quarta-feira, 31 de maio de 2023

Sobre o marco temporal ou Sobre as marcas dos tempos (dos bandeirantes e ainda antes)

Na rodovia dos bandeirantes

indígenas são alvos 

de balas de borracha e gás lacrimogênio.

Agora, como antes,

atira-se contra as vidas,

preserva-se a ganância e o dinheiro.  


Como nos tempos dos bandeirantes

(E ainda antes)

É o reluzente metal que move o homem branco.

Enquanto os povos nativos lutam

pelo direito de proteger a Mãe-Terra

Os outros atiram em nome do direito de explorar

 - os metais, as florestas, as vidas -  e fazer guerra. 


Agora, como antes,

impera o desejo de consumir

até o último suspiro, até a última gota, 

como se fossem só mais um recurso,

Que pouco a pouco se esgota...


Agora, como antes,

Seja na Amazônia

ou na rodovia dos bandeirantes,

Povos inteiros agonizam.

E o homem branco não percebe

Que morre junto com aqueles que mata,

Que a vida torna-se rara quanto mais se desmata,

Que as riquezas roubadas no garimpo ilegal

Também poluem e contaminam seus filhos no seu próprio quintal.


Reprodução Folha de São Paulo 30/05/2023 - Tropa de Choque foi acionada e usou balas de borracha e gás lacrimogêneo contra os indígenas - Bruno Santos/Folhapress


quarta-feira, 5 de abril de 2023

Como noticiar o horror sem que isso se torne estímulo para novos episódios?

Em tão pouco tempo, nem bem nos recuperamos do atentado em São Paulo, e aconteceu de novo: o horror estampado na primeira página do jornal. Outro atentado, mais mortes. Desta vez o local do massacre é uma creche e pré-escola. Quatro crianças mortas. 

Diante do horror, somos tomados por perplexidade e desalento. Um homem de 25 anos. Em sofrimento psíquico? Vítima de violência no passado? Por que crianças? Até quando cenas como essa irão se repetir? 

Mas, talvez, neste momento, outro tipo de reflexão se faça necessária. Qual o papel da imprensa e das mídias, de modo geral, na proliferação desses atos chocantes? Fatos como esse são, evidentemente, materiais a serem noticiados. Mas como noticiar o horror sem que isso se torne estímulo para novos episódios?

O efeito epidemia associado a casos de suicídio e atentados está bem documentado em nossa sociedade. Mas parece que a imprensa, principalmente em tempos de redes sociais, não é capaz de escapar da armadilha da espetacularização do horror. Na cobertura do ataque ocorrido na semana passada, vídeos e fotos foram estampados nos perfis de jornais como a Folha de São Paulo. Será que era necessário? É essencial ao dever de reportar o fato ocorrido dar detalhes das ações e descrever armas utilizadas? Mostrar imagens do assassino?  Reproduzir o horror em imagens não é alimentá-lo? 

Infelizmente, parece que vamos precisar aprender a lidar com esse tipo de situação.  A adoração aos EUA, principalmente no que esse país tem de pior - individualismo, consumismo, acesso fácil a armas e que se traduz numa cultura de violência espetacularizada nas escolas - aos poucos se materializa nessas ocorrências que nos roubam o ar, nos tiram o chão e nos fazem ter muito medo do futuro. 

É urgente a necessidade de transformar as escolas em espaços seguros e amorosos, as relações entre adultos e jovens em relações de confiança e empatia e de estimular entre os jovens relações de amizade, baseadas no respeito, na escuta, na tolerância e no diálogo. Mas ainda mais urgente é coibir a disseminação de vídeos, fotos e relatos desse tipo de atentado na internet, seja na superfície, nas redes sociais, ou nas profundezas, em chans e afins. A imprensa, por sua vez, precisa adotar uma cobertura responsável, que esteja mais preocupada com sua função primordial do que em caçar cliques.

segunda-feira, 27 de março de 2023

Educação, mesmo quando atravessada pela violência, não é caso de polícia nem precisa de professores armados

A violência que vemos explodir nas escolas nos últimos meses pode ser entendida como mais uma consequência da violência política característica de grupos armamentistas; mas também reflete mazelas profundas de uma sociedade que está doente


Nesta segunda-feira, 27/03/2023, leio com tristeza e pesar que uma escola estadual da zona oeste de São Paulo, Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, passou por uma experiência traumática: um adolescente de 13 anos atacou com facadas colegas e quatro professoras, sendo que uma delas não resistiu aos ferimentos e faleceu.

Se durante muito tempo nos acostumamos a ter notícia de cenas como essas acontecendo lá longe, nos EUA, infelizmente, parece que o problema, pelo menos desde 2019, tem rondado nossas escolas. No ano passado, tivemos dois casos de atentados que terminaram em óbito em escolas do Espírito Santo e da Bahia. Um outro atentado a tiros numa escola do Ceará, felizmente não deixou mortos.

