domingo, 31 de maio de 2020

#Somos70porcento

"Vamos precisar de todo mundo
Um mais um é sempre mais que dois
Pra melhor juntar as nossas forças " (O sal da Terra, Beto Guedes)

Palmeirenses se unem a corintianos em protesto contra Bolsonaro na Paulista

Atravessamos um dos momentos mais difíceis da história recente do nosso país. Estamos enfrentando uma pandemia que já matou, oficialmente, mais de 28 mil brasileiros. Mas, para piorar tudo, temos o pior governo desde a redemocratização. Exagero? Não, com todos os problemas e percalços que a democracia brasileira enfrentou com Collor, FCH, Lula e Dilma, nada se assemelha ao desastre do governo Bolsonaro.

Bolsonaro, como bem disse Eliane Brum, é antipresidente. E nessa condição ele age para destruir toda e qualquer possibilidade de termos um governo. Infelizmente, nós que sempre enxergarmos Bolsonaro do jeito que ele é, não tivemos sucesso em dissuadir os 57 milhões de brasileiro que, na última eleição, entregaram o Brasil nas mãos de um candidato abertamente antidemocrata, defensor da ditadura e de torturadores, que sonhava, desde quando era um deputado insignificante, matar 30 mil brasileiros - segundo ele, para fazer o trabalho que a ditadura-civil-militar não fez.

O desgoverno de Bolsonaro consegue ser pior do que imaginávamos. Ele se cercou das figuras mais perversas e insensatas que nossa disfuncional sociedade foi capaz de criar: Weintraub, Damares, Salles, Guedes, Heleno, os próprios filhos de Bolsonaro, Sara Winter, Sergio Camargo e assim segue o cortejo de bizarrices. Mas que não se enganem, não são apenas bizarros, idiotas, medíocres, ressentidos. São fascistas. E depois do "É só uma gripezinha", "É histeria da mídia" e, finalmente, do "E daí, quer que eu faça o quê?" de Bolsonaro diante das mortes por covid-19, depois da dispensa de dois ministros da saúde e da militarização do ministério da saúde, da omissão do governo em relação às famílias das vítimas, da criminosa 'defesa' do presidente da cloroquina contra todas as evidências científicas no tratamento da covid, já não é possível continuar dizendo que é por "falta de torcida" ou "por torcida contra" que o governo não dá certo.

Felizmente, embora bastante tarde, muitos brasileiros abriram os olhos. Estão arrependidos, outros envergonhados, enquanto alguns, para ser honesta, acredito que temem se perder no bonde da história, e todos tentam se afastar de Bolsonaro e de sua milícia. Mas para derrotar Bolsonaro e seu projeto de violência e de morte, "vamos precisar de todo mundo", como diz os versos de Beto Guedes.

E, sim, é muito difícil aceitar do mesmo lado pessoas que se negaram a ou fingiram não enxergar o desastre para o qual o Brasil caminharia se Bolsonaro fosse eleito. É difícil aceitar que venham agora dizer que não sabiam que Bolsonaro era isso: um miliciano, autoritário, desumano e, sim, corrupto. É difícil aceitar que vamos precisar de quem ajudou eleger esse delinquente. É verdade que entre os que agora se dizem assustados com Bolsonaro, há muitos que têm o mesmo projeto de morte e violência - que também querem saquear todos os direitos dos trabalhadores e dos cidadãos - mas que se sentem incomodados com a grosseria, a xucrice, a falta de modos de Bolsonaro. Se não fosse isso - os palavrões, os chiliques, os exageros - estariam confortáveis destruindo a Constituição de 1988 pelas beiradas. Não podemos ser ingênuos, mas também não estamos em condições de dizer que não queremos essas pessoas agora contra Bolsonaro.

