sem valor, começava redescobrir os traços do prédio. As cores das paredes. O chão, os sons próprios de cada pedacinho do prédio. Ele nem era tão velho assim...
De repente sentia uma alegria tão grande em ouvir os barulhos na pequena cozinha que denunciavam um novo dia. O cheiro do café de Mercedes era o cheiro de uma parte de mim. As trilhas que percorríamos durante o dia, aos poucos revelavam atalhos de mim mesmo que eu tinha perdido. Eu sorria. Não podia ver meu rosto, mas imaginava meus olhos brilhando. Mercedes não parecia ter sentido grandes mudanças com minha presença. Embora eu só soubesse o que tinha visto desde quando cheguei, parecia que sua rotina em nada havia se alterada. Eu era quase sua sombra.
Numa tarde agradável, enquanto voltávamos para casa, ela iniciou conversa. Sem muito jeito, perguntou quando eu ia partir. Senti uma pontinha de dor. Não havia pensando nisso. Perdi a noção do tempo. Talvez eu estivesse ali já há muitos meses, ou talvez fossem só algumas semanas. Sinalizei com a cabeça negativamente, querendo dizer que não sabia. Acho que ela entendeu que eu não pretendia partir...
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Talvez tenha se passado um mês desde aquela conversa. Cada dia mais eu sentia que meu prédio velho estava em fins de reforma e restauração. Tantas coisas tinham voltado para o lugar. A luz começava entrar naqueles quartos escuros. Eu sentia vontade de cantar. O fiz algumas vezes, mas Mercedes parecia se incomodar. Eu voltei a ter vontade de conversar. Por esse tempo descobri todas as coisas que já contei sobre ela. Mas ela não se animava com minha falação.
Eu percebia que chegava a hora de partir. Eu estava pronto para voltar pro meu lugar. Depois de muitos anos caminhando sem rumo certo, seguindo um caminho que parecia o tempo todo fugir dos meus pés, eu parecia saber exatamente qual era o meu caminho: era caminhar. Céu aberto, como eu carinhosamente apelidei aquele cantinho de mundo, que se tornou o mundo todo de Mercedes, estava pequeno pra mim.
O dia que eu resolvi falar para Mercedes que eu iria partir, ela estava desinquieta. Tentou fugir da conversa. Falou das frutas que acabavam lá no mato. Do ninho de passarinho que ela vigiava por dias e que havia sumido. Mas não teve jeito. Eu disse. Ela derrubou uma lágrima. O tempo parou. Eu quase desisti do meu caminho. Quase decidi entregar-me ao silêncio de Mercedes...
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Naquela manhã ensolarada, ela soltou o coque. Botou o vestido azul, que parecia ser um pedacinho do céu. Ela calçou o chinelo que lhe dei de presente. Tenho certeza que com um esforço que deve ter lhe custado mais uma ou duas lágrimas durante a noite, ela botou também um sorriso na boca. Os olhos não choraram.
Enquanto eu caminhava por aquela mesma estradinha estreita que havia me trazido até Mercedes, ela abanava o braço, eu prendia um soluço, e caminhava para enfim assumir meu caminho.
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sexta-feira, 21 de novembro de 2008

em busca de um deus

Quero encontrar um deus bem corrupto,
mas que não seja careiro,
que aceite algumas velas e incensos,
e permita que já agora seja fevereiro...

quero encontrar um deus bem corrupto,
mas que seja eficiente,
entregarei a ele óleos, moedas e enfeites,
e espero nunca mais ser carente...

quero encontrar um deus bem corrupto,
que depois de me atender, suma, desapareça.
Agora lhe serei fiel e fervorosa,
mas daqui algumas horas estarei em busca de outra crença...

quero encontrar um deus corrupto,
eficiente, que desapareça em breve e seja barateiro!
Tá, eu sei que é demais,
mas quem sabe, se ele for brasileiro...

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Mãos


A mesma mão que conduz
ao escuro bilhante,
à respiração ofegante,
é a mão poetante
que escreve doce e elegante
sobre amar
e os amantes

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Na fila do banco

Não era bonita mas tinha seu charme. Muitas vezes se dera conta de que era observada. Mas era tímida. Nesses momentos sentia seu rosto ficar vermelho e quente. Tentava desviar o olhar e fingir que não percebia. Se caminhava, tropeçava, se ficava parada, sentia um desconforto tremendo e as mãos buscavam algum lugar para se acomodar, o que a desnudava fosse diante de quem fosse.

A fila estava grande. O calor insuportável daquele começo de verão a obrigará colocar um vestido leve que desenhava bastante seu corpo. Os óculos escuros eram a única arma que dispunha no momento. Pelo menos sentia-se um pouco protegida daquele olhar insistente que teimava em medir-lhe cada curva e cada centímetro. O vestido florido talvez lhe concedesse menos anos do que de fato carregava. O cabelo curto poderia trazer-lhe um pouco mais de idade. Não sabia porque mas sentia-se bem ao representar-se mais velha. Pensava que alguns anos a mais poderiam lhe garantir um pouco mais de respeito e livrá-la de olhares tão agressivos como aquele que a mirava na fila...

Precisava pagar as contas de água e luz. A fila não andava. Os olhos castanhos que a obsevavam estavam em grande harmonia com aquele rosto branco, com os cabelos claros e aquela boca tão perfeitinha. O nariz era pequeno e fechava aquela aparência angelical. Não, angelical coisa nenhuma! Eram olhos endiabrados aqueles que lhe miravam. Sorriam maliciosamente e a desnudavam ali mesmo, na fila do banco. Sentia seu vestido sendo suspenso pouco a pouco e, de repente, arrancado esbaforidamente. Sentia aqueles olhos medindo cada detalhe de seu corpo. Sim, o olhar tinha mãos próprias. Mãos que à distância já acariciavam sua cintura...

Ele usava uma bermuda azul e uma camiseta branca. Usava óculos. Uma armação quadradinha de metal. Como não tinha percebido os óculos antes? Sim, de repente ele tinha novamente a carinha de anjo. De bom menino. Usava chinelos pretos e trazia uma pasta na mão direita. Que mãos bonitas ele tinha. Branquinhas. Os dedos não eram gordos nem magros. Uma mão, de fato, bonita. Tinha uma certa queda por mãos...

Será que ele percebia que ela também o observava? Não, estava protegida pelos óculos escuros. A fila andou com uma rapidez até então desconhecida naquela manhã. Outro caixa foi aberto. Mais uma senhora e seria sua vez. Estaria livre daqueles olhos, daquele olhar endiabrado.. daquelas mãos tão bonitas que podiam lhe acariciar...

Dirigiu-se ao caixa. Pagou as contas. Tão rápido. Que raiva daquela fila, quase 40 minutos. Virou-se lentamente só para certificar-se de que ele ainda estava lhe observando... Ele agora sorria, não só com os olhos, mas deixava a mostra os dentes pequenos e brancos. Os lábios separados pareciam insinuar o desejo por um beijo...

Ela caminhou firme na direção dele. Não sorria, e era difícil traduzir a expressão de seu rosto. Ele ficou nervoso, olhou atônito para os lados, e voltou a encará-la. Ela parou, abaixou-se, pegou a pasta que ele, por descuido, deixará cair. Entregou-lhe. E sem nenhuma palavra, saiu.

*****

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Ausência


O barulho parecia, rapidamente, aproximar-se de sua porta. Eram passos pesados atravessando o corredor do sexto andar do prédio velho em que vivia já há 15 anos. Ela sabia que ele chegaria a qualquer momento. Tinha esperado impacientemente nas últimas semanas e, depois do telefonema da noite passada, nas últimas horas.


Tinha o cabelo preso num rabo alto o que a deixou uns 10 anos mais jovem. Usava uma calça preta e uma blusa azul claro. As unhas estavam pintadas e usava uma sandália baixa branca que combinava com o colar branco de contas grandes que girava duas vezes em volta de seu pescoço. Sentada na poltrona embaixo da janela, que era a preferida dele, ela batia os dedos no joelho tentando se distrair um pouco.


Quando ele foi embora, só levou uma pequena mala com os livros e alguns pares de calça e camisa. Saiu por aquela mesma porta de madeira envelhecida. Mas quase não se ouvia seus passos. Ele parecia flutuar. Deu-lhe um beijo longo na testa e pediu que ela se cuidasse. Ela não pode controlar as lágrimas e ainda agora sentia aquela dor no peito que a deixou alguns dias na cama. Chegou a pensar em lhe escrever e pedir que voltasse. Teve vontade de entrar no primeiro ônibus que passasse na rua e ir ao seu encontro. Mas controlou cada um desses desejos. Sofreu em silêncio e esperou as primeiras notícias.


Os postais, as cartas ricas em detalhes e os raros telefonemas iam compondo, aos poucos, o quadro daquela terra distante onde ele estava agora. Uma vez ele mandou fotos. Da casa, dos amigos, do caminho que percorria todos os dias. Uma vez ela descobriu que ele tinha uns fios de cabelos brancos em meio aquela cabeleira negra.. Também já não sorria como o menino que se jogava em seu colo pedindo cafuné. Tinha agora um olhar sério, quase triste, e parecia mais velho do que realmente era.


Os passos apressados, de repente, cessaram. O coração dela parecia subitamente ter sido colocado em viva voz. As batidas fortes na porta se confundiram com as batidas de seu próprio coração. Levou alguns segundos para se convencer de que ele havia batido na porta. Levantou-se e sentiu uma leve tontura e precisou apoiar-se na parede. Os olhos estavam turvos e as lágrimas quentes estavam prontas para rolar por seu rosto. Novamente o barulho na porta. Com dificuldade chegou até a porta. A mão trêmula girou a chave e depois a maçaneta. Fechou os olhos enquanto abria a porta. Um pequeno silêncio se seguiu. Mas depois uma voz familiar disse:


- Dona Catarina? A senhora tá bem?


Ela não podia acreditar. Era seu Joaquim, o porteiro. O que ele fazia à sua porta? Não queria abrir os olhos, não podia acreditar...


