quinta-feira, 22 de maio de 2008

Loucura

Acordou assustada. Sentou-se na cama na esperança de que fosse mesmo uma cama e não o barco que afundava poucos segundos atrás... Estava agitada. O coração acelerado, a respiração ofegante. Não tinha mais ninguém em casa, mas desconfiava que tinha gritado muito alto por socorro. Ainda estava confusa. Temia botar os pés fora da cama, poderia encontrar a água gelada que a pouco sentia congelar suas pernas. Estava sozinha num barquinho que era arrastado para o meio do mar. Uma água escura e muito gelada. O vento cortava a pele, revirava seus cabelos e tornava as águas bravas.

Ela estava sozinha na cama. Depois de muito tempo, pelo menos pareceu muito tempo, ela esticou o braço e alcançou o celular que estava sobre o criado mudo: três e quinze da manhã.. "meu deus, isso é hora de acordar?" Fora deitar já mais de meia noite. Tinha terminado um trabalho para segunda-feira e aproveitado para organizar uma papelada que estava espalhada sobre sua mesa.

Sábado à noite: nenhum telefonema, nenhum convite para um barzinho ou cinema... Tomou um banho, botou aquele pijama de seda que ganhara no último aniversário, de uma colega de trabalho e que tinha um inegável tom de ironia... Tentou ler algumas páginas do Cem Anos de Solidão que também estava sobre o criado mudo. Mas ele já estava era há uns cem anos abandonado ali... Não tinha passado da página 20.

Tinha momentos que temia enlouquecer. Sim, sentia um terror absurdo. Ficava tentando recordar-se de tudo que tinha feito durante o dia, e também durante o dia anterior. Vasculhava suas lembranças em busca de cada detalhe do que havia feito e falado nos últimos dias. Não se achava nenhum gênio. Longe de disso. Mas havia desenvolvido uma teoria de que existem dois tipos de loucura no mundo: a loucura decorrente de uma mente muito brilhante que, no entanto, necessariamente terminaria louca diante da incompatibilidade de seus conhecimentos e completa escuridão na qual estava imersa a maioria dos homens, e a loucura das mentes normais que, num acesso de lucidez reconhece sua situação e ,não suportando retornar ao estado de ignorância ,tão pouco pode dar um passo além de sua descoberta.

O pesadelo que a fizera acordar agora também trazia esse medo de enlouquecer. O vento gelado que lhe cortava o rosto, aquelas águas escuras e geladas, sentia aquele medo do silêncio, da total ausência de palavra. Sentia medo da solidão. Do que encontraria nos cantos escuros de si mesma. O coração acelerado, o rosto ainda gelado e o silêncio dolorido e vazio de seu quarto, do fim de semana, dos últimos meses...

Ouvia vozes e barulho de festa. Risos e palavras tão vazios quanto a solidão de seu apartamento que fora trocado por aquelas companhias estranhas. Abriu os olhos: estava cochilando, segurando ainda o celular na mão e mal acomodada em seu barco que navega sem rumo. O trabalho, é tudo que tem neste momento. A papelada que precisa de sua assinatura. Talvez somente esses papeis mesmo precisem dela... Mas por que alguém precisa ser precisado por outro alguém?? [Silêncio] "Também não preciso de ninguém, pronto, é isso!"...

"Na verdade preciso sim, preciso do sono, de uma boa noite de sono!"

Deitou-se de lado, tentou achar uma posição boa. Encolheu-se toda. Enrolou os pés no edredom. Sim, estava com os pés frios. "Foi isso! Foi essa a causa do pesadelo! Pés frios, água fria, barco sendo levado para o meio das águas frias! Mas não aconteceria de novo. Os pés ficariam quentes agora e nada de pesadelo..."

7 comentários:

Anônimo disse...

Linda louquinha, passei pra dizer que de vez em quando dou uma espiadinha nos seus lindos e loucos textos e que a loucura do dia-a-dia não me deixa esquecer dos amigos, ainda que me roube o tempo que eu queria loucamente entregar completamente a eles.

Do louquinho que te admira muito (mais um entre vários)...
=º*

p.s.: seu blog tá vinculado ao meu, ok?

Pensamentos Soltos disse...

Lindo, Fran!
Continue escrevendo assim, e um dia, espero encontrar tudo isso em um livro =)

kika disse...

"Tinha momentos que temia enlouquecer. Sim, sentia um terror absurdo."

Lindo!

Denis Barbosa Cacique disse...

Fran, nada contra morrer afogado, desde que tenha havido uma bela história de amor antes, saca? Tipó Titanic!! hahaahahah
Então, sem medos!!! hahaaha

Qto a mim, minha pseudo vida é cheia de pseudo atividades mesmo. Vc matou a charada!! Pseudo disciplinas... pseudo trabalho... pseudo blog... pseudo filósofo... pseudo Denis...

Bjocas
Denis (o pseudo!!)

Vanna disse...

Muito bem feito e interessante o texto. Confesso q tb assustador. rs
Bjs, lindo fim d semana.

Jon disse...

pesadelos... esses dias sonhei correndo de um leão q tentava me tragar... foi mt perturbador!
Espero q tenha noites tranquilas essa semana, amiga! Se cuida!
Bjo grande!

Jon disse...

Thanks!!!!
Bjão!

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