quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Sabores da infância

Depois da aula,
Enquanto segurávamos as mochilas,
Eles subiam no muro,
Se penduravam nos galhos
e jogavam para nós as pitangas vermelhinhas.

Na casa do vô e da vó paternos
Ou no sítio da amiga, filha da amiga da mãe,
Passavam as manhãs embaixo da sombra da jabuticabeira
Ou as tardes sentadas nos seus galhos
Enquanto desfrutavam da meninice de suas vidas.

Na beira da estrada,
No caminho para a casa dos avós
Tinha uma pitangueira
e depois uma jabuticabeira.

A meninice passou,
Os avós já partiram,
As amizades de outrora ficaram distantes
E agora no quintal tem uma pitangueira
E uma jabuticabeira
E as memórias e os sabores da infância.






segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Amoras

Amo amoras
Amo amar
Amoras
doces, pretinhas,
deixando em minhas mãos e na minha boca
suas tintas.
Amoras,
Amor de infância,
de adolescência,
da vida adulta.
Amo amoras
Amo amar
Amoras.

Foto: Francine Ribeiro


sábado, 11 de setembro de 2021

Desarmados

Na minha terra, acredita-se que as pessoas têm armas

e que os que mentem, roubam e matam não passam de homens desarmados. 

Diante de uma briga, na minha terra, se pede carma

e quando a paciência tá em farta

o jeito é mandar o sujeito pesca.

Hoje em dia os homens desarmados estão no poder

pregando a armação

e o armamento.

Homens desarmados,

buscando um fuzil para dar sentido

à vida besta que levam.  

Que carma é esse:

proclamavam um "mito"

e agora precisamos lidar com a própria mula sem cabeça. 


sexta-feira, 23 de julho de 2021

Das vidas possíveis de serem vividas

                                                                                                          

"Nesse corredor
Portas ao redor
Querem escolher, olha só
Uma porta só
Uma porta certa
Uma porta só
Tentam decidir a melhor

Qual é a melhor
Não importa qual
Não é tudo igual
Mas todas dão em algum lugar
E não tem que ser uma única
Todas servem pra sair ou para entrar
É melhor abrir para ventilar
Esse corredor"
Portas, Marisa Monte, Álbum: Portas, 2021.

Quantas vezes nos perguntamos como seria nossa vida, caso tivéssemos feito algo diferente: terminado ou começado um relacionamento; mudado de cidade ou continuado onde sempre esteve; desistido ou insistido num curso; aceitado ou recusado uma oferta de emprego; ido ou não a uma festa; entrado ou não no doutorado; perseverado na aprendizagem de alguma coisa: de violão, de inglês ou alemão. Como estaria nesse momento se tivesse feito diferente do que fiz até agora? Mas não para por aí. Quantos de nós não vamos acumulando arrependimentos ao longo da vida. Um gosto amargo na boca, como se tivéssemos certeza de que estaríamos muito melhor caso tivéssemos seguindo outro caminho. Uma sensação de que seríamos melhores, mais bem-sucedidos (seja o lá o que imaginamos que seria ser bem-sucedido), que poderíamos ter aproveitado melhor "nosso potencial" para qualquer coisa que deixamos para trás. E quantas vezes não desejamos a oportunidade de viver essas outras vidas que parecem tão melhor do que essa que vivemos, com suas rotinas, suas decepções, suas cobranças, nossas limitações, mediocridades e ressentimentos conosco e com os outros. É esse o mote do livro A biblioteca da meia-noite, de Matt Haig. 

Esse livro está longe de poder ser considerado um clássico ou de ter qualidades literárias incomparáveis que o colocariam entre os 10 melhores. Talvez daqui a alguns anos eu não o coloque nem entre os 30 melhores livros que já li. Mas hoje, nesse momento dessa minha vida, era exatamente o livro que eu precisava ler. E ainda bem que nessa vida eu tenho uma amiga que, ao me dar de presente uma assinatura da TAG Livros- Inéditos, me proporcionou essa leitura (Valeu, Aninha!!). Sim, porque dificilmente eu iria chegar a esse livro sozinha. Mas digamos que ele chegou na hora certa. 

Ao mesmo tempo que tenho muitas coisas em comum com a Nora Seed, ela é formada em filosofia, eu também; ela canta, eu também me arrisco; ela gosta de escrever, eu também; ela tem um gato, eu também; ela está na casa dos trinta e pouco, eu também; tem um Dan na vida dela e na minha; há muitas coisas bem diferentes entre nós: ela, embora tenha saído de sua cidade natal, como eu, voltou para ela; não trabalha com filosofia, tem um emprego que em nada parece satisfazê-la; ela sabe nadar, e eu, definitivamente, sou um "martelo sem cabo", como diz meu pai.  

No entanto, há algo no "deslocamento" que Nora vive, na sensação de não pertencimento, na dificuldade de se "encaixar" na sua própria vida, que me é bastante familiar. Que talvez seja algo que todos experimentamos em alguma medida, só pelo fato de sermos humanos, de termos consciência de que estamos existindo e podermos imaginar outras possibilidades de existência diferentes dessa. Mesmo quando acreditamos em destino, quando vivemos descuidadamente sem pensar muito no que estamos vivendo, é possível que compartilhemos uma intuição de que somos responsáveis pelo que nos tornamos a cada escolha que fazemos e o peso dessa consciência, ainda que de forma intuitiva, ainda que sutilmente disfarçada, pode ser grande o suficiente para nos causar um incômodo capaz de nos "deslocar", ainda que momentaneamente. 

Pensar nas vidas que poderíamos ter vivido/estar vivendo pode ser bastante perturbador. Pode nos lançar diante de um abismo, uma vez que, ao contemplar aquilo que poderia(amos) ser e comparar com o que é/somos teremos que encarar as escolhas que nos trouxeram onde estamos e isso pode nos colocar diante de um "eu" covarde, egoísta, irresponsável, acomodado... Mas também pode nos mostrar que aquelas outras vidas e, portanto, aquelas versões de nós que aparecem reluzentes, quase perfeitas, têm tantos outros problemas quantos a nossa versão "raiz" e, em diferentes contextos, poderão ser tão covardes, egoístas, medíocres, acomodadas e tudo aquilo que nos incomoda. Por outro lado, imaginar as muitas vidas que poderíamos ter (e quanto maior for a imaginação, quanto mais pudermos explorar essas vidas virtuais) pode acabar nos mostrando que, no fim das contas, essas potencialidades estão lá, na única versão de nós que está atualizada, que existe

Assim como Nora, depois de experimentar tantas vidas possíveis na biblioteca da meia-noite: sendo estrela de Rock, campeã olímpica, professora universitária, depressiva e viciada, cuidadora de cães, mãe, esposa, de repente percebemos que todas essas "portas" estão bem diante de nós. E que cada uma delas terá a sua própria dose de satisfação, alegria, realização, mas também de dor, medo, angústia, fracasso. Mas o melhor é se dar conta da possibilidade de abrir uma porta nova no meio da caminhada. Eu sei, parece autoajuda barata. Eu não estou dizendo que a vida é um mar de rosas e que podemos fazer qualquer escolha e ser feliz para sempre. Na verdade, o ponto é que ou aprendemos a lidar com a dose de frustração, medo, angústia, tristeza, que cada escolha encerra e, ainda assim, conseguimos olhar para o outro lado de tudo isso, ou não importa quantas possibilidades nos sejam dadas de ter a melhor vida, seguiremos apenas nos arrastando com nossas culpas, arrependimentos e medos, vivendo apenas a pior versão de nós. 