-Dona Catarina?! Tá tudo bem?! Eu trouxe isso pra senhora...


Rapidamente ela abriu os olhos e deu com eles num envelope branco que o porteiro trazia na mão direita, estendida na frente dela. Tomou a carta com certo receio. Não reconheceu aquela caligrafia mal feita. Abriu o envelope num único movimento brusco e desenrolou a folha branca. Passou os olhos pelo papel e a cada linha percorrida seu rosto se tornava cada vez mais pálido. Apertava os lábios para conter os soluços e gemidos. Aos poucos foi perdendo o controle de suas pernas e o corpo pesou como nunca jogando-a no chão desfalecida...


O porteiro a chamou, ergueu sua cabeça, gritou por socorro. O eco daquele pedido de socorro, no corredor do prédio velho, foi tão doloroso quanto à notícia que havia retirado dona Catarina daquela espera solitária de 10 anos.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Três e pouco da manhã

Seu cheiro no silêncio escuro da madrugada
enche meus olhos de lágrimas numa repentina onda de bem querer.
Abraço-lhe também silenciosa, aspiro profundamente esse cheiro morno-laranja-avermelhado que só você tem,
e ouço uma música que fala de você e de mim,
uma música que é só minha.
Fecho os olhos e entro no escuro claro dos pensamentos que sempre trazem você para perto.
O vento lá fora faz silêncio para ouvir meu coração bater cada vez mais junto do seu.
A madrugada sorri para nós dois.
Você dorme do meu lado,
eu percorro nossos caminhos, ouço sua respiração,
e aspiro seu cheiro morno-laranja-avermelhado no silêncio escuro da madrugada que me leva por onde anda os sonhos seus.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Vento ventania..

O vento lá fora está furioso. Parece que vai levar até a casa. O barulho está assustador.
Deve estar frio. E em dias de frio, com muito vento, eu desejo entrar por debaixo da roupa dele, pra sentir o calor dele.

Estou com sono. Fui dormir tarde noite passada. E com essa ventania, eu vou é me esconder debaixo do cobertor. Eu sinto muito frio só de ouvir o barulho do vento. Estou arrepiada. Isso é engraçado...

Talvez chova novamente.. Hoje já caiu uma quantia boa de água do céu.
Nossa, eu me enganei. Já está caindo o mundo lá fora.. bom mesmo pra dormir...

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Um pouquinho de Pessoa

Gostei disso...


Fernando Pessoa
Quando estou só reconheço
Se por momentos me esqueço
Que existo entre outros que são
Como eu sós, salvo que estão
Alheados desde o começo.
E se sinto quanto estou
Verdadeiramente só,
Sinto-me livre mas triste.
Vou livre para onde vou,
Mas onde vou nada existe.
Creio contudo que a vida
Devidamente entendida
É toda assim, toda assim.
Por isso passo por mim
Como por cousa esquecida.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Sentido e sentimentos

Às vezes se sentia grande. Grande como aquelas pessoas que são altas e que chamam atenção quando passam pela rua ou grande como aquelas pessoas que, embora não tão grandonas, têm responsabilidades e um ar de gente séria.

Outras vezes sentia-se pequenininha pequenininha. Como criança de colo deve se sentir quando a colocamos bem no meio de uma cama de casal grandona. Com um mundo vasto e assustador espalhado por todos os cantos. Nessa horas queria sempre um abraço pra se esconder. Ou simplesmente chorava... Deve ser por isso que as crianças choram aquele choro doído tantas vezes...

Mas, tinha vezes que não sentia nada. Que deixava o corpo se jogar em algum lugar, na cama do beliche, ou no colchão da sala, ou no banco no circular e não pensava em nada. Ficava horas e horas viajando num vazio estranho. Em alguns momentos parecia que estava tudo cheio de palavras, e música, e medos e sonhos, e sorrisos, e fotos, e vozes, e cores e saudades. Só que essa mistura toda voltava a ser nada. Ou sempre fora nada. Ficava minutos, horas, uma eternidade num segundo. Nunca sabia direito quanto tempo tinha passado.

Sentia uma sonolência. Uma sensação de quem acorda de um sonho esquisito e esquece do enredo do sonho, permanecendo só uma sensação de que se sonhou. Os olhos ardentes lhe deixavam ainda mais confusa. Teria cochilado? dormido muito tempo? ou só dera uma piscadela? O silêncio ao redor parecia sussurrar algum segredo. Mas era segredo, e ela não podia escutar. E quantas vezes tinha se distraído por querer, só pra não ouvir o segredo. O mundo parece sentir uma coceirinha na língua. Insiste em nos dar pitadelas de segredos que se revelarão logo ali na frente. Ela desconfiava que tudo isso era feito só pra depois ele se divertir com nossa cara de espanto e alegria misturada com um pouquinho de "eu já sabia"...

Mas nesses momentos que não sentia nada, não importava se ela era grande ou pequena. Se sabia muitas coisas ou coisa nenhuma. Se era bonita ou não. Tudo tão irrelevante. A única coisa relevante nesses momentos era o nada silencioso que ocupava tudo, transformando tudo em nada. Numa confusão de tudo, onde as coisas, pessoas, vozes, músicas, sentimentos, lembranças e o futuro pareciam sair de dentro dela ou vir entrando num repente pela sua boca ou pelos seus olhos que já não podem reconhecer contorno de nada. Sim, o nada não tinha contornos. Sem limite ele vai engolindo tudo.

Sentia um calor no rosto. Sentia também um balançar esquisito, o corpo tremia de leve. Mas tudo isso foi sumindo. Ficando distante, parecia que ela se derretia ou evaporava. Um sussurro insistia em contar algo, mas ela já não ouvia, não podia ouvir. Nem falar. Era nada e tudo com o tudo que era nada. Mas foi bem nesse momento que acordou. O corpo dormente, de repente passou a formigar quase que por completo. Ela havia adormecido no banco da sala. O sol da tarde havia avermelhado seu rosto. Os livros caídos pelo chão, o rádio ligado, e o gato observando.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

brincadeirinhas

- Se você não se comportar direito, vô te dar um castigo: fim de semana "sem" Fran!
Ele, com os olhos arregalados e um sorriso travesso no rosto soltou:
- "Cem" Fran??? Oba!

risos!!

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Fé e milagres

Às vezes quase decidia que seria uma pessoa religiosa. Não porque tivesse algum apego especial com essa ou aquela doutrina. Mas muitas vezes havia experimentado algumas doses de milagres ou de maravilhas da fé. Não sabia de onde vinha aquela fé estranha. Aquele sentimento de confiança e então, milagre!
Talvez fosse coisa da mãe. Sim, a mãe tinha fé. Rezava todo dia. Quantas vezes durante esses últimos anos tinha ligado pra casa só pra pedir que a mãe rezasse por ela? Muitas vezes. Também muitas vezes ouvira da mãe: "menina, porque ao invés de pedir pra mim, você não reza?" Mas a fé dela era na mãe. Se ela tentasse não iria funcionar. O milagre acontecia porque a mãe estava lá, rezando todos dias. Sendo mãe todos os dias, mesmo longe.
Amor de mãe é fonte de muitos milagres! Sua fé se resumia nisso. Talvez tivesse fé em algumas outras coisas... mas nada se compara!
Talvez, se um dia for mãe, então também faça milagres...

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Detalhes

Sabe aquele dia que você só precisa fechar os olhos e se jogar com vontade? é, se jogar, e abrir os olhos depois. Ou talvez não abrir os olhos...Pode ser que de olhos fechados o mundo seja bem mais interessante...

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....algumas vezes deixo a vida/destino me levar.
nas outras, eu minto pra mim mesma que estou no controle de tudo...

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Hoje à noite a realidade estará fantasiada...

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

O mistério dos mistérios

De todas as coisas que se me apresentam como um mistério nessa vida, o maior e mais terrível deles diz respeito a constatação da solidão.

Os momentos de mais profunda e intensa solidão que já experimentei até hoje, foram justamente os momentos nos quais, antes de se realizarem, eu acreditava se esconder a mais completa comunhão com um outro.


Não recordo de ter sentido tanta solidão enquanto estivesse sozinha, mas sempre quando tinha alguém, muitos alguéns ou "o" alguém comigo...


Esses momentos são inicialmente de alegria, de felicidade muito grande, mas o fim deles é um vazio, uma dorzinha (no fundo da alma) e a certeza de estar só. Indiscutivelmente sozinha. Dolorosamente sozinha.

Solidão é um mistério pra mim. O mistério que parece consumir minha vida.

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Estamos sempre juntos nessa solidão!

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Agora não estou triste por isso. Mas muitas vezes já fiquei. E talvez isso ainda aconteça muitas outras vezes. Agora meus olhos estão secos, mas tem momentos em que eles choram, quando só as lágrimas parecem aliviar o nó na garganta, encher o vazio, acariciar meu rosto no escuro da noite...

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

O estagiário

Começo de mês. Segunda-feira. A camisa estava impecável. O cabelo bem cortado, recém lavado e bem penteado. No pescoço ostentava o crachá da empresa X. Calça com as costuras bem alinhadas, o sapato brilhando. Talvez a última vez que estivera tão bem arrumado assim fora em sua formatura de ensino médio. Ah, claro. No dia da entrevista também estivera apresentável. Mas nada se comparava ao primeiro dia de trabalho.

Caminhava pela rua sem pressa. Ou talvez temesse amassar a roupa ou, de repente, pisar em alguma lama e estragar o trabalho da manhã de sábado. Sim, porque havia chovido no fim de semana. Há umas semanas atrás teria derrubado uma baita tromba por causa da chuva. Estragaria seu sagrado futebol no sábado de manhã. Mas dessa vez nem se importou. Estava ansioso. Sentia aquela mesma emoção de quando era menino. Aquela véspera do dia de ir no estádio com o padrinho. A promessa feita um mês antes o deixara muito ansioso. Até febre tivera. E a mãe ameaçara não permitir que o menino fosse assistir a final do campeonato com febre. Deu um jeito de ficar bom. Sem febre, nem dor de barriga. Aquela mesma dor de barriga que sentiu no último domingo. Mas passou. Dessa vez nem precisou das ameaças da mãe.

