"Porque nem toda feiticeira é corcunda
nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito homem"
(Rita Lee, Pagu)
Estou há dias para escrever esse texto. Mas entrei em bloqueio. Falar das mulheres, de ser mulher, nunca foi tão difícil como nesse 8 de março de 2021.
Quinta-feira última, 6 de março, e a comissão de ética da Alesp resolveu dar "férias" para o deputado Fernando Cury, assediador canalha como todos puderam ver em vídeos que circularam pelas redes sociais, que encoxou e apalpou os peitos da também deputada estadual Isa Penna durante votação do Orçamento do Estado de São Paulo, na noite de 16 de dezembro de 2020. Mas os deputados Wellington Moura (Republicanos), Delegado Olim (Progressistas), Adalberto Freitas (PSL), Alex de Madureira (PSD) e o corregedor da Casa, Estevam Galvão (DEM) decidiram que a "punição" adequada ao colega seria o afastamento remunerado de 119 dias. Ou seja, os cinco deputados acharam por bem tornarem-se cúmplice do assediador e resolveram dar férias ao delinquente.
O caso envolvendo a deputada Isa Penna e o desfecho absurdo de poupar o assediador é só um dos muitos exemplos de como anda a vida das mulheres nesse Brasil de 2021. Os casos de assédio, ameaças e ataques sofridos pelas mulheres na política são mais uma face da condição das mulheres brasileiras nesse cenário de perdas de direitos, de tentativa de enfraquecimento das lutas sociais, de conservadorismo/reacionarismo que o governo de Jair Bolsonaro representa.
Com a pandemia e o pandemônio que o Brasil enfrenta, as mulheres foram as mais afetadas. Seja no aumento da violência doméstica, da sobrecarga de trabalho, da perda de emprego, perda de redes de apoio (serviços como creche e escola). Não faltam dados, artigos, alertas. Mas certamente falta vontade política de agir em prol das mulheres. Damares Alves, a sinistra ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos está mesmo preocupada em patrocinar vagabundos que preferem crucificar uma criança vítima de estupro, que como resultado da violência sofrida engravidou. A pastora das trevas prefere fazer discursos vazios em favor da vida dos inocentes enquanto reduziu o investimento das verbas para combate à violência contra a mulher.
A realidade nunca foi tão desanimadora como nos últimos anos tem sido para nós, mulheres brasileiras. O retrocesso chega a galope. E ainda queremos saber quem matou e quem mandou matar Marielle Franco. Como escreve Eliane Brum, "1.090 dias. 8 de março. Dia da Mulher. E ainda não sabemos. A cada dia sem solução e sem responsabilização do crime que revela o Brasil o abismo se amplia e se aprofunda. Devemos hoje perguntar ainda com mais força. Precisamos gritar: Quem mandou matar Marielle? E por quê?".
A realidade nos sufoca. É preciso encontrar saídas, encontrar inspiração, esperança, força. Encontrar espaço para imaginar outros mundos possíveis. Por isso, nesse 8 de março, eu só posso recomendar literatura, boa literatura escrita por mulheres, falando de mulheres, para mulheres e para todos que sonham com equidade, igualdade, justiça, enfim, um mundo melhor para todos.
Lá vai a dica do dia: Terra das mulheres, Charlotte Perkins Gilman, publicado em 1915.
"A característica mais evidente de todo aquele país era a perfeição do fornecimento alimentício. Percebemos isso logo na nossa primeira caminhada pela floresta, na primeira visão parcial do avião. Então fomos levados para conhecer essa horta imensa e seus métodos de cultivo. (...)
Quanto à inteligência, confesso que era o traço mais impressionante, e também o mais mortificador de toda a Terra das Mulheres. Logo deixamos de comentar sobre isso ou outros assuntos que para elas eram tão banais e que apenas exibiam nossas próprias condições embaraçosas." (p.136/138).
Terra das Mulheres me gerou alguns incômodos, muito provável que esses incômodos sejam frutos de uma visão de uma época, de certas ideias sobre ser mulher que já foram superadas. Mas a beleza e a potência que a narrativa de Charlotte nos traz são motivos incontestáveis para ler esse livro.
Nisso ele também tinha razão. Elas tinham a experiência ampla, geral, profunda e rica da maternidade, e a única percepção de valor a respeito da criatura masculina como tal era a Paternidade. (p.216).
É isso, o recado desse 8 de março é: Leia literatura, leia mulheres! Façamos das histórias, utopias, narrativas ficcionais, potência de transformação dessa realidade distópica e feia na qual fomos lançados. Aprendamos com as mulheres, reais e fictícias, a vencer os obstáculos, a abrir portas, apoiar outras mulheres, a escrever nossas próprias histórias.
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