E aí entra uma das coisas que gostaria de escrever depois de ter lido esse livro: a literatura é uma maravilhosa biblioteca da meia-noite. Quantas vidas é possível experimentar através de um bom livro? Quantas oportunidades de fazer acerto de contas com nosso "livro de arrependimentos" não temos ao entrar na vida de Noras, Capitus, Vitórias, Bibianas, Anas, Helenas, Hollys? Além de, mais uma vez, exaltar e convidar a todos para viagens literárias, também queria voltar a um mote sobre o qual havia começado a escrever, antes de ler A biblioteca da meia-noite, e que havia ficado no rascunho do blog: Como parar de gastar a vida para passar a aproveitar a vida? E agora compartilho como um fechamento desse texto, pois me parece que agora o sentido dele está completo.  

É clichê se referir à vida como um dom, um presente. Os religiosos completam que é dom de deus, e muitas são as formas que encontram para nomear essa divindade. Os que não acreditam numa divindade, ainda encontram motivos para se admirarem com o mistério da vida, com a sorte de estar vivo. Mesmo diante de dores, desafios, sofrimentos, tragédias, é grande a nossa disposição de nos agarrarmos à vida, de louvarmos os motivos para permanecermos vivos.

Apesar de tudo isso, no dia a dia, estamos muito mais comprometidos em gastar a nossa vida do que em aproveitá-la. Gastamos nossa vida em horas de trabalho, que se traduzem em algum dinheiro, que nos leva a gastar horas fazendo compras de coisas que, muitas vezes, em nada ou muito pouco irão contribuir para que possamos aproveitar melhor a nossa vida. Com a chegada das redes sociais, gastamos nossa preciosa vida ou maquiando e inventando uma vida para ser exposta para os outros ou observando, com curiosidade doentia, a vida alheia. Quantas horas por dia gastamos vendo como os outros são felizes, bonitos, realizados, perfeitos, enfim, gastamos nossa vida consumindo a vida que outros caprichosamente construiram para exibir. 

O fato é que esse cenário me tem feito pensar muito sobre o que nos faz realmente viver, aproveitar a vida, e não simplesmente gastá-la dia após dia. Desde que me formei e comecei a trabalhar na minha área, trabalho muito, sempre com empolgação, tendo algumas vezes até exagerado. Mas sempre pensava que era algo que me preenchia, para além de ser meu trabalho, faço algo que enche de prazer, que dá significado à minha vida. No entanto, com as mudanças no último ano, o trabalho dentro de casa (ou morando no trabalho), a impossibilidade de estar de fato junto com alunos e colegas, o trabalho passou a pesar. Mais trabalho, mais desafios, e muito menos prazer, muito menos sentido. E fui sentindo crescer em mim a necessidade de me dedicar a outras coisas. A necessidade de encontrar tempo para fazer algo que pudesse de alguma forma suprir o que eu já não encontrava no trabalho. 

Trabalhar é bom. Principalmente quando temos o privilégio de trabalhar com algo que realmente nos preenche, com o qual nos sentimos contribuindo com a sociedade, um trabalho no qual podemos ser criativos, com o qual, ainda que de maneira muito lenta, podemos observar transformações acontecendo em outras vidas por causa do nosso trabalho. Mas nem todo trabalho é assim. A maioria das pessoas não veem a hora de acabar o expediente, para o happy hour, para poder fazer o que realmente gosta ou para fazer nada. Em tempos de pandemia, sequer é possível encontrar os amigos, ir ao cinema. Muitos de nós, privilegiados que somos, trabalhamos de casa, mas já não sabemos onde começa a casa nem onde termina o trabalho. 

Pode parecer bobeira, mas tenho pensado na importância de podermos nos dedicar a criar, dar vida, de certo modo, de exercitar nossa imaginação, de poder variar nossas atividades, para exercitar diferentes partes de nós, para que possamos descobrir facetas ocultas, e ter a oportunidade de nos criarmos e recriarmos através das mais diferentes ocupações. Não gosto da ideia de vocação, ou dom. Acredito que todos nós temos potencialidades infinitas latentes que precisam encontrar condições e estímulos para que venham a florescer. Daí a importância de pensarmos a educação, informal e formal, como esse lugar de explorar e cultivar as diferentes dimensões do humano. Não é necessário que todos nós sejamos músicos profissionais, mas a vida se torna melhor, mais bonita, quando a música se faz presente nela. Cantar, tocar um instrumento, pintar, escrever, esculpir, fazer um jardim ou uma horta, construir a sua própria mesa, tudo isso deveria estar disponível em nossas vidas. E num mesmo dia poderíamos ter a possibilidade de fazer um pouco de cada uma dessas coisas. 

Tenho pensando que uma vida é pouco demais para tantas possibilidades que deveríamos ter o direito de experimentar. Não é de agora, essa sensação me acompanha há muito tempo: são tantos os livros que ainda não li, os filmes que ainda não vi, as músicas que ainda não ouvi, os lugares que não visitei, receitas que não fiz...Mas hoje me peguei pensando em como muitas vezes vivemos limitados. Quantos de nós passam a vida sem a oportunidade de explorar diferentes habilidades e capacidades. Quantos seres humanos passam pela vida (são consumidos por ela ou a consomem das maneiras mais indignas), sem terem tido a chance de ter explorado a música, a poesia, ou cuidar de um quintal, plantar sementes e delas cuidar até poder saborear seus frutos, ou tocar um instrumento musical, ou dançar, ou cantar, ou construir um objeto de madeira com as próprias mãos, ou preparar um bolo ou qualquer outra receita com as próprias mãos e depois saboreá-la na companhia de alguém especial, ou escrever um poema, ou quem sabe um romance, aprender a cortar o cabelo, ou a costurar, fazer bordados ou blusas de tricô.

Para pensar em qualidade de vida, em como viver mais e gastar menos a vida com coisa menores, é preciso repensar as prioridades, os signos de vida bem-sucedida, os objetivos que nos colocamos, os modelos que miramos de felicidade e realização. Não é fácil, mas nenhuma escolha é. Escolher viver e aproveitar a vida em vez de simplesmente gastá-la é um desafio, mas é também um convite a darmos o primeiro passo para fazer diferente no microcosmos, na nossa casa, nas relações de amizade e familiares. Abrir espaços para pequenas ações que nos permitam nos sentir mais vivos é um grande desafio. No meu caso, senti necessidade desses espaços. Ainda não estou conseguindo equilibrar esses espaços que me enchem de vida com as obrigações. Mas o primeiro passo foi dado. Cuidar das plantas, mexer com terra, podar, plantar; brincar com instrumentos musicais, cantar, cozinhar mais, escrever, fazer pequenos consertos pela casa, aprender a manusear diferentes ferramentas: martelo, furadeira, enxada, tesouras de jardim, aprender a costurar. 