Caminhava num passo moderado e trazia no rosto seu melhor sorriso. Na mão esquerda trazia aquela bolsa preta de couro. Sentia-se gente grande de verdade. Nem mesmo a grande mala que trouxera quando deixou a casa dos pais para fazer a faculdade o fizera sentir-se tão independente. Para não dizer que nunca havia trabalhado, quando tinha uns 12 anos, um tio lhe deu uma graninha durante um tempo para que ele cuidasse de seus cachorros. Mas agora teria seu próprio dinheiro. Na medida em que se aproximava do terminal de ônibus, ia se intensificando aquele friozinho na barriga. Mas estava tudo sobre controle. Já podia imaginar sua mesa. O computador, e os papéis que ficariam sobre sua responsabilidade. Sim, era um estágio. Ainda nada garantido. Mas aquele crachá no pescoço, aquela roupa, e o fim da graduação se aproximando, tudo somado, nesses últimos meses, o faziam sentir que a vida adulta enfim chegava.

De repente se via pensando em tantas coisas novas e assustadoras. Não era só a profissão, mas a estabilidade que desejava, e os planos que talvez devesse começar a fazer: filhos,casar, comprar uma casa. Não nessa ordem, de preferência... Sentia vontade de correr, como aquela vez que havia, contra todas as recomendações da mãe, chutado bola dentro de casa e quebrado o vidro da janela da sala. Vontade de correr, pra não ter que responder nem pagar... Correr pra adiar um pouco o inadiável...

Mas agora, as 7:45 da manhã, da primeira segunda-feira de agosto, caminhava sem pressa e sorria. Uma coisa de cada vez. E agora era a hora do trabalho, da emoção do primeiro emprego, mesmo com todas as incertezas, sabendo que era só um estágio. Mas sentia-se feliz, como quando seu time ganhara o campeonato municipal de futebol de salão e ele foi o artilheiro. Só feliz. Sem preocupar-se com o que virá.

A camisa impecável, salmão, atravessou a catraca do terminal.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Fim de tarde de inverno seco em Minas Gerais

-Será que chóvi?
(uns segundos depois)
-Pricisa, né?
(um tempinho depois)
-É...- um "é" espichado e depois acrescentou: a muié da televisão disse que vem chuva no saldo.
memo?? -com cara de desconfiado- sei não...
Enquanto isso o outro dá de ombros e faz cara de "uai".
O desconfiado continua desconfiando: - será que chóvi memo?
-Pricisa, né? a muié disse...

A cena

Sentada na beira da janela, balançava as pernas e olhava pra longe. Talvez não tão longe assim. Mas parecia não enxergar nada. O gato passava de um lado pro outro. Se alisou na perna da cadeira, abriu a boca em sinal de fome, miou, desistiu. Ela continuava lá, balançando as pernas e olhando sem ver nada.
Não era bonita. Mas também não a chamariam de feia. Ainda que os cabelos estivessem naquela desarrumação rotineira, e estivesse enfiada no velho moleton azul marinho, o olhar, embora um pouco perdido naquele momento, lhe confiava uma beleza serena. O sorriso também era algo que lhe rendia alguns elogios. Não aparentava os anos que tinha, pelo menos, já havia confundido uma dúzia de pessoas. No entanto, talvez fosse meio a meio. As vezes o jeito serelepe, falante e sorridente lhe conferia aquele ar quase infantil. Tinha dias que acordava assim, saltitante, jogando o jogo do contente até com sua sua sombra... Está certo que esses dias de Pollyana há muito que haviam se tornado pouco comum. Alguém que a olhasse agora, talvez lhe desse mais do que seus vinte e poucos anos. Trazia um peso que se traduzia nas rugas na testa e naquele olhar vazio carregado de interrogações.
O gato pulou até seu colo. Ficou dançando de um lado pro outro. Parou e miou. Não teve outra alternativa, botou as unhas de fora..
- Ai! O que foi? que houve?.. está sangrando.. você é doido?
Deu um pulo e botou os pés no chão. O gato saltou também e pôs-se a roçar suas pernas.
- Ah, entendi, você está com fome?? e precisava me atacar?..
Caminhou até a vasilha do gato, pegou o pote de ração, encheu até boca.
O bichano, esfomeado, atacou a comida instantaneamente. Ela lavou o braço. Não foi um machucado grande. Um arranhãozinho leve.
Um chiado que vinha da cozinha lhe chamou atenção. Enquanto caminhava para a cozinha deu um grito e correu.
- Nossa, a água pro café...merda
A vasilha de alumínio dançava no fogão. A água estava quase totalmente evaporada. Tirou a vasilha do fogo, encheu novamente, voltou ao fogo. Sentou-se numa banqueta ao lado do fogão. Fixou os olhos nas chamas azuis que tocavam de leve o fundo da vasilha. Aos poucos as chamas pareciam consumir seus olhos. Ela estava imóvel. A face contorcia, a testa enrugava e desenrugava. Mordeu os lábios levemente e uma lágrima tímida rolou do olho esquerdo. Uma lágrima quente, desceu solitária e lentamente pelo rosto moreno. Outra lágrima brotou, e outra, e agora era do direito e do esquerdo, e todo rosto foi ficando quente e úmido. A água começou a ferver novamente. Ela levantou-se, tomou da vasilha, despejou a água no coador. O cheiro de café aos poucos foi tomando conta da cozinha. O rosto continuava molhado. Ela não secou as lágrimas. Ela fechou os olhos, respirou fundo, foi soltando o ar devagarinho, e abrindo um sorriso do tamanho de todo seu rosto. Se alguém pudesse vê-la agora. Tinha o rosto iluminado. Até seus movimentos de repente ficaram leves. Tudo parecia uma dança. Uma cena de musical. Por certo que ela ouvia uma música enquanto se movia pela cozinha. Pegou uma xícara, botou uma pontinha de açúcar, despejou o café recém passado. Mexeu, retirou a colher, levantou a xícara e a levou à boca. Tudo isso sem perder o ritmo. Tudo isso, como se fosse parte de ópera. Tudo tão bonito. Ah, se alguém pudesse ver tudo isso. Mas ela estava sozinha. A casa estava vazia. Só o gato. Mas ele continua comendo. Ninguém a viu. Ninguém!

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Férias

Tem horas que o paraíso é abrir a janela e ter um pedacinho de céu bem azul sobre uma montanha verde, com algumas araucárias aqui e ali espalhadas, anunciando aquele friozinho aconchegante... Na verdade, o paraíso está em cerrar os vidros da janela, e deixar só o azul do céu entrar, enquanto o cheiro de café vai tomando conta da sala e do quarto. Talvez o verdadeiro paraíso seja a voz que vem da cozinha:

_ Fran, levanta, acabei de passar café.

Sim, voz de mãe. A geada já sumiu. São dez horas da manhã. Uma semana só, mas valeu a pena. Tirando todos os contratempos, o cartão bloqueado, a chateação de ir no banco, as pequenas desavenças familiares (implicações com a irmã, com o irmão e com a cachorra...), foi muito bom.

Mudanças aqui, e também lá. A casa dos meus pais já não é a "minha casa". Eles mudaram. Cheguei e, apesar da sensação de estar em casa, eu era uma estranha porta a dentro. Os móveis dispostos de maneira diferente. Os cômodos diferentes. Portas e janelas, a paisagem. Mas em poucas horas eu estava em casa.

E quando a gente sabe que está em casa? Comida de mãe, bronca e paparico de pai, briga com irmão, cochilo no sofá (enrolada num cobertor bem quentinho), brigadeiro feito pela irmã enquanto assiste filme de sessão da tarde, mãe trazendo xarope e dizendo "abre a boca" como se você tivesse três aninhos...

Férias, ainda que só uns diazinhos, fazem muito bem! Agora já estou de volta, e já com saudades...

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Inesperadas

- Vc lembra do carinha que eu disse ter conhecido outro dia?
- Claro, lembro. O Fulano?
- Sim, esse mesmo. Então, desencanei dele.
- Ah..
- Conheci outra pessoa. Bonito, inteligente, super simpático..

Vixi, não vai demorar e vou ouvir que também desencanou desse... Meu deus, com que facilidade as pessoas passam de muito interessante a totalmente desinteressante...
Enquanto as frases saltavam na tela do computador, continuava pensando na mutabilidade do ser. Na rapidez com que se passa do não ser para o ser e de repente para o não ser outra vez... Pensava em quantas vezes teria passado de muito interessante para desinteressante. Pensava em quantos lugares diversos teria ocupado diante dos olhares alheios. E mesmo pensava nos lugares que ocupava agora. Pensava também nos lugares a que tinha elevado ou submetido tantos "eus"..
- Vamos ao cinema hoje. e amanhã vou assistir filme na casa dele. agora vo pra academia. Depois te conto. bjo.
- bjo, sim, me conte...
Não deveria me surpreender! Já sei que é assim. Euforia! Energias gastas de uma só vez. E depois, bom, ai vem a baixa. O desinteresse é proporcional ao interesse eufórico inicial..
Não, eu não gosto disso. Prefiro as curvas. Ir subindo de vagar, até atingir o pico. Depois a queda não é tão brusca, e sempre pode-se encontrar um ponto de equilíbrio... Tudo bem que nem sempre é como a gente diz que gosta. E nem sempre também as melhores coisas são aquelas que acontecem de acordo com nossas teorias. Pra ser bem sincera: os melhores momentos de nossas vidas são aqueles que fogem a qualquer possibilidade de teorização a priori. São as surpresas...os empurrões inesperados que dão impulso a uma sequência de emoções e sentimentos jamais antes imaginados.. eita, e nem era sobre esse tipo de coisas inesperadas que eu queria falar, mas agora já foi...

terça-feira, 24 de junho de 2008

Correr

Eu estou sempre correndo:
correndo de mim,
correndo pra ti,
correndo pra mim,
correndo do tempo,
correndo pro tempo,
pra chegar à tempo,
pra fugir do vento!

correndo, sempre, mesmo quando finjo estar com tempo,
mesmo quando durmo,
corro do pesadelo que me devora,
corro pra acordar,
corro pra não parar,
e quando parar? terei corrido até o fim???