Não vai ser fácil. As ruas hoje, mesmo diante das restrições e da necessidade de distanciamento físico, deram provas de que há resistência. De que somos maioria contra o fascismo que arreganha cada vez mais os dentes. Certamente vencida esta batalha, não estaremos todos do mesmo lado. Precisaremos da memória, da imprensa séria, para cobrar, na hora certa, os "democratas" de ocasião, que não titubearam em viabilizar e patrocinar Bolsonaro e seu projeto de cancelamento de direitos e de CPFs. Mas se, pelo menos, houver um compromisso de respeitarmos o jogo democrático, de não colocarmos as regras do jogo em xeque, se os agentes agora unidos contra o fascismo e o autoritarismo se comprometerem a ser vigilantes daqui para frente e impedir que ameaças como Bolsonaro novamente cheguem ao poder, talvez, no futuro próximo, poderemos comemorar o fortalecimento da nossa democracia.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Reflexões sobre tecnologias, EaD, pandemia e os paradigmas de produtividade e desempenho

Por se tratar de um exercício reflexivo, o texto a seguir não se propõe a trazer respostas definitivas sobre os temas abordados. A ideia é apresentar cenários, problematizar e conceituar alguns termos que estão sendo amplamente utilizados nesse momento, bem como problematizar atitudes e propostas que têm circulado nesse contexto, principalmente na Educação, com a modesta pretensão de contribuir com uma discussão democrática, tão urgente nesse momento, e que fuja das superficialidades.

Gostaria de começar narrando um episódio que ocorreu em 2004, quando eu estava no primeiro ano da minha graduação em Filosofia, durante uma aula de História e Filosofia da Educação. O "professor" responsável pela disciplina era um entusiasta da tecnologia, passava horas falando de suas experiências nos EUA, no Instituto Ayrton Senna e no Instituto Microsoft. Criou uma lista de e-mails na qual nós, alunos de diversas licenciaturas da Unicamp, deveríamos interagir a partir dos textos disponibilizados pelo "professor". Depois de algumas semanas de aula, eu, no auge dos meus 19 anos, pergunto: Professor, não entendi o que estamos fazendo nessas aulas, falando de tecnologia o tempo todo. Aqui, a maioria vai se formar e trabalhar em escolas públicas que não têm tecnologia, em que muitas vezes falta carteira, giz, têm vários problemas de infraestrutura. O que vamos fazer? (foi mais ou menos assim, depois de ter dito que, de História da Educação, não vimos nada e, de Filosofia da Educação, passávamos longe...). E eis que vem a resposta que, desde então, nunca consegui esquecer: "ESSAS PESSOAS NÃO FAZEM O MUNDO GIRAR". (A "aula" virou um caos, alunos se revoltaram, eu tive uma crise nervosa de riso e o  "professor" disse que eu era maluca, mas tudo isso não vem ao caso). O que importa é que, certamente, vem deste episódio minha desconfiança com "soluções tecnológicas para a educação”. Sempre tenho a impressão  de que tais soluções se baseiam na premissa de que há uma parcela considerável da população que "não faz o mundo girar" e que, portanto, não precisa ser levada em consideração, se queremos manter o "mundo girando".

A primeira questão aqui a se fazer é que "mundo" queremos que continue "girando"? Desde o final de fevereiro, o Brasil entrou no mapa da pandemia do novo coronavírus. Em março, com o registro da primeira morte por covid-19, instituições de ensino, juntamente com empresas e muitos outros setores da sociedade suspenderam atividades presenciais, dando início a um plano de isolamento físico, a fim de retardar o espalhamento do vírus e, assim, evitar ou postergar o colapso dos sistemas de saúde do país. Na medida do possível, tiveram início trabalhos remotos e home offices. Não demorou e, no caso da Educação, a EaD passou a ser louvada como a solução para tentar retomar as atividades e manter "alguma normalidade". Logo, muitas pessoas começaram a falar de paliativos até "retornarmos à normalidade". E temos agora outra pergunta: que "normalidade" é essa à qual queremos voltar? Seria a mesma "normalidade" daquele mundo que precisa continuar girando enquanto milhares permanecem às margens? A mesma "normalidade" que convivia muito bem com a galopante e vergonhosa desigualdade social do nosso país? A mesma "normalidade" que gerava milhares de desempregados por dia, ao mesmo tempo que empurrava outros milhares de trabalhadores para a informalidade? O "mundo que gira" e que era a nossa "normalidade" antes da pandemia seria aquele que condenava milhares de jovens brasileiros à subempregos, a atividades exploratórias em nome da mera sobrevivência?