A vida que merece ser vivida, como dizia Sócrates, certamente é aquela que é pensada, refletida, mas que também é sentida, encarnada, materializada em obras que criamos na medida em que nos descobrimos como seres criativos e criadores, capazes de dar sentido a essa grandiosidade que é estar vivo. 

terça-feira, 22 de junho de 2021

sinto falta das conversas, das risadas, dos abraços, de poder compartilhar sabores, de fazer brindes.
mas podia ser só um café e longas horas de bate papo, desabafos, discussões.
sinto falta das vozes, dos rostos, dos sorrisos.
sinto falta das viagens, de pegar estrada, e de chegar em casa.
mas de repente, está tudo tão estranho, não sei se sou eu, ou se somos nós.
a verdade é que não estou bem.
ninguém está.
não é possível estar bem.
e sinto raiva, muito ódio, sinto medo, sinto muito pelos que foram e que podiam ainda estar aqui.
sinto de tantos modos e são tantos sentimentos,
mas, de repente, tudo é só silêncio.
as palavras já não podem dizer o que sinto.
e eu já não sei o que sinto.
e o silêncio me consome.
e fico muda.


Francine Ribeiro

segunda-feira, 17 de maio de 2021

o vírus (as pragas e as pestes)

há um vírus lá fora,

mas também há pragas e outras pestes.

o vírus roubou nossos sorrisos, nossos abraços, nosso prazer de estar junto dos amigos.

as pragas e pestes já tinham nos separado, nos colocado em campos inimigos. 

o vírus está roubando nossos amores: são mães, filhos, pais, filhas, tios e tias, colegas, amigos, conhecidos e milhares de desconhecidos, mas que eram amores de alguém.

as pragas e pestes estão roubando nossa humanidade: são quase 500 mil mortos pelo vírus 

e parece que perdemos a capacidade de sentir; não estamos de luto? será que há luto suficiente para tantas vidas perdidas?

há um vírus lá fora, 

mas as pragas e pestes estavam aqui dentro. 

o vírus está nos tirando o ar, nos sufocando,

as pragas e pestes estão tirando nossa esperança, nossa alegria, nossa potência de vida. 

o vírus nos trancafiou em casa - ou melhor, escancarou os privilégios que fingíamos ignorar. 

as pragas e pestes aprofundam as desigualdades, alastram a miséria, são íntimas do desejo de matar e deixar morrer. 

há um vírus lá fora

e nossa única chance de vencê-lo é eliminando as pragas e pestes das nossas vidas. 

contra o vírus devemos usar máscaras,

contra as pragas e pestes devemos retirar todas as máscaras: de indiferença, de falta de empatia, de ódio, de vingança, de ressentimento, de violência. 

elimar as pragas e pestes é exercício contínuo, 

o vírus vai passar (ainda que outros possam surgir).

Por ora, temos que ter o direito de chorar nossos mortos,

de nos recolher e recompor nossas forças,

de resgatar nossa fé no humano que há em nós. 

Façamos silêncio por todos que perderam suas vidas,

façamos silêncio com aqueles que choram seus entes queridos. 


(Por todos que se foram, para todos que estão em luto)

sexta-feira, 12 de março de 2021

Dica de leitura: Eu não sei quem você é - Penny Hancock

Livro para mim é livro, papel, para mim não tem essa de livro digital. O objeto livro é fundamental na experiência da leitura. Desde criança, quando começou minha aventura com a leitura, eu gosto de carregar o livro, de cheirar, de abraçá-lo. Sim, eu posso parecer um tanto esquisita. Mas depois que termino a leitura, principalmente quando eu gosto muito do livro, tenho dificuldade de simplesmente colocá-lo na estante e pegar outro. Eu passo uns dias acariciando o livro lido, relendo alguns trechos de maneira aleatória. 

Um dos meus contos favoritos da Clarice Lispector é Felicidade Clandestina. Choro sempre que leio de novo. E já li muitas vezes. (Acabo de me dar conta de que o meu Felicidade Clandestina está emprestado. Se estiver com alguém que, por acaso, estiver lendo esse texto, por favor, cuide direitinho dele.)

"Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar… havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.

Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.

Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante." (Lispector, Clarice, Felicidade Clandestina)

É assim que muitas vezes me sinto com os livros que leio. É como se ao abraçar o livro eu pudesse entrar nele, eu pudesse tocar as personagens, pudesse me tornar um pouco cada uma delas. Nesse momento, estou assim com Eu não sei quem você é, da inglesa Penny Hancock. A história é pesada, mas é envolvente de um jeito que me fez reviver meus melhores dias de adolescente, lendo compulsivamente, levando um monte de bronca da minha mãe porque eu deixava as louças na pia e corria para o quarto ler escondida. 

Holly, a protagonista da história, é professora de escrita criativa na Universidade em Londres, mas mora numa vila, próxima à Cambridge. Em seu caminho diário para o trabalho passa por ruas e casas que foram outrora frequentadas por Virginia Woolf, Vanessa Bell e por tantas outras mulheres, escritoras e artistas, o que faz com que Holly sinta como se "a praça abrigasse os espíritos de todas essas escritoras e pioneiras feministas". Numa dessas caminhadas, ela relembra seu marido Archie dizendo: "Você acredita que vai absorver o talento delas por osmose!". Impossível ler essa passagem e não lembrar do que disse Virginia Woolf em Profissões para mulheres, texto publicado em 1942.

"Minha profissão é a literatura; e nessa profissão há bem menos experiências disponíveis para as mulheres que em qualquer outra, com exceção do palco - bem menos, quero dizer que sejam específicas das mulheres. Pois o caminho foi preparado muitos anos atrás - por Fanny Burney, Aphra Behn, por Harriet Martineau, Jane Austen, George Eliot - muitas mulheres famosas e muitas outras, desconhecidas e esquecidas, vieram antes de mim, aplainando a senda e orientando meus passos. Assim, quando chegou a minha vez de escrever, havia pouquíssimos obstáculos materiais no caminho. Escrever era uma ocupação respeitável e inofensiva." (Woolf, Virginia, As mulheres devem chorar... ou se unir contra a guerra, p.29).

O tema abordado por Penny Hancock, assim como sua profissão em si, e a profissão de sua personagem principal, são devedores de mulheres como Virginia Woolf. Também ela abriu caminhos para que hoje tantas mulheres possam estar em tantos lugares e possam falar sobre tantas coisas com mais liberdade. Liberdade que nem sempre existiu:

"Pois, como descobri, assim que pus a pena no papel, não se pode resenhar nem mesmo um romance sem que se pense por conta própria, sem que se expresse o que se pensa ser a verdade sobre as relações humanas, a moralidade, o sexo. E todas essas questões, segundo o Anjo da Casa, não podem ser tratadas livre e francamente pelas mulheres; elas devem seduzir, elas devem conciliar, elas devem - para dizê-lo sem meias-palavras - mentir se quiserem ser bem-sucedidas. (Woolf, Virginia, As mulheres devem chorar... ou se unir contra a guerra, p.31).

No entanto, como bem exemplifica Holly, ainda hoje as mulheres pagam um preço caro por falar sobre certas questões - relações humanas, moralidade, sexo. Quantas não são as mulheres, professoras, intelectuais, cientistas, artistas, que precisam enfrentar @machistinhas em suas jornadas? Holly sempre esteve envolvida com grupos de discussão sobre direitos das mulheres e sobre a importância de se falar sobre consentimento, orientando e conscientizando mulheres, meninas e adolescentes a denunciarem casos de violência sexual. 