[correrei pra não perder o ônibus, agora..]

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Loucura

Acordou assustada. Sentou-se na cama na esperança de que fosse mesmo uma cama e não o barco que afundava poucos segundos atrás... Estava agitada. O coração acelerado, a respiração ofegante. Não tinha mais ninguém em casa, mas desconfiava que tinha gritado muito alto por socorro. Ainda estava confusa. Temia botar os pés fora da cama, poderia encontrar a água gelada que a pouco sentia congelar suas pernas. Estava sozinha num barquinho que era arrastado para o meio do mar. Uma água escura e muito gelada. O vento cortava a pele, revirava seus cabelos e tornava as águas bravas.

Ela estava sozinha na cama. Depois de muito tempo, pelo menos pareceu muito tempo, ela esticou o braço e alcançou o celular que estava sobre o criado mudo: três e quinze da manhã.. "meu deus, isso é hora de acordar?" Fora deitar já mais de meia noite. Tinha terminado um trabalho para segunda-feira e aproveitado para organizar uma papelada que estava espalhada sobre sua mesa.

Sábado à noite: nenhum telefonema, nenhum convite para um barzinho ou cinema... Tomou um banho, botou aquele pijama de seda que ganhara no último aniversário, de uma colega de trabalho e que tinha um inegável tom de ironia... Tentou ler algumas páginas do Cem Anos de Solidão que também estava sobre o criado mudo. Mas ele já estava era há uns cem anos abandonado ali... Não tinha passado da página 20.

Tinha momentos que temia enlouquecer. Sim, sentia um terror absurdo. Ficava tentando recordar-se de tudo que tinha feito durante o dia, e também durante o dia anterior. Vasculhava suas lembranças em busca de cada detalhe do que havia feito e falado nos últimos dias. Não se achava nenhum gênio. Longe de disso. Mas havia desenvolvido uma teoria de que existem dois tipos de loucura no mundo: a loucura decorrente de uma mente muito brilhante que, no entanto, necessariamente terminaria louca diante da incompatibilidade de seus conhecimentos e completa escuridão na qual estava imersa a maioria dos homens, e a loucura das mentes normais que, num acesso de lucidez reconhece sua situação e ,não suportando retornar ao estado de ignorância ,tão pouco pode dar um passo além de sua descoberta.

O pesadelo que a fizera acordar agora também trazia esse medo de enlouquecer. O vento gelado que lhe cortava o rosto, aquelas águas escuras e geladas, sentia aquele medo do silêncio, da total ausência de palavra. Sentia medo da solidão. Do que encontraria nos cantos escuros de si mesma. O coração acelerado, o rosto ainda gelado e o silêncio dolorido e vazio de seu quarto, do fim de semana, dos últimos meses...

Ouvia vozes e barulho de festa. Risos e palavras tão vazios quanto a solidão de seu apartamento que fora trocado por aquelas companhias estranhas. Abriu os olhos: estava cochilando, segurando ainda o celular na mão e mal acomodada em seu barco que navega sem rumo. O trabalho, é tudo que tem neste momento. A papelada que precisa de sua assinatura. Talvez somente esses papeis mesmo precisem dela... Mas por que alguém precisa ser precisado por outro alguém?? [Silêncio] "Também não preciso de ninguém, pronto, é isso!"...

"Na verdade preciso sim, preciso do sono, de uma boa noite de sono!"

Deitou-se de lado, tentou achar uma posição boa. Encolheu-se toda. Enrolou os pés no edredom. Sim, estava com os pés frios. "Foi isso! Foi essa a causa do pesadelo! Pés frios, água fria, barco sendo levado para o meio das águas frias! Mas não aconteceria de novo. Os pés ficariam quentes agora e nada de pesadelo..."

terça-feira, 13 de maio de 2008

Em busca da sabedoria

Mais uma vez encontrava-se perdido em seus muitos pensamentos. O espirito inquieto da junventude se fazia presente naquele brilho no olhar. Ele passava longas horas em silêncio. Muitas vezes tinha por companhia, por vários dias, aqueles antigos livros que havia encontrado na biblioteca do avô. Seus 20 anos em muitos momentos pareciam 30 ou 40. A mãe se preocupava. Desejava vê-lo sorrir como os outros rapazes de sua idade. Esperava ansiosa pela primeira namorada que nunca aparecia. Esperava pela madrugada que, como todas as outras mães que tinham filhos naquela idade, o veria chegar talvez um pouquinho alterado pelo álcool ou simplesmente embriagado pela alegria contagiante dos outros meninos. Mas esperava em vão.

Ele não era de muitos amigos. Reprovava aquela alegria barulhenta e desordenada dos colegas de classe. Vivia num estado de sobriedade que podia ser sentido pelas cores das roupas que sempre usava. Para os colegas era um tipo estranho. Bonito, era o que diziam algumas meninas e, embora ele fingisse ignorar tais comentários, sabia que tinha traços no rosto e um porte físico que eram agradáveis aos olhos femininos. No entanto, pouco ou nenhum valor dava a isso. Pensava que ninguém pode se orgulhar de características que apresentavam sem que, no entanto, fosse mérito dele. Nada fizera para ter aquela aparência. E assim, pouco valor atribuía a ela. E era esse o ideal que buscava nas outras pessoas: algo que não fosse tão perecível quanto a aparência...

Mas o jovem tinha outros problemas com os quais ocupar sua cabeça. Questões que por vezes lhe botavam uma interrogação na testa e o faziam apertar os lábios como se sentisse alguma dor crônica. Pensando bem, talvez a aparência fosse um de seus maiores problemas sim. Ela lhe remetia sempre àquela dúvida profunda que o angustiava: o ser humano é só isso? esse amontoado de matéria que vai perecendo no tempo? Mas se não fosse, se havia algo que resistia ao tempo, o que vem a ser esse algo? Lera muitas coisas, desde tratados filosóficos e científicos, textos de teologia, literatura e poesia, até cartas de amigos, bilhetes e pequenos recados que encontrará nos livros antigos, sobre os mais variados assuntos. Em suas muitas horas de silêncio pensava e repensava sobre a sabedoria. Deseja ser sábio. Queria conhecer os homens mais sábios que estivessem sobre a terra.

Na agenda marrom, que era mais um diário do que uma agenda, e que o acompanhava em todos os lugares, e já há muitos anos, havia uma lista com nomes de pessoas que ele queria conhecer. O primeiro da lista era um intelectual muito famoso pelas coisas que escrevia. Ele viajava o mundo, e as pessoas ficavam maravilhadas quando o ouviam. Ele dava aula na universidade mais famosa da capital. Havia feito filosofia, direito, também tinha muitos conhecimentos sobre física, mas dava aula de literatura. Tinha também o nome de um senhor, já de idade muito avançada, que morava no interior do país. Era famoso por seu estilo de vida. Tinha uma esposa e cinco filhos. Morava no campo. Sua vida era simples. Mas as pessoas que conversavam com ele contavam maravilhas da sabedoria do velho. Sabedoria que não compreendiam de onde tinha saído. Ele contava 78 anos e nunca estivera numa escola. Aprendeu escrever seu nome quando já adulto. Aprendeu a ler por esse mesmo tempo. Mas desconhecia Platão, Nietzsche, Homero, Shakespeare, Camões e Machado de Assis.

O jovem durante muitos meses, incansavelmente, tentou marcar um encontro com o professor. Ligou, mandou e-mail, esteve dias em frente a porta da sala dele na universidade. Mas ele era muito ocupado. Todos queriam a presença dele em suas universidades. E se não estava viajando, precisava escrever, pois em muitas revistas e periódicos eram publicados seus artigos. O último que tinha lido, tratava de descobertas recentes feitas por naves que estavam no espaço há dez anos. Ele discutia mais uma vez um assunto que atrai muita gente: estamos sozinhos no universo?

Uma tarde, depois de muito tentar e esperar pelo professor, o encontrou por acaso no corredor. Não pensou duas vezes e o parou. Não sabia direito como começar a conversa. Tinha tantas coisas para perguntar. Disse uma saudação qualquer atrapalhada e se apresentou. Explicou que por muito tempo desejava encontrá-lo, e quando começaria a fazer suas perguntas, o professor impaciente olhava para o relógio e mirava o fim do corredor. Provavelmente não ouviu nada do que o jovem falava. Quando ele parou para respirar, o professor aproveitou para dizer-lhe que estava atrasado, que pegaria um voo em uma hora e ainda precisava arrumar a mala. Pediu educadamente que o jovem lhe enviasse um e-mail, ou que agendasse um horário com a secretária dele, que seria um prazer conversar com ele. Antes que o jovem pudesse dizer qualquer palavra, o professor acelerou o passo, atravessou o corredor e sumiu na frente dele...

Ele, que na sua busca por sabedoria aos poucos já tornava-se sábio sem o saber, riscou o nome do professor da agenda marrom. Não poderia haver sabedoria numa pessoa de tais modos. Ele sequer sabia ouvir. Um sábio minimamente sabe ouvir aqueles que dele se aproximam. Sabem reconhecer em tudo o que acontece na vida um ensinamento novo. Agora iria procurar o velho.

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Série: Um gato em minha vida I

Estava ali parado já fazia um bom tempo. Olhava fixamente pra sua própria imagem projetada no chão. Difícil saber porque, de repente, fora tomado de admiração ou lançado àquela contemplação silenciosa e imóvel. Depois de muito tempo mexeu a cabeça. Levantou-se bruscamente, esticando-se todo. Deu alguns passos à frente e tornou a posição que estava pouco antes. No entanto, posicionou-se de tal modo com relação á luz que perdeu de vista sua imagem, que minutos antes observava tão concentrado.