disponível em: https://pixabay.com/pt/

No Brasil, temos hoje cerca de 48 milhões de estudantes e 41% desse total estão nas escolas públicas. Segundos dados do IBGE, cerca de 25% da população brasileira não tinha acesso à internet em 2018. No afã de mostrar serviço, ainda mais em ano eleitoral (e, no Brasil, parece que nunca saímos de ano eleitoral), prefeitos e governadores saíram anunciando EaD - Ensino a distância. Mas anunciar é fácil, difícil é dar as condições necessárias para que os alunos possam ter acesso às aulas remotas. Não falta gente para dizer: ah, mas os alunos têm celular... E muitos quando dizem isso parecem mesmo acreditar que aí estaria a salvação para todos os nossos problemas. Vou deixar de lado a questão da internet, porque os pacotes de dados, quando os alunos os têm, não permitem acompanhar aulas síncronas, lives e afins. Mas parece que muita gente, professores e gestores inclusive, ou ignoram completamente esse fato ou, por conveniência, fingem ignorá-lo. Vou passar a outro ponto: a tela de um celular seria adequada para deixarmos alunos expostos por 8 horas diárias, em média, lendo textos e fazendo exercícios? Isso porque os levantamentos mais rasteiros feitos por escolas evidenciam que boa parte dos alunos não tem computador em casa. Mas aquelas famílias que possuem um computador estão nesse momento com pais trabalhando remotamente, muitas vezes, utilizando o computador e filhos - sim, às vezes mais do que um - que terão aulas e atividades online para serem realizadas. Mas para falar de EaD, é preciso também pensar que a acessibilidade não se resume a ter um aparelho e internet. Haverá nos lares espaço adequado para estudo? Ou estariam adolescentes assumindo o cuidado de irmãos menores bem como tarefas domésticas enquanto pais seguem trabalhando? E nos lares onde os pais estão desempregados, há clima para seguir estudos remotos?

Mas vamos falar da EaD. Ensino ou Educação a distância? Ah, isso não faz diferença, já posso ouvir algumas vozes e ver algumas caras tortas. Faz sim! Se, para prefeitos, governadores e gestores não faz; para nós, professores e educadores deveria fazer. Normalmente, quando falamos em Educação temos em mente algo bem mais amplo do que o termo 'ensino' é capaz de abranger. Segundo a nossa Constituição, "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho" (Art. 205). Como podemos observar, a Educação não está restrita ao ambiente escolar. Por outro lado, ao ser descrita em termos de "pleno desenvolvimento da pessoa", Educação não pode ser reduzida a processos de Ensino-Aprendizagem, diretamente associados a conteúdos e que podem ser medidos e quantificados de alguma maneira. A filósofa Hannah Arendt nos apresenta uma diferença entre Educação e Aprendizagem que pode nos ajudar a entender as limitações de se falar em "ensino a distância",  principalmente pensando na Educação Básica. Segundo a autora, "não se pode educar sem ao mesmo tempo ensinar; (...). É muito fácil, porém, ensinar sem educar, e pode-se aprender durante o dia todo sem por isso ser educado" (ARENDT, H., Entre o passado e o futuro, São Paulo: Perspectiva, 2016). Pensar que, através das tecnologias hoje disponíveis, podemos substituir as aulas presenciais sem perdas, dando conta de cumprir o nosso compromisso de Educação, de "pleno desenvolvimento da pessoa" é simplificar uma discussão complexa e de extrema importância para a sociedade.