Explorar esses temas - assédio, consentimento, estupro -, depois de movimentos como o #MeToo, poderia ser só mais uma história. Mas Penny nos conduz por uma narrativa envolvente, cheia de reviravoltas e que a cada página nos desafia a duvidar do que parecia absolutamente verdadeiro na página anterior. Depois de ouvir de sua melhor amiga, Jules, que seu filho Saul teria estuprado Saffie, filha de Jules e afilhada de Holly, vemos nossa personagem ser confrontada com tudo que ela acreditava e ensinava durante a sua vida. Saul é um adolescente de 16 anos, problemático - qual não é nessa idade? - com dificuldade de socialização, que não se adaptou à vida pacata da vila para qual ele e a mãe se mudaram depois que o pai de Saul morreu. Saffie é mais nova, 13 anos, bonita, desabrochando para a adolescência, filha de Jules e filha especial de Holly. Mas a reação de Holly não foi a esperada por Jules. Ela, que sempre falou da importância de não duvidar das vítimas, se pergunta por que Saffie teria inventando aquela mentira sobre seu filho. 

Eu permaneço sentada por um tempo depois de Jules ter saído do meu escritório, lutando para criar algum tipo de sentido para o que ela acabou de me contar. Preciso de vários e vários minutos de silêncio para processar a situação, mas Luma logo aparece na porta e me lembra que preciso estar às três no seminário sobre consentimento. E, antes que eu consiga falar qualquer coisa, antes que eu consiga abrir a minha boca para dizer que não tenho condições de ir, ela me diz que Hanya também anda recebendo tuítes de intimidação, que ela também está sendo chamada de feminázi. Hanya só tem dezenove anos de idade. Não dá. Luma está certa, ela precisa do nosso apoio. (Hancock, Penny, Eu não sei quem você é, p.74). 

Daí em diante, o livro vai nos lançando em diferentes labirintos. Os labirintos de cada um dos personagens, nos lembrando dos nossos próprios labirintos. Amizade de longos anos, casamentos, as relações mãe-filha ou mãe-filho, de repente, como num piscar de olhos, as pequenas trincas e fissuras de todas essas relações vão se tornando rachaduras que parecem impossíveis de serem consertadas. A questão central é: o quanto nos conhecemos? Diante de uma situação limite, o quanto estamos preparados para encarar as nossas próprias reações? É justo cobrar dos outros - companheiros, amigos, filhos -, certas atitudes, escolhas, reações, sendo que não estamos seguros sobre as nossas próprias atitudes, escolhas e reações nesses momentos? 

Durante a leitura, fiquei várias vezes me perguntando como eu reagiria, o que eu faria, no lugar da Jules, ou no lugar da Holly. Eu teria me saído melhor ou teria cometido os mesmos erros que elas? Ser especialista num assunto e falar sobre ele quando você não é diretamente afetado é uma coisa, mas e quando a situação te puxa para o meio da lama? Como manter a racionalidade? Como manter seus princípios? Podemos até acertar, por instinto, como é o caso de Holly, mas percebemos que somos muito mais frágeis do que imaginávamos e que nossas certezas não são assim tão seguras. 

O título do livro ecoa em diferentes momentos da narrativa. É angustiante a sensação de não saber quem é a pessoa com quem dividimos a cama, de não reconhecer uma amiga de longa data, de desconhecer o próprio filho ou filha, mas, certamente, o mais desconcertante é ter que assumir que não temos certeza se sabemos quem somos, que não estamos seguros sobre os nossos desejos mais secretos, ou se temos controle sobre ressentimentos e mágoas que insistimos em dizer que ficaram no passado, mas que na primeira oportunidade escapam de nossas bocas e atingem em cheio as pessoas que amamos.

"Eu olho pra Jules. Minha amizade com ela, que eu considerava o relacionamento mais estável da minha vida, acabou de entrar em um território completamente desconhecido. Porque as amizades não são imutáveis, como um dia eu imaginei, e porque a resposta de Jules para a acusação da sua filha está me revelando uma mulher bem diferente da que eu achava que conhecia. Uma mulher que está perseguindo o seu filho especial como se antes só estivesse esperando pela oportunidade certa. Que, na intimidade, recrimina a forma como eduquei o meu filho. Uma mulher que está mais que preparada para insultar o meu falecido marido." (Hancock, Penny, Eu não sei quem você é, p.202). 

Eu não sei quem você é fala sobre aquelas questões que, como Virginia Woolf bem lembrou, as mulheres não poderiam falar sobre: relações humanas, moralidade, sexo. Mas, principalmente, nos fala de amizade entre mulheres, do que sustenta as verdadeiras amizades. Jules e Holly sempre foram muito diferentes. E depois de tudo que tiveram que enfrentar, seria possível seguir sendo amigas? Além das diferenças, para que uma amizade sobreviva ao próprio desenrolar da vida, é preciso aceitar os limites dos outros e, talvez, acima de tudo, nossos próprios limites e falhas. Será que uma amizade é capaz de sobreviver  às provações que Holly e Jules enfrentaram?

Agradeço à amiga Ana Zeferino que me proporcionou essa leitura tão envolvente, porque me deu de presente uma assinatura da TAG Inéditos. Que possamos nos encantar e envolver com muitas e muitas histórias ao longo desse ano e que nossa amizade encontre sempre bons motivos e boas desculpas para nos aproximar ainda mais! Como Jules e Holly, somos bastante diferentes, Ana é engenheira, eu aprendiz de filósofa, professora. Mas assim como elas, adoramos tomar café em boa companhia. 

Como disse, no início, quando termino de ler um livro, costumo passar alguns dias com ele, curtindo um pouco mais, mudando de lugar pela casa, às vezes apenas deixo do meu lado enquanto penso e faço a digestão do que li, só depois desse ritual, ele encontra seu lugar na minha estante e eu passo para um novo livro. No lugar daquela tortura vivida pela menina do conto Felicidade Clandestina que tanto desejava e tanto esperou para enfim possuir o livro, eu tenho tentando proporcionar às pessoas o prazer de possuir livros. E tem sido uma experiência muito bacana, porque compartilhar livros, dar livros de presente, faz com que coisas muito bacanas aconteçam. Recomendo: dê livros de presente!


segunda-feira, 8 de março de 2021

8 de março - ficção como potência para construção de uma nova realidade

 "Porque nem toda feiticeira é corcunda

nem  toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito homem"

(Rita Lee, Pagu)

Estou há dias para escrever esse texto. Mas entrei em bloqueio. Falar das mulheres, de ser mulher, nunca foi tão difícil como nesse 8 de março  de 2021.

Quinta-feira última, 6 de março, e a comissão de ética da Alesp resolveu dar "férias" para o deputado Fernando Cury, assediador canalha como todos puderam ver em vídeos que circularam pelas redes sociais, que encoxou e apalpou os peitos da também deputada estadual Isa Penna durante votação do Orçamento do Estado de São Paulo, na noite de 16 de dezembro de 2020. Mas os deputados Wellington Moura (Republicanos), Delegado Olim (Progressistas), Adalberto Freitas (PSL), Alex de Madureira (PSD) e o corregedor da Casa, Estevam Galvão (DEM) decidiram que a "punição" adequada ao colega seria o afastamento remunerado de 119 dias. Ou seja, os cinco deputados acharam por bem tornarem-se cúmplice do assediador e resolveram dar férias ao delinquente. 