Fixou os olhos no chão como se procurasse algo. Mas a busca cessou. Fechou os olhos. Parecia tirar um cochilo, ali, sentado, no meio da sala. A orelha movimentou-se discretamente. A cabeça pendeu para o lado, como quem dá um "pescada". Abriu os olhos rápido e espiou ao redor como se preocupado com algum observador atento... Pareceu não me ver ou pouca importância deu a minha presença. Tornou a fechar os olhos. Abaixou a cabeça encostando-a no peito. É, parecia consumido pelo sono. No entanto, havia dormido o dia todo...

Levantou-se num salto. Deu alguns passos em circulo e retornou a posição anterior, novamente contemplando a imagem que se estendia a sua frente...

Meus deus, esse gato anda muito narcisista!! Imagina só se gostasse de água...

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Fragmentos

Caminhava para lugar nenhum. Bom, houve um tempo, quando começou essa jornada, que acreditava no ponto de chegada. Cada passo, um após o outro, era sempre em vista de um ponto bem definido. Mas agora, depois de tanto tempo, andava mesmo era sem rumo. Às vezes se esquecia que não sabia pra onde ia. Acreditava estar quase chegando. Diminuía o ritmo das passadas. Sentia que enfim descansaria... Estabeleceria morada fixa. Poderia então ter um lar...
Mas não sabia se era o vento, a chuva ou algum passo errado que a jogava, de repente, para lugar nenhum. E sentia que estava só no começo... embora sequer pudesse dizer o começo de onde...
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Acordava cedo e começava botar tudo no lugar. Pegava a vassoura, um balde com água, um rodo, um pano e limpava tudo. Ajeitava os livros na estante. Cada semana experimentava um critério novo: a cor da capa, o tamanho dos livros, afinidade de temas, títulos, nome de autor. Ainda bem que não eram muitos...
Depois era a vez das roupas no armário. Tirava tudo das gavetas, dos cabides e punha-se a dobrar tudo de novo. Também usava e abusava dos critérios cor, tamanho, afinidade...
A cozinha era onde passava mais tempo. Limpava o fogão, deixava as louças brilhando, sobrava até mesmo para os puxadores do armário e as torneiras...
Por último o banheiro e então aproveitava para tomar seu banho. Estava cansada. Demorava-se sentindo a água escorrendo pelo corpo. Brincava com o sabonete entre as mãos. Ouvia o barulho da água chegando ao chão. Não pensava nada. Consumia-se de cansaço. Botava o pijama, fazia um chá quente ou, quando estava quente, um leite com chocolate frio. Pegava um livro, nem lembrava o nome, nem a página onde havia parado, deitava e somente passava os olhos sobre algumas palavras, que dançavam diante de seus olhos que já queriam dar boas vindas ao sono que aproximava...
Outro dia tentou lembrar quanto tempo fazia que estava nessa vida. Não pode. Não tinha mais idéia. Poderia ter sido ontem, a última vez que se entregou a leitura de verdade, ou que havia discutido com algum colega sobre ética ou lógica.. mas poderia também fazer uns dez anos...Não sabia ao certo porque tinha se refugiado naquele silenciamento... tinha uma vaga idéia, mas resolveu deixá-la lá longe, bem no fundo daquela escuridão de onde vinha o silêncio...
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Tinha uns olhos brilhantes e fé. Sim, acreditava em muitas coisas. Tinha opiniões, muitas, e fazia questão de dizê-las. Defendia com energia e vigor suas crenças! Era insistente, falava alto e sempre achava que tinha razão...

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Virada

Uma cidade muito simpática e alegre. Cheia de vida, de música, de arte em geral, com direito a arco-íris num céu limpo, muito azul, numa manhã de domingo. Foi mágico...


Dificilmente terei palavras para descrever os maravilhosos momentos que passei em São Paulo nesse último fim de semana. Infelizmente não passei sem presenciar uma briga, ou sem dar com os olhos em dezenas de homens, mulheres e crianças que tiveram "suas casas", as ruas do centro histórico de São Paulo, invadidas por milhares de pessoas barulhentas, que caminhavam de um palco para outro, despreocupadamente... pelo menos era o que parecia, atras das muitas atrações que tomaram conta da cidade mais agitada do Brasil.


Os metrôs, que trem massa! A caipira que me habita e que sou ainda, tão pouco acostumada com ruas tão movimentadas, com aquele fluxo de gente passando catracas de um lado para outro, subindo e descendo escadas, ficou deslumbrada com a eficiência e a buniteza dos metrôs de São Paulo. Não foi a primeira vez que os vi, mas o encantamento foi grande como se fosse...


"Alguma coisa acontece no meu coração, que só quando cruzo a Ipiranga e a Avenida São João, é que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi (...)"

é, acho que só dá pra entender o Caetano passando lá mesmo! Nem preciso dizer que fiquei emocionada...


E o Mercado Municipal? O que dizer daquele lugar? Não resisti ao famoso pão com mortadela, e fiz bem em não ter resistido... É preciso experimentar (...) não dá pra passar por lá sem o fazer. O melhor de tudo foi ouvir Pena Branca, cantando Cuitelinho, e depois Mocinhas da Cidade. Eita, esse coração mineiro derreteu-se em lágrimas. Foi bonito demais.



Deu até pra dar uma espiadinha na igreja do Mosteiro de São Bento, com direito a ouvir o raro som do orgão. De repente parecia que estavamos em outro mundo, cada detalhe, cada palavra...


Não foi dessa vez que entrei no Teatro Municipal. Só mesmo a grandeza e a imponência da arquitetura ficou registrada. Mas ainda volto lá...


Piano na praça! Dá pra acreditar?? Claro que dá! O que não dá pra acreditar é que não se faça muitas outras vezes se repetir isso... Como não seria melhor a vida das pessoas se mais vezes fosse invadida pela beleza da arte em suas mais diversas expressões... Não havia medo ou insegurança nos rostos que encontrei pelas ruas. As pessoas sorriam. As pessoas conversavam com os que chegavam ao seu lado nas filas... pediam informações sem receio para os que circulavam a sua volta... Talvez, e eu ficaria feliz que assim o fosse, todas essas coisas sejam mais comum do que eu imagine. Talvez seja apenas minha ignorância, meu "pre-conceito" com a cidade de São Paulo, pelo medo que a sua grandiosidade me desperta, porque ainda agora me disperta tal sentimento, que tenha criado uma imagem sombria, fantasmagórica, fria... Mas agora quando eu pensar em São Paulo essa primeira imagem será apenas a sombra de uma cidade receptiva, bonita, quente...


Aos amigos que me proporcionaram esse encontro tão saboroso, meu muito obrigada!!! Com toda certeza vocês contribuiram para que esse fim de semana fosse muito especial!!
(escrito em 28/04/2008)

sexta-feira, 4 de abril de 2008

[sem título]

às vezes sinto frio,
às vezes calor,
outras vezes não sei quem sou...

às vezes assisto tv,
às vezes compro sorvete,
outras vezes tenho medo...

às vezes ando sozinha pela rua,
às vezes canto no chuveiro, nua,
outras vezes não sei, sumo...

Tem dias que o sol me deixa feliz,
tem outros que tenho vontade de chorar,
com sol, com chuva ou por qualquer coisa..

Tem dias que sinto muita fome,
como fruta, comida, chocolate,
tem dias que sinto sono... e mais nada...

às vezes sou de lua,
tenho fases e tudo,
outras sou simples, mas ninguém me entende...

então, às vezes, em alguns dias,
eu me escondo, eu finjo,
sei lá, e aí acreditam que sou "eu"!

domingo, 9 de março de 2008

Mudanças


Medo! é, todo mundo sente medo! Mesmo quando tentam disfarçar, quando botam banca de valentões, quando fingem serem fortes o bastante pra não serem abalados por nada... Não adianta! O medo sempre está presente. Naqueles momentos de tomar uma decisão. De anunciar em alto e bom som uma renuncia... Sim, porque o que conta mesmo não são as escolhas, mas as renuncias que temos que fazer.

Era nas renuncias que pensava agora. Renunciaria um lugar que fizera parte desses últimos 4 anos de sua vida. Renunciaria ao lugar que aprendera a chamar de casa. Sua casa. Mas no fundo não era grande coisa isso! era só uma casa. As lembranças, cada detalhe de tudo que havia passado, estaria com ela onde estivesse. Bom que as lembranças não tão boas assim poderiam ser deixadas para trás...

Mudanças fazem bem! Não estava tentando se convencer disso. Realmente pensava assim. Acreditava que estava passando por um momento importante de crescimento, de descobertas, e de renovação. Por que não? Mudar de ares era uma questão de se permitir olhar para outros horizontes... era uma chance de se olhar diferente também.

Mas mesmo com tudo isso, não deixava de sentir medo... Adaptar-se novamente. Ter um outro teto pra chamar de seu. Seria por pouco tempo também. Provavelmente mais mudanças virão no próximo ano... Estava segura do que faria. E depois, talvez o que mais assustasse no momento fosse o gatinho...Mas tem cabimento? medo de um pobre gatinho? iria, sim, se acostumar com ele. É dócil e muito bonitinho. E é só um gato...um gato não pode ser mais difícil do que gente... Gente sim é um bicho esquisito. Arredio, às vezes. Desconfiado, cruel, mau.. os gatinhos não..

Mas era difícil controlar a ansiedade. São 4 anos. E agora talvez se sentisse como quando deixou a casa dos pais. Naquele tempo, a casa dos pais era a sua casa. Agora a casa que deixará é a sua casa. Mas também já se acostumou (ou, pelo menos, pensava ter se acostumado) com essa ideia de ter casa nenhuma. Posses são sempre ilusões... usamos um pronome possessivo e pronto! achamos mesmo que possuímos algo... ou alguém...

Mas vai dar tudo certo... Mudanças são boas!!