Mas, além disso, para que possamos falar em EaD, conforme a legislação brasileira mais recente* a entende, faz-se necessário falar em: i) formação do professor para trabalhar nessa modalidade; ii) adaptação dos cursos presenciais para a modalidade a distância, entendo que as duas modalidades possuem características específicas em termos de ferramentas e métodos; iii) preparação dos alunos para a nova modalidade, além, é claro, iv) da infraestrutura material tecnológica para viabilizar o adequado desenvolvimento de um curso EaD. Para resumir: qualquer coisa que venha a ser feita neste momento, ainda que mediada por tecnologia, não pode ser chamada de EaD. Caso contrário, corremos o risco de estarmos rebaixando o trabalho sério e responsável que Instituições e profissionais de cursos EaD realizam hoje e contribuindo para um rebaixamento da qualidade do ensino em geral, diante da possibilidade de que "experiências" desse período de pandemia se tornem o "novo normal" posteriormente.

Que o mundo não será o mesmo depois dessa pandemia, parece uma verdade incontestável, embora muitos sigam no modo negação. Só que o "novo normal" já está sendo gerado agora. E se depender das respostas imediatistas, que seguem os mesmos princípios da "normalidade pré-pandemia", não terá muita novidade. Para o filósofo coreano Byung-Chul Han, vivemos numa sociedade marcada pela busca do "desempenho", da "produtividade" ou, talvez diria o "professor" que tive o desprazer de conhecer, num mundo que precisa se manter girando, e cada vez mais rápido, de preferência. Para Byung-Chul, a sociedade do século XXI é a sociedade do desempenho, formadas por sujeitos de desempenho e produção, empresários de si mesmos. No contexto da pandemia, parece que esses traços da sociedade do desempenho se acentuam e aceleram. Por um lado, o discurso do empreendedorismo tem alimentado a ilusão de que cada um é empresário de si mesmo, que o sucesso depende única e exclusivamente do esforço individual, que os fracassados e perdedores do mundo - talvez aqueles que não fazem o mundo girar - são totalmente responsáveis pelo lugar que ocupam na sociedade. Por outro lado, no meio da pandemia, é grande o número de profissionais, também da educação, preocupados em ser produtivos, em mostrar desempenho, em ser proativos. Talvez porque, como nos fala Byung-Chul, a mudança de paradigma para essa sociedade do desempenho já habite o inconsciente social. Na sociedade do desempenho, explorado e explorador colapsam no mesmo sujeito; predomina a autoexploração, disfarçada de liberdade, de autonomina. Todo esse processo de autoexploração é potencializado pelas mídias digitais. E nada melhor do que a pandemia para tornar isso evidente para todos que queiram ver. "O aparato digital torna o próprio trabalho móvel. Todos carregam o trabalho consigo como um depósito de trabalho. Assim não podemos mais escapar do trabalho" (Byung-Chul Han, No enxame: perspectiva do digital, Petrópolis,RJ: Vozes, 2018). Será esse o "novo normal" para o qual nos dirigimos? Se antes eram apenas os trabalhadores por aplicativos - Uber e afins - que na ilusão da liberdade e de serem empresários de si mesmos - se autoexploravam diariamente, quem poderá estar salvo dessa dinâmica pós-pandemia? Depois que provarmos que é possível manter a "normalidade" de casa e, no caso da Educação, que podemos seguir, graças a redes sociais, zoom, Instagram, WhatsApp, Moodle entre tantos outros, o nosso processo de Educação ou de Ensino, cumprir nossos Planos de Ensino, alcançar nossas metas, nos adaptar, nos superar, nos reinventar, quem poderá nos salvar de nós mesmos?

Contrariamente aos pressupostos otimistas que afirmam que o aparato tecnológico reduz e até supre a distância, o que seria extremamente positivo no caso da Educação, Byung-Chul afirma que as mídias digitais nos afastam cada vez mais do outro, ao mesmo tempo que nos conduz a um processo de narcisificação. A mídia digital opera na lógica da adição, do acúmulo, não por acaso falamos de "sociedade da informação". Mas informação não é sinônimo de conhecimento, nem de aprendizagem. Se por um lado, as ferramentas digitais e tecnológicas facilitam processos de pesquisa, busca, de informação, por outro, ela nos afasta do real, dos fatos, da temporalidade, nos prendendo num presente eterno. A percepção do mundo passa a ser plana, perde profundidade, perde-se o outro, e nos tornamos mais do mesmo. Perde-se a dimensão histórica, do passado, e perde-se a dimensão dos sonhos, de se pensar /imaginar o futuro.