O caso envolvendo a deputada Isa Penna e o desfecho absurdo de poupar o assediador é só um dos muitos exemplos de como anda a vida das mulheres nesse Brasil de 2021. Os casos de assédio, ameaças e ataques sofridos pelas mulheres na política são mais uma face da condição das mulheres brasileiras nesse cenário de perdas de direitos, de tentativa de enfraquecimento das lutas sociais, de conservadorismo/reacionarismo que o governo de Jair Bolsonaro representa. 

Com a pandemia e o pandemônio que o Brasil enfrenta, as mulheres foram as mais afetadas. Seja no aumento da violência doméstica, da sobrecarga de trabalho, da perda de emprego, perda de redes de apoio (serviços como creche e escola). Não faltam dados, artigos, alertas. Mas certamente falta vontade política de agir em prol das mulheres. Damares Alves, a sinistra ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos está mesmo preocupada em patrocinar vagabundos que preferem crucificar uma criança vítima de estupro, que como resultado da violência sofrida engravidou. A pastora das trevas prefere fazer discursos vazios em favor da vida dos inocentes enquanto reduziu o investimento das verbas para combate à violência contra a mulher

A realidade nunca foi tão desanimadora como nos últimos anos tem sido para nós, mulheres brasileiras. O retrocesso chega a galope. E ainda queremos saber quem matou e quem mandou matar Marielle Franco. Como escreve Eliane Brum, "1.090 dias. 8 de março. Dia da Mulher. E ainda não sabemos. A cada dia sem solução e sem responsabilização do crime que revela o Brasil o abismo se amplia e se aprofunda. Devemos hoje perguntar ainda com mais força. Precisamos gritar: Quem mandou matar Marielle? E por quê?". 

A realidade nos sufoca. É preciso encontrar saídas, encontrar inspiração, esperança, força. Encontrar espaço para imaginar outros mundos possíveis. Por isso, nesse 8 de março, eu só posso recomendar literatura, boa literatura escrita por mulheres, falando de mulheres, para mulheres e para todos que sonham com equidade, igualdade, justiça, enfim, um mundo melhor para todos. 

Lá vai a dica do dia: Terra das mulheres, Charlotte Perkins Gilman, publicado em 1915.


"A característica mais evidente de todo aquele país era a perfeição do fornecimento alimentício. Percebemos isso logo na nossa primeira caminhada pela floresta, na primeira visão parcial do avião. Então fomos levados para conhecer essa horta imensa e seus métodos de cultivo. (...)
Quanto à inteligência, confesso que era o traço mais impressionante, e também o mais mortificador de toda a Terra das Mulheres. Logo deixamos de comentar sobre isso ou outros assuntos que para elas eram tão banais e que apenas exibiam nossas próprias condições embaraçosas." (p.136/138).

Terra das Mulheres me gerou alguns incômodos, muito provável que esses incômodos sejam frutos de uma visão de uma época, de certas ideias sobre ser mulher que já foram superadas. Mas a beleza e a potência que a narrativa de Charlotte nos traz são motivos incontestáveis para ler esse livro.

"-A única coisa que podem pensar a respeito de um homem é a paternidade! - zombava ele, com sarcasmo. -Paternidade! Como se um homem só quisesse ser pai!
Nisso ele também tinha razão. Elas tinham a experiência ampla, geral, profunda e rica da maternidade, e a única percepção de valor a respeito da criatura masculina como tal era a Paternidade. (p.216).

É isso, o recado desse 8 de março é: Leia literatura, leia mulheres! Façamos das histórias, utopias, narrativas ficcionais, potência de transformação dessa realidade distópica e feia na qual fomos lançados. Aprendamos com as mulheres, reais e fictícias, a vencer os obstáculos, a abrir portas, apoiar outras mulheres, a escrever nossas próprias histórias. 


 


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Dica de leitura: A morte e o meteoro (Joca Reiners Terron)

"O epílogo estava escrito, só que ninguém mais sabia ler. A história nos trouxe a esse ponto cego e, como em toda situação parecida, a culpa devia ser endereçada à espécie humana, ou ao menos àquela parte que ainda merecia ser identificada por qualificação tão flexível: aos humanos humanitários, por assim dizer, ou aos melancólicos que sobreviveram ao cinismo" (A morte e o meteoro, p. 13)

"No início do século 20, o povo Juma contava com uma população de cerca de 15 mil pessoas. Atingido por doenças e sucessivos massacres, a nação foi sendo dizimada. Segundo o OPI, o último massacre aconteceu em 1964, quando 60 indígenas foram assassinados a mando de comerciantes do município de Tapauá (AM), interessados na sorva e castanha disponível em seu território." (Nexo Jornal, Quais as nações indígenas sob risco de extermínio no Brasil - Último homem guerreiro Juma morreu de covid em Rondônia no dia 19 de fevereiro de 2021.)

Ler A morte e o meteoro, de Joca Reiners Terron, na semana em que o último guerreiro Juma morreu de Covid em Rondônia, fez com que a leitura fosse ainda mais perturbadora. Esse livro foi um presente da amiga @fabigaton. Aliás mais uma indicação incrível da Fabi que também me presenteou com Torto Arado. E se minha memória não me engana, perturbador foi a palavra que a Fabi na época usou para classificar A morte e o meteoro.

É um livro curtinho (116 páginas), mas muito denso. Ao iniciar a leitura, tive um estranhamento com o estilo, precisei voltar a leitura umas duas vezes até encontrar o ritmo. E aí não conseguia parar mais. A narrativa é angustiante, em alguns momentos me fez sentir sufocada, o ambiente é desalentador, e as experiências de luto que permeiam a história nos lembram da nossa condição de fragilidade, dos riscos que corremos, da nossa morte iminente, não só como indivíduos, mas como espécie. 

"Não passavam de cinquenta kaajapukugi, últimos sobreviventes de seu povo, suas últimas cinquenta cabeças postas a prêmio. Fui encarregado do caso pelo secretário federal de imigração, um imbecil indicado ao cargo pelo Partido Revolucionário Institucional. O fato de ter me colocado à frente disso deve ter sido o lampejo final da monótona vida sináptica daquele desprivilegiado pelos neurônios, uma última e desesperada justificativa de sua existência inútil" (p.11).

Somos introduzidos à história dos kaajapukugi por um burocrata da Comissão Nacional para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da cidade de Oaxaca, no México. Um antropólogo interessado por línguas mortas cujo trabalho, em suas próprias palavras, "consistiu quase inteiramente  em despachar  ônibus decrépitos com trabalhadores rurais à zona agrícola, ou com menor ou maior frequência, preencher certidões de nascimento e óbito a granel". Um homem solitário que vivia o luto da morte recente dos pais e que carecia de algo que desse sentido àquela sua vida monótona e medíocre. Mas a narrativa é dividia com Boaventura, uma espécie de "antropólogo prático", que embora nunca tenha frequentado uma faculdade de antropologia, dedicou sua vida, desde muito cedo, a investigação de povos indígenas. No entanto, o que pode parecer, à primeira vista, uma vida dedicada a causa indígena, traz à tona ambiguidades, contradições e facetas obscuras tão típicas do ser humano. 