Os desavisados de plantão, e os mal-intencionados de sempre, se aproveitam de uma tragédia como a de hoje para defender suas ideias tortas: militarização de escolas, armar professores, diminuir maioridade penal. E não falta governador, secretário de educação e afins demonstrando o quão despreparados estão para lidar com a Educação desse país.

Nos últimos anos, os discursos de ódio e de intolerância ganharam terreno em nossa sociedade. Mas os discursos de ódio foram acompanhados de crescente apologia às armas e de uma política de flexibilização na venda de armas que nos aproximou um pouco do contexto estadunidense que por anos facilitou o acesso de crianças e adolescentes a armas de fogo. Ao lado de palavras violentas, cresceram também as ações violentas: todos os tipos de violência contra mulher tiveram aumento no último ano, o aumento da violência nas escolas também já havia sido detectado pelas próprias Secretarias de Educação dos Estados (Casos de violência e ameaças aumentam 48% em escolas de São Paulo, Folha de São Paulo, 9 de abril de 2022).

As redes sociais em muito colaboraram com esse triste estado de coisas. Isso não é novidade para ninguém.  Nesse sentido, não deve surpreender também o fato de que o adolescente autor do atentado de hoje tenha anunciado o ataque em um post em rede social na manhã desta segunda-feira. Segundo a polícia, ele escreveu ter aguardado por esse momento a “vida inteira” e que esperava matar ao menos uma pessoa. O resto todo deveria nos assustar muito. Que tipo de vida levaria uma criatura de 13 anos afirmar que esperou a “vida inteira” para uma ação como a que levou a cabo? O que foi que deu de errado para uma criatura de 13 anos desejar matar alguém?

Certamente há muitas coisas a serem investigadas. O adolescente parece ter um histórico de violência, o que teria motivado sua transferência esse ano para a Escola Thomazia Montoro. Mas, independente de quais sejam as respostas, não me parece que colocar polícia dentro das escolas seja o tipo adequado de solução ou prevenção para que tragédias como essa não venham a se repetir.

Estamos vivendo numa sociedade adoecida.  As telas que conectam são as mesmas que distanciam, que nos desumanizam e que nos fazem desumanizar o outro. Não há solução simples para situações complexas. O enfrentamento a esse tipo de situação passa pela conscientização de todos nós da importância das escolas na construção de uma sociedade mais humanizada, menos violenta, mais empática, mais acolhedora, uma escola que possa ser transformadora da realidade e não reprodutora de suas mazelas.

Não é possível, no entanto, esperar que as escolas e seus profissionais, professores e demais funcionários, do jeito que estão hoje, tenham condições de lidar com os desafios que se apresentam. Não quando o próprio abandono a que centenas, milhares de escolas enfrentam hoje é uma forma de violência: prédios deteriorados, com goteiras, com vazamentos, com falta de água. Não quando os profissionais da educação são reiteradamente tratados como “caso de polícia” quando reclamam das péssimas condições de trabalho e da desvalorização a que estão submetidos. Não quando os estudantes pobres têm seus direitos de aprendizagem violados, com falta de professor, com (de)formas que aumentam as diferenças entre eles e os estudantes ricos. Não quando a sociedade enxerga a educação como “gasto” que precisa ser contido, cortado para que se possa honrar pagamento de juros a meia dúzia de investidores.

A violência simbólica que perpassa o dia a dia escolar (e por que não dizer todo nosso cotidiano) também precisa ser alardeada. Porque a violência que se materializa em facadas e tiros muitas vezes é só mais uma das muitas violências que têm sido a regra, e não a exceção, nesses espaços. Se realmente nos vemos preocupados diante de casos extremos como o de hoje, é preciso que, como sociedade, sejamos mais incisivos em cobrar das autoridades políticas públicas sérias, responsáveis e que realmente estejam comprometidas com a existência de escolas capazes de acolher, que ofereçam oportunidades de futuro, que, acima de tudo, sejam capazes de fazer com que jovens de 13, 15, 17 anos possam sonhar, vislumbrar uma vida melhor e não sejam sugados pela falta de esperança, pelo desespero e pela crueza de uma realidade que transforma jovens em assassinos. Uma vida inteira – para alguém de 13 anos – é só o começo. E não podemos aceitar que o começo da vida de nossa juventude seja planejando atentados e desejando morte. 

Precisamos reconhecer que a violência que explode hoje nas escolas é a mesma violência que tem nos adoecido nos últimos anos. Combater essa violência exige muito mais que frases de efeito e promessas feitas no calor do momento. Exige compromisso com uma visão de mundo mais humana, que trate as pessoas não como números ou como coisas. Os professores, os estudantes e toda a comunidade da Escola Estadual Thomazia Montoro precisam se sentir abraçados e acolhidos hoje. E todos nós, que entendemos a gravidade da situação, precisamos nos colocar na luta em favor de uma educação amorosa, justa e libertadora, capaz de abrir portas e janelas para que crianças, adolescentes e jovens possam voar e construir o novo – oxalá construam um novo melhor do que o que temos agora. 

Sobre o que se fala

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