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Passeio de sábado


O centro de uma cidade como Campinas pode se tornar muito interessante quando se tem uma boa companhia, nenhuma pressa, e a manhã de um sábado de fevereiro sem sol e sem chuva. Acordamos cedo. Talvez não tão cedo como havíamos planejado. Levantamos, preparamos o café. Comemos e deixamos a louça suja na pia. Descemos a rua e ficamos no segundo ponto de ônibus. Demorou mais do que gostaríamos. Mas, no fim das contas, deu tudo certo. As dez horas estávamos em frente ao sebo da Rua 11 D'Agosto. Entramos e nos perdemos lá dentro, entre um monte de tantas coisas e risadas e um ou outro beijinho, que somente os livros foram testemunhas.

Foi na sala de literatura e poesia brasileira que nos perdemos mesmo. Uma lembrança, uma promessa de leitura, uma troca de impressões - Capitu traiu ou não Bentinho? Um soneto de Camões, uma poesia de Pessoa, um conto da Clarice. Livros com cheiro de saudade. "Esse eu li no colégio!" "Eu também." "E esse aqui, você já leu?" "Não, esse não." "Mas esse eu li!" "Ah, esse eu não li não.."

Sebo é um lugar fantástico. É um dos meus lugares favoritos! Bom, às vezes, me divirto bastante também numa livraria. Mas os livros velhos, que trazem histórias em suas páginas amareladas, dedicatórias e alguns marca-páginas são muito mais interessantes. Muitas vezes fico viajando, pensando nas pessoas que possuíram aqueles exemplares. Nas histórias de suas vidas. Eu gosto de escrever nos livros. Nos meus, e nos que faço presente para amigos. Colocar nome, data e local onde comprei. Sei lá, um dia alguém poderá ter os meus livros em mãos e ter o mesmo prazer que tenho em ficar imaginando quem seria Francine, e o que teria sentido naquele dia em que comprou ou ganhou aquele livro, onde estaria. Nos livros que comprei, só no "Tempus Fugit" do Rubem Alves tem uma assinatura e uma data, no entanto, não fui capaz de decifrar o nome, nem mesmo de compreender a data, é uns vinte e pouco de junho de noventa e alguma coisa... Eu comprei três livros do Kundera: "A insustentável leveza do ser", " A brincadeira" e "Risíveis Amores". Esse último eu comecei a ler ontem. Também trouxe pra casa um dos Pensadores, do Wittigeinstein. Livro que esteve na minha cara e não pude ver... tem horas que tudo que precisamos em nossas vidas é um olhar estranho, que chega assim, pára do seu lado, e te mostra o que estava, literalmente, na sua cara...

Ele também comprou um livro do Rubem Alves; Também trouxe pra casa o "Viva o povo brasileiro", quero ver quando vai ler esse tijolinho, como ele mesmo classificou o grosso livro de capa dura vermelha. Nossa, não me recordo quais foram os outros dois livros que ele comprou. Tinha alguns em suas mãos, e quando fomos convidados a nos retirar, porque já era meio dia e estavam fechando o Sebo, ele separou rapidamente os que compraria. Fiz o mesmo. Também tinha separado mais livros do que de fato eu trouxe. Mas, além do fato de não querer gastar muito de uma vez só, temos a desculpa de fazer esse passeio mais vezes...

Saindo do Sebo D'Agosto, ficamos caminhando, um pouco sem rumo, pelo centro de Campinas. Eu tinha listinhas de outros Sebos, que aquela hora provalmente já estariam fechados, caso eles existissem de fatos! É, chegamos em dois endereços e.. Cadê o número que deveria ser um Sebo? Não existia! Mas foi divertido. Numa dessas procuras em vão, descobrimos o MIS - Museu de Imagem e Som. Entramos. Foi bem divertido. Tinha uma exposição sobre Biotecnologia e a exposição fixa do museu. Nossa, descobrimos que estamos ficando velhos. Os aparelhos de TV que fizeram parte de nossas infâncias já viraram peça de museu...Também as câmeras filmadoras, dos casamentos e festa de aniversários de tios e primos, já estão lá...

Depois do MIS, fomos até o Mercado Municipal. Meu deus, eu "so" boba mesmo, adorei o mercado! Comemos uma pamonha muito gostosa lá. A princípio tive medo de experimentar. Sei lá, às vezes sou muito fresca com alimentação. Mas estava uma delícia, quentinha e muito saborosa. O preço das coisas é uma ótima justificativa para voltarmos lá outros sábados...

Bom, demoramos mais do que havíamos planejado. No fim das contas estávamos os dois com os pés cansados. Mas acho que a mesma carinha de feliz que ele tinha era a minha. Rimos bastante caminhando pelas ruas.

Em meio a um monte de gente estranha, eram só mais duas pessoas passando pelas ruas de Campinas. Duas pessoas que não tinham pressa, que tinham todas as horas daquele sábado de fevereiro, sem sol nem chuva, para passarem um do lado do outro. Rindo das mais insignificantes coisinhas: por terem tomado a rua na direção errada, e foi duas vezes que fizeram isso; por chegarem no lugar onde deveria ter um Sebo e sequer achar o número que estava anotado na listinha... Que sorriam um para o outro com graça e felicidade. Se misturavam entre as muitas pessoas que iam e vinham pelas ruas sob aquele céu cinzento no centro da cidade. No fim, a promessa de que fariam aquele passeio mais vezes, porque tinham muitas coisas para conhecer ainda...




quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Prece


Acordei querendo fazer uma prece! Uma prece egoísta, é verdade! Mas queria de alguma forma garantir que algo ou alguém estaria cuidando das pessoas que eu amo. De repente dançava na minha frente os nomes, sorrisos, o cheiro, do meu pai, da minha mãe, do meu irmão, e da minha irmazinha, dos meus amigos queridos, que mesmo longe estarão sempre bem guardados por mim, das avós, das primas queridas, tias, tios, amigos novos, paixão recente. Pensei neles com todo carinho que tenho. Pensei neles juntamente com todos os bons sentimentos que desejo a eles: saúde, paz, alegria, amor, paixão. Muita paixão, porque apaixonar-se é um revitalizante. E como desejo longa vida aos meus, espero que todos se apaixonem... Pensei neles e fui sentindo cada um, como se estivessem aqui, do meu lado. Acho que essa é a única prece que sei fazer direito. Espero que ela possa chegar a cada um. Que os meus sinceros desejos e sentimentos possam ser sentidos, como uma brisa que chega de repente. Que se sintam queridos, especiais! Essa é a prece que sei fazer, a única...

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Filme


Tinha dias em que acordava, e tudo parecia assim tão simples. Abria a janela e a luz que entrava, o cheiro de mato e terra, o canto de uns passarinhos aqui outro acolá, traziam aquela esperança esquisita de que a vida podia ser sempre bonita. Esquisita mesmo, porque no fundo não buscava pela beleza constante. Temia esquecer o que era belo. Então buscava, quase que compulsivamente, algum traço que lhe causasse aquela sensação de estranheza, de horror, que quase faziam fechar os olhos. Mas tudo isso era só pra poder aproveitar melhor a sensação posterior. Da beleza que consome cada minúsculo espaço. Da beleza que vem, às vezes, do cheiro de alguém que se aproxima, da musicalidade da voz há muito tempo esquecida, ou da flor que se abre, alí, em frente a sua janela...


Abriu a janela, fechou os olhos, e aquela beleza misturada surgiu na sua frente. Com gosto de grama molhada, com cheiro morrom avermelhado da terra nua daquele canto esquerdo do jardim. Havia prometido cobrir aquele pedaço de terra com florzinhas miúdas, de cores diferentes. Mas a promessa já tinha até se perdido. E a terra continuava lá, exalando seu cheiro morno quando a chuva caia. Demorou-se com os olhos fechados e quando os abriu foi porque sentiu o leve bater de asas de uma borboleta que desfilava na sua frente. Antes, porém, se pôs a imaginar suas cores, azul, branco e cinza. Caprichosamente misturadas... Não, era amarela. Um amarelinho bem suave, de roupinha de criança recém nascida. Brincou alí, por entre suas flores e o mato que crescia pelas beiras da cerca de madeira. Vôou, vôou, e num instante, talvez enquanto tenha piscado, ela sumiu...

Aquelas primeiras horas do dia, com aquele colorido que invadia cada pedacinho da sua alma, trouxeram aquela esperança esquisita de que a vida era bonita mesmo. Achava graça da sensação. Achava graça daquela certeza sem sentido que a tomou. Tinha os cabelos bagunçados e o coração tomado de uma felicidade boba. E ali, no interior do quarto, que foi aos poucos invadido pelos movimentos do jardim, deitado e com o rosto numa paz invejável, estava o responsável pela bagunça em seus cabelos. Que graça tinha bagunçar seus cabelos? Ela até já achava graça também. Mas era do sorriso que pairava no rosto dele enquanto deslizava os dedos por seus cabelos. Ainda dormia. E ela o observava, como quem assiste a um filme bom e no fim tem medo de se levantar da poltrona. Quer ficar mais. Quer prolongar. As letras vão subindo, a música está quase no fim, a sala está vazia, mas continua-se lá. Esperando por um milagre. Ou esperando nada! Olhava para aquele rosto, cada detalhe que já havia gravado em sua memória, com ajuda das pontas dos dedos. Olhava e sentia-se agora dentro do filme. E então as letras poderiam subir, a música acabar, mas ela estaria segura lá, bem no meio do filme!


Ele mexeu a cabeça de repente. Abriu os olhos preguiçosamente, sorriu e perguntou com aquela voz rouca de quando se acorda: "Faz tempo que você está me olhando?" Sim, fazia tempo. Mas o tempo de repente tinha se tornado tão diferente. Havia se perdido nele. Realmente parecia um filme. Poderia ser apenas uns segundos, ou minutos, mas talvez fossem horas... Deslizou as dedos nos cabelos dele. Passou para o rosto e refez aquele trajeto, passando por cada curva e detalhe. Descobria nele os caminhos que esteve procurando sem saber, reconhecia os atalhos errados que havia tomado, quando se deparava com o que realmente havia desejado encontrar. Ele fechou os olhos. Talvez fosse a luminosidade que entrava pela janela. Resolveu encostá-la novamente. Faria como as vezes que, quase num ritual religioso, retirou a fita do video e guardou na caixinha, se deliciando com a certeza de que poderia colocá-la pra rodar quando quisesse. Que aquela história bonita, que as persoangens e cada cantinho da paisagem, cada palavra, não fugiriam da fita... Fechou a janela com aquela certeza estranha de que a vida podia mesmo ser muito bonita...