"terei que voltar ao passado, aos meus trinta anos de idade, e lembrar fatos que preferia ter esquecido, coisas que deviam ficar enterrada no solo arenoso das margens dos igarapés do Purus. Resta saber como esquecer algumas verdades. Impossível, a não ser que sejam varridas por um acidente vascular ou pelo Alzheimer. Não é o meu caso, pelo menos ainda não" (A morte e meteoro, p.40).

Em comum, Boaventura e o antropólogo mexicano têm o luto recente dos pais logo antes do acontecimento de fatos que irão mudar suas vidas para sempre. A morte dos seus ancestrais mais próximos, a perda de suas raízes, o sentimento de solidão e falta de pertencimento são, portanto, a tônica da narrativa. E nos leva a nos perguntar qual será o futuro da humanidade, o nosso futuro? Sem nossos "ancestrais", mas também sem possibilidade de herdeiros, de novas gerações (Boaventura e o antropólogo são homens solitários, assim como os 50 sobreviventes dos kaajapukugi, todos homens). Seria o fim da "aventura humana na terra"? 

O tom distópico (ou seria realista?) se cruza com um tom de ficção científica. A narrativa é envolvente e nos lança numa viagem pelo tempo e pelo espaço, uma oportunidade de enfrentarmos as consequências da nossa tolerância centenária com abusos e violências indescritíveis aos povos nativos - sejam esses abusos e violências cometidos por colonizadores, autoridades políticas, figuras como Boaventura ou ainda por madeireiros, grileiros e outros tipos de gananciosos que olham para a floresta, para a natureza, como mercadoria, como tem denunciado há tanto tempo Ailton Krenak e tantos outros líderes indígenas:

"Quando nós falamos que o nosso rio é sagrado, as pessoas dizem: "Isso é algum folclore deles" (...). Quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos  deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista. Do nosso divórcio das integrações e interações com a nossa mãe, a Terra, resulta que ela está nos deixando órfãos" (Ideias para adiar o fim do mundo, p.49).

Órfãos, como Boaventura, como o antropólogo mexicano, órfãos como os 50 remanescentes dos kaajapukugi. Parece que depois de anos de genocídio, de violência, de exploração, somos nós, os não índios, os que se encontram em perigo de extinção. No Brasil de 2021, de Bolsonaro e Salles, somos desgovernados por "imbecis", "desprovidos de neurônios" e que transpiram ódio e ganância. Ou seja, estamos acelerando o nosso fim. Ainda haveria possibilidade de salvação para nós? Ainda há chances de salvação para a Amazônia? Ainda temos tempo para adiar o fim do mundo? O nosso fim? 

Difícil não nos sentir na iminente condição de refugiados políticos, refugiados climáticos, num Brasil cujo dia a dia consegue ter cores tão distópicas que só mesmo a ficção para nos ajudar a encará-lo. A morte e o meteoro não é exatamente um livro otimista, mas, como todo bom livro, nos provoca a imaginar outros futuros, outros mundos possíveis, apesar do luto que por ora permeia nossas vidas. 



terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Sobre mudanças, privilégios e pequenas alegrias da vida adulta

                                                        "Então eu vou bater de frente com tudo por ela
                                                         Topar qualquer luta
                                                         Pelas pequenas alegrias da vida adulta
                                                         Eu vou"

Um ano trabalhando de casa. Um ano que o trabalho invadiu nosso lar. Um ano sem encontrar amigos e parentes pessoalmente. Um ano passando muito tempo na frente de telas. Um ano de intensa convivência entre dois humanos e uma felina. E na perspectiva de continuar assim até não sei quando, decidimos nos mudar. Deixar o apartamento e buscar uma casa, um quintal, um pouco de terra e sol, mais espaço. O processo foi até bem rápido, entre as primeiras buscas na internet, as visitas (escolhidas a dedo e feita com muito cuidado, usando máscara, evitando ficar perto das pessoas) e a mudança, foram quatro meses. 

A mudança, no meio de um encerramento de ano letivo, com todos os cuidados e medo que uma pandemia podem requerer, aconteceu com relativa tranquilidade. Muitas caixas, algumas ainda por abrir, muitas idas e vindas de carro, consertos a serem feitos, adaptação aos novos sons da vizinhança, uma gatinha de apartamento curiosa para explorar um novo mundo, mas tudo sob controle, até o momento. 

Confesso que em meio a felicidade de mais uma conquista, da perspectiva de uma melhor qualidade de vida com mais espaço, bateu um sentimento de culpa, a necessidade de encarar de frente o quanto somos privilegiados de poder fazer esse movimento quando tantas famílias enfrentam, além do luto, o desemprego e uma série de privações. Encarar essa realidade da monstruosa desigualdade que constitui nossa sociedade, para além do sentimento de culpa, deveria nos levar ao comprometimento com a luta por mais justiça, mais igualdade, uma sociedade melhor para todos e não apenas para uma parte.

Ao contar para um amigo sobre a mudança ele me disse: Viramos adultos. E depois dessa fala fiquei pensando no que significa comprar uma casa com 35 anos. No meu caso, passa um filme pela cabeça. É uma conquista do casal. Meu companheiro e eu temos empregos bons. Trabalhamos bastante, principalmente nesse último ano, de intenso trabalho remoto. Mas a verdade é que temos uma vida bem confortável. Sozinha essa conquista demoraria alguns pares de anos para se tornar realidade. Mas fato é que comprar uma casa dá mesmo essa sensação de enfim adultos. Nos faz, de repente, entender que saímos da condição de jovens recém formados, que já estamos exercendo nossas profissões há mais de dez anos, que já aprendemos tantas coisas pelo caminho, que precisamos ter humildade para reconhecer que lá no início fomos arrogantes, batemos cabeça, e que agora temos um pouco mais de paciência conosco e com os outros. É isso, a vida de adultos chegou junto com o quintal.

E é nesse quintal que quero aproveitar essa vida de adulto. Curtindo os passarinhos que vierem nos visitar, apreciando as vidas que brotarem, as folhas que caírem, as borboletas coloridas que virão enfeitar nossas manhãs e tardes, enfrentando o medo de lagartixas e afins. Consciente dos privilégios que hoje temos. Buscando nunca esquecer de onde eu vim. Mantendo sempre viva a disposição para contribuir com a construção de uma sociedade mais justa, na qual possuir uma casa com quintal não seja motivo de mal estar. E o mais importante, curtir essa vida de adulto ao lado do melhor companheiro de vida, de planos e sonhos, de música, de leitura, de estar junto no mundo, que eu poderia ter. Porque ter um amor para dividir um quintal é fundamental! 









 

 

 




sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Não faltam crimes, mas faltam coragem e pressão

Bolsonaro acumula mais de 50 pedidos de impeachment. Esses pedidos, motivados por crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente, estão parados nas mãos do Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Muitas figuras públicas, inclusive o próprio Rodrigo Maia e algumas pessoas de oposição, alegam que não haveria número suficiente de votos para um impeachment e, por isso, não faria sentido abrir o processo. Dizem também que abrir o processo sem esses votos poderia beneficiar Bolsonaro. 