Quaisquer que sejam as saídas trilhadas pelas instituições de ensino - principalmente as públicas - nesse momento de crise gerada pela pandemia do coronavírus, não podem se furtar a refletir sobre qual é o "novo normal" que queremos construir. Abraçar EaD, sem problematizar os pontos acima levantados, todos eles, é apostar num mundo que seguirá girando enquanto milhares estarão sendo deixados de lado, porque, como me disse aquele "professor", elas estão de fora, não fazem o mundo girar. A questão é  se queremos ampliar ainda mais o número de gente que estará nessa situação, de não fazer o mundo girar, em nome da produtividade e do desempenho, encantados com as ilusões de liberdade e autonomia que as tecnologias digitais colocam ao alcance das nossas mãos, ou melhor, dos nossos dedos, bastando deslizar o dedo pela tela para descartar candidatos, como no Tinder, ou num clique deletar, como no Facebook, amigos indesejáveis. 

*****
Para saber mais e pensar melhor

*Legislação da EaD

-Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB)

-Decreto 9.057, de 25 de maio de 2017 (novo marco regulatório para EaD)

-Portaria n.11, de 20 de junho de 2017.


Artigos e podcast

- Como o ensino a distância pode agravar as desigualdades agora: nexo jornal;

- A educação a distância não é para todos: Café da manhã, podcast da Folha de São Paulo;

 - Coronavírus e a "volta às aulas": Le Monde Diplomatique;

- Ensino a distancia na quarentea esbarra na realidade de alunos e professores: BBC Brasil

sábado, 9 de maio de 2020

Encher ou não encher linguiça - eis o meu drama!

Gosto de escrever. Na verdade, esse gosto vem de longa data e esteve ameaçado por um tempo. Quando eu estava na quarta série uma professora insensível, depois de passar uma tarefa - composição escolar, era assim que chamavam - disse em alto e bom som para toda a turma: "nada de ficar enchendo linguiça como a Francine". Pra ser sincera, não lembro exatamente as palavras dela, mas teve o "encher linguiça". Fui vítima de um assédio moral, fiquei traumatizada por um tempo, tinha medo de escrever. Mas aos 14 anos, ganhei um prêmio de redação, primeiro lugar no Estado de Minas Gerais, concurso sobre Tiradentes. Foi um feito e tanto. E eu juro que quando soube que havia ganhado o concurso senti vontade de ir atrás daquela professora azeda da quarta série e dizer:"Tá vendo, pra quem gosta de encher linguiça, acho que desse vez eu enchi direitinho". Na verdade, não sei bem porque essas lembranças me vieram a mente. Minha intenção quando abri o computador era tentar escrever uma crônica. Pois é, gosto de escrever e até acho que algumas vezes consigo resultados interessantes, mas não consigo escrever crônicas. É um trauma.
Escrito, Escrever, Pessoa, Papelada
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Talvez decorrente daquele trauma da minha infância. As composições escolares, pelo menos na quarta série, tinham que ser curtas, assim como as crônicas. Mas a verdade é que eu sou uma enchedora de linguiça profissional! Quando estava na faculdade, um professor nos entregou uma folha de almaço, entregou três perguntas, e a prova era responder as três questões num texto único. E o que ele nos diz antes de começarmos a prova? "Nada de encher linguiça." Entrei em pânico. As malditas perguntas eram sobre Hegel, Fenomenologia do Espírito. E aí me veio à cabeça a professora da quarta série. Bom, consegui não encher linguiça, consegui um 7 ou 8 na matéria, não lembro bem. Claro que os trabalhos da faculdade nada tinham a ver com as crônicas, mas a verdade é que meus trabalhos sempre tinham muitas linhas, muitas páginas. Não sei como consegui escrever algo que prestasse para passar no vestibular com aquele limite de 30 linhas.