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

A colheita

O décimo quinto raio de Zubuê atravessou a décima quinta fresta do muro sagrado. Era a estrela, antes havia uma sequência de figuras geométricas: quadrados, triângulos e círculos, mas o primeiro e o último dos símbolos era a estrela de cinco pontas. Era hora de começar a marcha. Estavam lá com suas vestes escuras, todos com o rosto coberto. O Templo os esperava. A deusa sempre guardava surpresas para aquela comemoração. Dois dias de celebrações e depois começaria a colheita. Por debaixo das túnicas escuras elas traziam vestes coloridas e enfeites pelo corpo todo: colares e pulseiras com sementes da plantação. Eles tinham o corpo pintado de vermelho. No rosto todos tinham um estrela de cinco pontas, na testa, pintada de amarelo. A deusa Kaiemá era esposa de Zubuiê, que agora espalha seus raios através daquelas figuras no muro sagrado, avisando que chegou a hora de se colocarem em marcha. Entre as duas estrela, começo e fim, estava o caminho percorrido pelos antepassados.

A marcha era silenciosa. Mas era ritmada: todos andavam na mesma direção como se estivessem em fila. Os pés se levantavam juntos e tocavam as areias também juntos. Nas mãos, elas seguravam fios coloridos embolotados. Eles traziam um pedaço de madeira. Os pequenos não acompanhavam aquela caminhada. O chá azul que eles tomaram na noite anterior os faria dormir até que a colheita terminasse.

No primeiro dia da colheita, Zubuiê chegaria antes e se recolheria mais tarde. Taioá, irmã de Zubuiê, ficava escondida por esse tempo. Assim eles descansavam profundamente durante a noite escura, para que a colheita rendesse.

O Templo estava iluminado. Os guardiões preparavam tudo. No centro estava o lugar do grande sacrifício. Durante a colheita seria separado tudo que ficará ali e, no último dia, será entregue à Kaiemá. As portas do Templo se fechariam e Kaiemá só voltaria na próxima colheita. As folhas sagradas queimavam em todos os cantos do Templo. Os mantos escuros já estavam no chão. O colorido dos tecidos e das tintas se misturavam com os raios de Zubuiê que entravam pelos quatro símbolos no teto. A fumaça aos poucos trazia ao centro do Templo os primeiros sinais de Kaiemá. Elas começaram a dança. Eles faziam a batida ritmada. Dois grandes círculos, girando em sentidos invertidos, se organizaram no interior do Templo. De repente, param e formam a estrela de cinco pontas.

Kaiemá surge no centro das estrela e seu brilho intenso deixa todos embriagados. Ela se curva em direção aos quatro cantos do Templo. Sopra a fumaça das folhas sagradas e a alma deles inspira. Seus corpos vazios caem no chão. Kaiemá passeia por entre os corpos caídos, e deixa sobre cada um uma nova semente. Antes de sair do Templo ela devolve as almas a seus corpos, num expiro longo.

Quando eles acordam ficam extasiados com as novas sementes. As folhas sagradas foram todas queimadas. As cinzas são recolhidas no centro, onde serão feitas as oferendas. Ao redor do Templo começa a dança da colheita. Quando Taioá chega eles dormem. Durante a noite Taioá desaparece. No meio da noite escura, Kaiemá volta para trazer o alimento e a bebida para o dia seguinte. Os primeiros raios de Zubuiê os faz despertar. Maravilhados, devoram tudo que Kaiemá trouxe durante o sono. Novamente entram no Templo, mais uma vez dançam até Kaiemá aparecer. Outras sementes foram deixadas pela deusa. Dessa vez, a irmã mais nova de Kaiemá vinha molhar a terra e deixava um perfume inebriante no ar. Kuraiá só voltaria quando a colheita tivesse chegado ao fim. Mais uma vez descansavam quando Taioá regressou. Como na noite anterior, Taioá desaparece durante a noite e Kaiemá vem trazer o alimento.

Quando Zubuiê vem despertá-los, devoram todo alimento e logo em seguida iniciam a marcha até a plantação. Voltariam ao Templo no fim do dia para entregar à Kaiemá o que lhe pertencia. Voltavam no mesmo ritmo silencioso. Os pequenos em breve estariam despertos. Os guardiões enviados por Kaiemá regressavam para o Templo. As portas seriam fechadas e as oferendas fariam Kaiemá descansar até a próxima marcha.

O trabalho agora era cuidar das novas sementes até a nova colheita...

08/10/2007

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Cinema

Tinham combinado de se encontrar na hora do filme. Ela foi antes. Comprou as entradas. Era o filme deles. Estranho pensar assim.. Mas era isso mesmo. A idéia do filme talvez tenha sido o começo de tudo. Pelo menos pareceu o ponta pé inicial para que ambos se dessem conta de que realmente alguma coisa poderia acontecer...

Estava com alguns amigos que assistiriam outro filme. Ele liga, 18:14. Mas a ligação cai. Ela liga e dá caixa postal. Será que aconteceu alguma coisa? Não vai chegar em tempo? Mas fica tranquila. Não, ele só queria dizer que já está chegando. Continua conversando com os amigos. O telefone toca novamente, 18:18, é ele. "Estou no ônibus, daqui a pouco chego aí". Certo. Os amigos vão comer antes do filme. Encontra mais pessoas conhecidas. E a hora vai passando...18:36, o filme começará as 18:40. Ele não chega. Ela resolve ligar. "Já estou no shopping"! Ele deve tá correndo.. E estava! De repente ela vê um mocinho de camiseta amarela correndo pela praça de alimentação... Ia passando por ela desapercebidamente... Ela o chama. Um abraço. Que gostoso! Que abraço bom. Ficaria todo o dia assim, junto desse abraço. Ele estava todo atrapalhado. Tinha corrido bastante. Mas estavam em tempo. No fim das contas o filme começou com atraso de uns dez minutos.

O filme? Legal! Mas bom mesmo foi ficar abraçadinha com ele, sentindo o toque de suas mãos, carinho no braço, sentindo a respiração...
Ela não gosta de shopping. Aquele povo se esbarrando. Todos tão parecidos. Meninas iguais em fila, como se fossem bonecas na esteira de uma fábrica...o mesmo pode ser dito dos meninos, em suas bermudas caidas, com seus topetes...

Mas dessa vez foi diferente. Nem teve tempo para se irritar com nada disso. Jantaram no shopping. Conversaram, riram.. se olhavam com aquele olhar bobo... troca de confidêcias silenciosas, nos olhares sorrindo: como você me tem feito feliz, ela pensava.

Voltaram para casa abraçadinhos no circular. Ele contava como tinha sido seu dia. Talvez viajasse na próxima semana. Ela gosta de ouvir a voz dele. E o jeito que ele se empolga com as coisas que faz. Ele tem muita energia. Caminharam até a casa dela. Já estava tarde e ele preferiu não entrar. Mas que dificuldade deixar ele ir... Se pudesse, se tivesse uma varinha mágica, pra congelar o tempo, ou pra diminuir as horas que marcavam o relógio do celular... Parecia um imã. Mas que bobeira! Ele só vai pra casa. E amanhã com certeza se verão novamente. Mas era como se qualquer tempo que passassem longe pudesse roubar deles um bocado de felicidade...

Com muito custo se soltaram. Ele desceu a rua, ela se colocou portão a dentro... Andava sorrindo... já imaginava que horas se encontrariam no dia seguinte.. Esperava que esse sentimento bom durasse muito tempo..

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Mais um retirado do fundo do baú..

A vida tem ciclos. Os sentimentos vem e vão. De repente lembrei-me de um poema que escrevi já há algum tempo, mas que diz muito do que tenho sentido nessas últimas semanas. Então decidi botá-lo aqui.

Música


A vida é pura melodia...

Uma sinfonia,

Uma grande ópera,

A vida é música...

Ouço a música dos pássaros,

Que são livres, desconhecendo qualquer conceito de liberdade...

Ouço a música dos que vêm e vão,

Apressados, atrasados,

Felizes, agitados...

Eu também sou música:

Uma velha canção que agora está em novo rítmo...

Sou música que acalma,

que atrai,

que desperta desejos.

Música que quer ser tocada,

Cantada, ouvida...

Sou música:

Agora uma nova melodia...

breve ou eterna,

Dependendo de quem vai me ouvir...


Ouço a música dos que não me ouvem.

A música dos que sequer sabem que são melodias...

Música,

Quanta beleza se esconde nas notas,

Quanto sentimento,

Quanto mistério,

Quantas lembranças...

Sou música que encanta,

Que faz chorar.

Sou música das horas de solidão,

Que quebra o silêncio e

Que abafa o som das lágrimas que caem...

Sou música,

Somos todos uma canção!

Agora sou música

Que faz dançar,

Que faz sorrir,

Que faz cantar...


A vida:

é uma melodia...

Uma sinfonia,

Uma grande ópera,

A vida é música...

10/09/2004 / Coqueiros da Unicamp

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Mais Rilke!

Como contei outro dia, uma das minhas leituras de férias foi Cartas a um jovem poeta ,de Rainer Maria Rilke. Recomendo novamente a leitura!