Impeachment no Brasil, como ficou evidente no processo de Dilma Rousseff, depende muito mais de "clima" do que de crime. Os crimes Bolsonaro já garantiu. E segue a cada dia cometendo os mesmos ou novos. Mente sobre remédios que não têm eficácia contra a Covid-19. Faz campanha deliberada contra vacina. Usa instituições e órgãos públicos para benefício próprio ou de seus filhos. O clima cabe a nós, cidadãos, criar. E sabe como a gente cria clima de impeachment? Pressionando os parlamentares. 

O Brasil está vivendo um caos sanitário, mas o Congresso está em recesso até 1º de fevereiro. Isso faz sentido para você? Para mim não faz. Temos que exigir o fim do recesso parlamentar imediatamente. Mas temos também que exigir abertura imediata de CPIs para apurar responsabilidades pelos crimes que estamos vendo, pelo caos em Manaus, pelo atraso do país na corrida pelas vacinas, pela insistência em manter o ENEM nos próximos finais de semana e por todos os outros crimes cometidos por esse governo, por Bolsonaro e seus cúmplices. CPIs para investigar deputados como Bia Kicis, Osmar Terra, Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro, Daniel Silveira, que além de ódio disseminam mentiras pelas redes sociais e atuam como verdadeiros agentes do caos, colocando a população contra autoridades que tentam medidas para conter o caos sanitário. 

A situação da pandemia no Brasil nesse momento, de segunda onda, como foi alertado por cientistas, epidemiologistas e demais autoridades com juízo e bom senso, está muito grave e poderia ter sido evitada. Ou seja, esse caos que Manaus e, infelizmente, outras cidades em breve podem viver, não é questão de incompetência, é fruto de decisões deliberadas de autoridades negacionistas que escolheram deixar pessoas morrer.  Bolsonaro e seus ministros têm agido para ampliar o caos. Bolsonaro no final do ano causou aglomerações, quando muitos avisavam que essas datas mereciam atenção, cuidado, que não era hora de aglomerar. Bolsonaro é responsável diretamente pelo comportamento de risco assumido por milhares de pessoas que resolveram levar a sério o presidente da república. Como chefe de Estado, tudo, absolutamente tudo, que Bolsonaro fala e faz importa, tem consequências, por isso ele é responsável! Não é hora de aglomerar, mas precisamos sair de nossas casas ou fazer barulho de nossas casas. Não é possível mais ficar assistindo a todo esse horror sem agir. 

Sábado, 23/01/2021, precisamos pressionar o Congresso Nacional. Deputados e senadores precisam ouvir nossas vozes dizendo #ChegaDeBolsonaro! #ChegaDeMortes! #ChegaDeTolerarCrimes. Quem puder ir para as ruas de carro em suas cidades, fazer carreatas e buzinaços, colocar faixas de suas janelas, bater panela quando a carreata passar, encher as redes sociais de #ImpeachmentDeBolsonaroUrgente, entrar nos perfis de deputados e senadores e pedir o #FIMDORECESSOJA e abertura imediata de CPIs. Precisamos nos unir e pressionar, criar o clima para nos livrar desses assassinos. Precisamos fazer pressão para que os deputados e senadores criem coragem para botar um fim nessa tragédia. Como eu disse, os crimes Bolsonaro já cometeu, e segue cometendo diariamente. 

ATENÇÃO: Se você for para a rua, MESMO QUE de moto ou de carro, não se esqueça de USAR MÁSCARA! Temos que continuar dando exemplo, mantendo distanciamento e tomando todos os cuidados para conter a transmissão do vírus. 



terça-feira, 12 de janeiro de 2021

O caso da Vacina do Butantan e a importância de uma boa comunicação científica

 Comunicação não é marketing. A ciência e os cientistas precisam tomar cuidado com armadilhas politiqueiras

Que João Doria, governador de São Paulo, aposta no marketing para rebaixar a política, isso é sabido desde sua eleição para a prefeitura de São Paulo em 2016. O João trabalhador, usando uniforme dos funcionários da limpeza pública na primeira semana de seu mandato, foi personagem criado para sustentar suas narrativas antipolíticas. Num cenário em que Bolsonaro é presidente, Dória parece civilizado, parece melhor, mas é importante lembrar que a distância entre essas duas figuras é bem pequena, eu diria, irrelevante. A maneira como Dória se apropriou dos estudos do Instituto Butantan me pareceu irresponsável e perigosa, podendo mesmo virar desserviço para a ciência como um todo. 

Diante dos dados apresentados pelo Buntatan hoje (12/01/2021), é bem provável que tenha havido um atropelo na divulgação dos dados. Na semana passada, as eficácias anunciadas, de 100% para casos graves e moderados (que necessitam UTI ou hospitalização) e 78% para casos leves (que necessitam alguma intervenção ambulatorial) gerou expectativas altas em relação à vacina. No entanto, logo pesquisadores e jornalistas especializados em divulgação científica apontaram a ausência de dados sobre a eficácia geral da vacina. 

É bom que se diga que os números inicialmente apresentados pelo Butantan não são falsos ou errados, mas que representam recortes específicos do estudo. No entanto, aparentemente, acompanhamos uma estratégia atabalhoada da divulgação dos dados, que pode ter sido influenciada por interesses políticos do governador de São Paulo, na sua guerra particular contra o cavaleiro da ignorância que desgoverna o nosso país. Mas reforço: não é porque Bolsonaro é o pior presidente que Doria se torna o melhor governador. E mesmo reconhecendo quão delicada é a situação que vivemos, os ataques de má-fé feitos por figuras como o deputado Osmar Terra e outras criaturas trevosas, os cientistas não estão imunes a críticas nem podem estar acima do bem e do mal. Os questionamentos feitos ao Butantan, os burburinhos que surgiram após a primeira divulgação de dados, devem servir de alerta aos cientistas. Não podemos incorrer no erro de achar que a ciência é neutra, com isso querendo dizer que ela está livre de influências políticas e econômicas, mas não é de bom tom ter cientista falando mais em linguajar político do que científico. Quando isso acontece, é importante também ter humildade para reconhecer as escolhas equivocadas e que podem afetar toda a ciência. 

Em tempos de negacionismo científico, de disseminação do movimento antivacina no mundo todo, com um presidente que está em plena campanha contra a vacina, faz-se fundamental estratégias de comunicação cuidadosas e responsáveis. Diferente de meras estratégias marketeiras ou com intenções politiqueiras, uma boa comunicação, nesse caso, deveria levar em consideração impactos psicológicos em apresentar um "número" maior de eficácia num primeiro momento, para depois apresentar um "número" menor de eficácia. Como frisou a pesquisadora Natália Pasternak durante a coletiva de hoje, "temos uma boa vacina", não é a melhor do mundo, mas é uma boa vacina. Desse modo, teria sido muito melhor apresentar os dados sobre a eficácia geral da vacina que, embora baixos, 50,38%, se comparado com outras vacinas que já apresentaram seus dados, atendem os requisitos necessários para que uma vacina seja liberada para uso, e então depois se apresentassem os dados mais animadores, nos recortes do estudo. 