Quando criei esse blog me senti tão livre, não tinha limites, poderia escrever usando quantos caracteres eu quisesse! Quanta emoção. A questão que ultimamente tenho me colocado, no entanto, é outra: para quem escrevo? Quem lê textos longos? Ainda mais nestes tempos de Twitter e WhatsApp... Cada vez mais os textos longos são vistos como "pura encheção de linguiça". E muitas vezes fico pensando: preciso ser mais sintética, dizer o que acho que tenho de relevante para dizer em poucos parágrafos, que caiba numa tela, nada de rolar a tela. A essa altura já devo ter fracassado novamente. As telas hoje são as do celular, impossível escrever algo que caiba numa única tela. Tem que ser do tamanho de uma postagem no Twitter. Sim, esse ano me aventurei nos TT. Cada vez que tento escrever algo e sou limitada pelo Twitter, volta o trauma: "devo estar enchendo linguiça". Não, na verdade não penso isso. Penso: "como podemos falar de algo sério com essa miséria de espaço?" E aí volto para outros lugares nos quais me sinto mais livre! Depois de escrever uns oito parágrafos e publicar, aí sim volta o trauma: "quem vai ler? você mais uma vez encheu linguiça, é por isso que não vou ler até o fim."

Hoje, como professora, vejo muitos alunos tentando malabarismos para atingir o mínimo de linhas: aumentam o tamanho da letra, aumentam o espaço entre as palavras e reclamam, com se estivessem sendo torturados, pedindo para que as quinze linhas possam virar dez ou menos. Sofro. Como isso é possível? De um universo de cerca de 200 alunos, tenho uns quatro que, para a professora da quarta série, fariam parte dos que gostam de encher linguiça. Claro, entendo perfeitamente as reclamações destes quanto àquele absurdo de 30 linhas ou o limite de páginas. Sofri do mesmo mau  por anos. Mas faço minha parte, tento ajudá-los a não terem suas ideias tolhidas pelo limite. Digo que os limites também são importante - e acredito mesmo nisso, não é hipocrisia. Normalmente esses poucos sofredores, são leitores, como eu era, e deve ser por isso que, felizmente, estão cheios de ideias...O drama maior, para mim, são os outros, os que não leem, os que brigam pelo mínimo...

Nesse momento (desse texto), penso que mais uma vez fracassei, nada de crônica, nada de texto curto. Mas para aliviar meus traumas, para tentar me consolar, tento me convencer de que errados estão os outros: a professora da quarta série, o professor da faculdade, o Twitter e todos que acham que textos longos são encheção de linguiça. Tendo a acreditar também que se as pessoas empenhassem seu tempo na leitura de textos longos e de boa qualidade - é óbvio que nem todo texto longo é bom - a chance de termos como presidente um maníaco que sugere fazer um churrasco bem quando o país chega a 10 mil mortes no meio de uma pandemia seria quase zero. Foram as mensagens curtas de WhatsApp e afins que contribuíram para normalizar a "curta" inteligência do cidadão que agora é presidente da república. Textos curtos, muitas imagens, apologia à ignorância, reclamação de que nos livros "tem um amontoado de coisas escritas" - seria essa a versão de Bolsonaro para "encher linguiça"? - e temos esse estado de coisas lamentável dos dias de hoje. Sendo assim, acho que devo seguir "enchendo linguiça", quem sabe minhas palavras possam resgatar um ou outro dessa maldição obscurantista que tenta apagar as palavras, calar os jornalistas, reduzir fatos complexos a soluções simplistas, violentar a memória e distorcer os fatos. A maior resistência dos dias de hoje é ler, ler muito, e aqueles que podem, escrever bons textos, registrando os absurdos que agora se tornaram diários, questionando esses absurdos, propondo saídas para esse absurdo.


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