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Roma, 23 de dezembro de 1903

Meu caro Sr. Kappus,

Não quero que fique sem uma saudação minha pelo Natal, quando, no meio da festa, carregar a sua solidão mais dificilmente do que nunca. Mas se verificar, nesse momento, que a sua solidão é grande, alegre-se com isto. Que seria, com efeito, uma solidão (faça esta pergunta a si mesmo) que não tivesse grandeza? Há uma solidão só: é grande e difícil de se carregar. Quase todos, em certas horas, gostariam de trocá-la por uma comunhão qualquer, por mais banal e barata que fosse; por uma aparência de acordo insignifiante com quem quer que seja; com a pessoa mais indigna. Mas talvez sejam estas, justamente, as horas em que ela cresce, pois o seu crescimento é doloroso como o de um menino e triste como o começo das primaveras. Mas tudo isto não o deve desorientar. O que se torna preciso, é no entanto isto: solidão, uma grande solidão interior. Entrar em si mesmo, não encontrar ninguém durante horas - eis o que se deve saber alcançar. Estar sozinho como se estava quando criança, enquanto os adultos iam e vinham, ligados a coisas que pareciam importantes e grandes porque esses adultos tinham um ar tão ocupado e porque nada se entendia de suas ações.

Se depois um dia a gente descobre que suas ocupações são mesquinhas e suas profissões petrificadas, sem ligação alguma com a vida, por que não voltar a olhá-los outra vez como uma criança olha para uma coisa estranha, do âmago de seu próprio mundo, dos longes de sua própria solidão que é, por si só, trabalho, dignidade e profissão? Por que querer trocar a sábia não-compreensão de uma criança pela defensiva e pelo desprezo, - uma vez que a não-compreensão significa solidão, ao passo que defensiva e desprezo equivalem à participação nas próprias coisas cujo afastamento se deseja?

Pense, caro senhor, no mundo que leva em si e chame o seu pensamento como quiser: resminiscência da sua própria infância ou saudade do futuro - o que importa apenas, é prestar atenção ao que nasce dentro de si e colocá-lo acima de tudo o que observar em redor. Os seus acontecimentos interiores merecem todo o seu amor; neles de certa maneira deve trabalhar e não perder demasiado tempo e coragem em esclarecer suas relações com os homens. Aliás, quem lhe diz que as tem? Sua profissão, bem o sei, é dura, cheia de contradições para si; previ a sua queixa e sabia que ela havia de vir. Agora que chegou não o posso tranquilizar, mas apenas aconselhar-lhe que examine se todas as profissões não são assim cheias de exigências, de hostilidade contra o indivíduo, como que ensopadas do ódio daqueles que, mudos, resmungando, se tiveram de conformar com o simples dever. A posição em que agora deve viver não é mais carregada de convenções, preconceitos e erros do que todas as outras. Se há algumas que exigem bem uma liberdade maior, não existe nenhuma que seja larga e ampla em si, relacionada com as grandes coisas de que se compõe a verdadeira vida. Mas o solitário é como uma coisa submetida
às profundas leis. Ao sair para a manhã que aponta, ao olhar para a noite cheia de eventos, se chega a sentir tudo o que aí acontece, todos os encargos se desprenderão dele como de um morto, embora se encontre no meio vibrante da vida. O que agora deve experimentar, caro Sr. Kappus, em sua qualidade de oficial, tê-lo-ia sentido em qualquer das profissões existentes. Mesmo que, fora de qualquer posto, tivesse procurado apenas contatos leves e independentes com a sociedade, este sentimento constrangedor não lhe seria poupado. - Por toda parte as coisas são assim. Mas isto não é um motivo de angústia ou tristeza. Não tendo nenhuma comunhão com os homens, procure ficar perto das coisas, que não o abandonarão. Ainda há as noites e os ventos que passam pela árvores e percorrem muitos países. No mundo das coisas e dos bicho tudo está ainda cheio de acontecimentos de que o senhor pode participar. As crianças são ainda como o senhor era quando criança, tão tristes e tão felizes - e quando pensar na sua infância, torne a viver entre elas, as crianças solitárias: os adultos voltarão a não ser nada, e suas dignidades não terão nenhum valor.

Se porventura lhe for temível e penoso pensar na sua infância, na simplicidade e no silêncio ligados a ela, por não poder mais crer em Deus que nela se encontra por toda a parte, então pergunte a si mesmo, caro Sr. Kappus, se relamente terá perdido a Deus. Não será, antes, que o senhor ainda não o possuiu? Aliás, quando o teria possuido? Parece-lhe que alguém que realmente o possui o possa perder como um seixo? Não lhe parece, antes, que aquele que o teve pode por Ele ser perdido? Se porém, reconhece que Ele não existia na sua infância, nem antes; se admite que Cristo foi iludido pela sua saudade e Maomé enganado por seu orgulho; se percebe com espanto que Ele não existe nem mesmo nesta hora em que falamos d'Ele - que coisa então o autoriza a sentir a falta de alguém que nunca foi e a procurá-lo como se estivesse perdido?

Por que não pensar que Ele é o vindouro, aquele que está por vir desde a eternidade, o futuro, o fruto final da árvore de que nós somos as folhas? Que é que o impede de projetar o seu nascimento para os tempos posteriores e viver a sua vida como um dia belo e doloroso de uma grandiosa gravidez? Não vê como tudo o que acontece é sempre um começo? Não poderia ser, então, o começo d'Ele, pois todo começo em si é tão belo? Se Ele é o mais perfeito, não deve ter havido algo menor antes d'Ele para que Ele se pudesse escolher a si mesmo dentro da plenitude e abundância?Não deverá ser Ele o último, para encerrar tudo em si? Que sentido teria a nossa vida se Aquele a que aspiramos já tivesse sido? Como as abelhas reúnem o mel, assim nós tiramos o que há de mais doce em tudo para o construirmos. Começamos pelo pormenor, pelo insignificante (posto que venha do amor), depois pelo trabalho e pelo repouso, por um silêncio ou por uma pequena alegria solitária; por tudo o que fazemos, sem participantes ou aderentes, iniciamos Esse que não podemos compreender, do mesmo modo que os nossos antepassados não nos puderam compreender a nós mesmos. No entanto, estes seres desaparecidos há muito, estão em nós, em nossos pendores, pesando sobre nosso destino, zumbindo em nosso sangue, emergindo num gesto que sobe do âmago dos tempos.

Existe algo que lhe possa tirar a esperança de estar futuramente n'Ele, no longínquo, no extremo?

Festeje o Natal, caro Sr. Kappus, com o pio sentimento de que talvez Ele, para começar, aguarde do senhor justamente esta angústia de viver. Talvez justamente estes dias de transição sejam o tempo em que tudo o no senhor trabalha n'Ele, como outrora, quando criança o senhor n'Ele trabalhou palpitante. Não seja impaciente e mal-humorado. Lembre-se de que a menor coisa que podemos fazer consiste em lhe dificultar tão pouco o nascimento quanto a terra dificulta o advento da primavera, quando ela tem de vir.
Fique alegre e tranquilo.

Seu
Rainer Maria Rilke

Retirada de Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Amigo é coisa pra se guardar...

Hoje é aniversário de um amigo muito querido. Meu irmão. Sabe aquela pessoa que você conhece já há tanto tempo, que até já esqueceu quando se conheceram? Eu digo sempre que eu o conheço desde que me dou por gente. Aprendemos as primeiras letras juntos. As primeiras contas, e crescemos!

Minha memória não é lá aquelas coisas, mas me lembro de pequenos detalhes de nossa infância. Ele tinha os olhos bem arregalados, e ainda os tem quando está preocupado ou assustado..., uma vez derrubei um estojo dele no chão. E voou pedacinhos para todos os lados daquela primeira sala do prédio da escola estadual Marquês de Sapucaí... Tínhamos sete anos. Primeira série. Choramos juntos: ele pelo estojo em pedaços, eu por vê-lo chorar, talvez, não posso lembrar ao certo...

Quando chegava época de festa junina, todas as menininhas queriam dançar quadrilha com ele. Só porque ele era o mais bonitinho.... Eu nunca dancei quadrilha com ele. Ah, não na escola, porque depois de grande, uma vez dançamos quadrilha na festa junina do Canto Caipira...Me lembro da tal dança do pulinho, acho que nós dois mais riamos do que pulávamos...

Nossa, nós brigamos tanto e tantas vezes e por tantas coisas... Tínhamos, e ainda temos muitas vezes, opiniões invertidas... Mas o meu amigo sempre foi um homem de ciência. Acho isso muito legal. Desde pequeno, ele adorava todas aquelas coleções, de chocolate, de chiclet, do que fosse, sobre dinossauros, sobre a origem do mundo, os peixes... Ele sempre sabia tudo, aqueles nomes científicos estranhos... Eu sempre fui mais borboleta... Gostava mesmo era de literatura e poesia. Mas ele também gostava disso. Gostava de ler minhas agendas e descobrir meus versos perdidos entre uma música e outra...

Ele já teve ciúmes de mim e eu ainda tenho dele... Durante os últimos anos do ensino médio, nos tornamos inseparáveis. Ele entrou na faculdade antes de mim. Mas sempre que voltava durante o primeiro ano de faculdade, dizia que estava me esperando. E foi ele que me incentivou muito a estudar e prestar vestibular. Apesar que, no dia em que fui prestar vestibular, esse meu amigo que apronta umas que só ele consegue, me levou para a casa dele, mas não levou a chave da casa. Era período de férias, e eu então tive que pular um muro para poder entrar na casa dele...

Quando fui morar longe de casa, o que me acalmava era saber que meu irmão estaria lá. E esteve. Ele é muito querido. É engraçado, atrapalhado, muito inteligente, tem as manias dele, mas quem não tem... Conheci muita gente legal por causa dele. Fiz amizades preciosas na faculdade. Pessoas que abriram um espacinho em suas vidas para mim porque eu era "a amiga do Mineiro".

Tem muitas lembranças e muito presente que nos une, e espero que muito futuro também...
Esse meu amigo querido, o Fael, o Mineiro, o Rafa, o Rafinha, tem um papel fundamental na minha vida. Aprendi muitas coisas com ele. É um desses amores eternos que a gente tem na vida, e que nem foi porque escolheu... foi presente mesmo!!!!

Feliz aniversário meu querido amigo!!! Te amo muito!

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