Mas vamos ao que interessa! Temos vacina. Essa vacina é boa e é segura. Agora o que precisamos é combater o negacionismo, as desconfianças, e ampliar as vozes pedindo #vacinaçãojá! 


Em tempo: Viva a Ciência! Viva as instituições públicas de pesquisa! Viva o SUS! e Fora Bolsonaro! 

domingo, 3 de janeiro de 2021

Dica de leitura: Nós, mulheres: grandes vidas femininas (Rosa Montero / Editora Todavia)

"A porção invisível do iceberg de mulheres silenciadas começa a emergir agora, e tem dimensões colossais. E entre elas há de tudo, heroínas e tiranas, revolucionárias e retrógradas, salvadoras do mundo e assassinas cruéis. E isso é formidável e libertador. O feminismo, ao menos a parte majoritária do feminismo, não reivindica pessoas santas, mas pessoas que possam viver todas as possibilidades do ser, para além da tirania dos estereótipos. Vocês sabem, é aquela história: as meninas boas vão para o céu e as más vão para qualquer lugar.  Eu sempre disse que alcançaríamos a verdadeira igualdade social quando conseguirmos ser tão tolas, ineficazes e malvadas como alguns homens o são sem que sejamos recordadas especialmente por isso." (MONTERO, Rosa, Nós, mulheres: grandes vidas femininas, Todavia).

Se eu pudesse dar uma dica de leitura para 2021 para todos os professores do ensino básico - principalmente de matemática e ciências da natureza - certamente seria Nós, mulheres: grandes vidas femininas, de Rosa Montero. Infelizmente, nós, mulheres, passamos boa parte da nossa vida escolar sem nos ver nas grandes descobertas e conquistas da ciência. Sei que hoje as coisas estão mudando, mas ainda hoje meninas que escolhem cursos considerados "masculinos" são tratadas ora com condescendência, ora com desprezo por seus professores, na grande maioria homens. Por isso, caros colegas professores, em 2021 coloquem na sua lista de leitura Nós, mulheres: grandes vidas femininas

Acredito que começar uma aula de matemática mostrando como mulheres incríveis e inteligentes como as gregas Theano de Crotona e Hipátia, ou a italiana Maria di Novella, ou ainda Maria Gaetana Agnesi, autora do primeiro texto completo de cálculo da história, deram contribuições fundamentais para a matemática poderia ajudar muitas meninas pensarem que a matemática também é para elas! Como Rosa Montero, também me pego pensando: "de onde vem esse absurdo lugar-comum que afirma que as mulheres não dão para números, pois a história está cheia de matemáticas extraordinárias". E o que dizer de Ada Lovelace, que almejava criar a informática, que ela chamava de ciência das operações? Ela é reconhecida hoje como a primeira pessoa a descrever uma linguagem de programação. Quantas das minhas alunas do técnico de informática sabem disso? 

Durante os meus anos de ensino básico, física e química também eram redutos masculinos. Mas quantas mulheres estiveram presentes nos primeiros passos da química? Maria, a judia, inventora do banho-maria, mas também do alambique de três bicos, introduziu o uso do vidro nos laboratórios e descobriu o ácido do sal marinho e o ácido acético. Mas tão pouco se sabe sobre ela. O silenciamento e mesmo o apagamento de tantas mulheres nas mais diversas áreas do conhecimento nos legou uma história pela metade. Mulheres como Aglaonike de Tessália, Hipátia, Sophia Brahe, irmã do famoso astrônomo Tycho Brahe, que olharam para o alto, para os planetas, para as estrelas, e foram, ao seu modo, estrelas cujo brilho foi apagado. 

Se a vida das mulheres que se aventuraram pela ciência e pela filosofia foi marcada pela apropriação de seus trabalhos, pela falta de reconhecimento de seus esforços, não foi muito diferente com mulheres talentosas nas artes, na música, na literatura. Quantas compositoras, musicistas, escultoras, pintoras, foram relegadas ao papel de amantes ou assistentes de homens que desfrutaram de reconhecimento público enquanto, alguns, foram extremamente cruéis. A história da pianista Alma Mahler é uma dessas histórias de apagamento e crueldade que nos deixam revoltadas. A carta que seu futuro marido, o compositor Gustav Mahler, lhe envia antes do casamento é inqualificável. 

"Continuo cismado com essa obsessão que se fixou nessa cabecinha que eu tanto amo, com esse seu desejo de continuar sendo você mesma. Você escreve: Você e minha música. Desculpe, mas temos que discutir isso também! Como você imagina a vida matrimonial de um homem e uma mulher que são, os dois, compositores? Tem alguma ideia de quão ridícula e, com o tempo, degradante que inevitavelmente seria para nós dois uma relação tão competitiva como essa? O que vai acontecer se, justo quando lhe vier a inspiração, você se vir obrigada a cuidar da casa ou de qualquer afazer que se apresente, dado que, como você escreveu, gostaria de me poupar das minudências da vida cotidiana? "
MONTERO, Rosa, Nós, mulheres: grandes vidas femininas, Todavia, p.91-92.

Mas as mulheres que Rosa Montero nos apresenta também podem ser cruéis, assassinas, como Irene de Constantinopla, que cegou o próprio filho, ou Aurora, que matou a própria filha. Outras foram guerreiras, soldados, estrategistas, líderes fortes e respeitadas. A verdade é que ler esse livro é bastante libertador para nós, mulheres. Mas poderia também ser um convite para que os homens pudessem se libertar de preconceitos que muitas vezes também os castigam. Ler sobre mulheres que, mesmo com todas as restrições, dificuldades, limitações, ousaram ser plenamente, que viveram, amaram, lutaram, foram derrotadas, enfrentaram destinos trágicos, que se resignaram, que se afundaram na sombra do que poderiam de fato ter sido, é libertador na medida em que nos relembra que podemos ser muitas, de muitas formas, que podemos conquistar nosso lugar, fazer nossa história, mas acima de tudo, que podemos e devemos nos permitir ser! 

Ainda não sei o que farei, mas a minha leitura de Nós, mulheres não se limitará a essa resenha. Ideias já fervilham na minha cabeça! Termino a leitura com uma vontade bem grande de levar essas mulheres e suas histórias para as minhas aulas, de apresentá-las às minhas alunas. E para isso convido meus colegas a lerem o livro e pensarem comigo em como levar essas histórias, com suas lacunas, para as salas de aula, na esperança de que muitas outras mulheres incríveis tenham a oportunidade de sonhar sonhos grandes e de se realizarem, seja mirando o universo e descobrindo mundos ainda não desbravados, seja fazendo arte, descobrindo curas, tornando-se lideranças políticas, escrevendo e nos ajudando a imaginar outras formas de ser, transformando esse mundo num mundo mais justo, mais igualitário, mais diverso e plural. Que nós, mulheres, possamos encontrar possibilidades, alternativas, que não sejamos condenadas a viver vidas dentro das quais não cabemos. Que nós, homens e mulheres, possamos repensar os lugares aos quais estivemos cristalizados e tenhamos coragem de escrever capítulos mais completos daqui para frente da nossa história. Que não seja mais aceitável uma história escrita e protagonizada apenas por metade da humanidade. 



 

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