No início de outubro, escrevi uma crônica e, como costumo fazer, enviei para alguns amigos. O Alê Bragion, um querido, logo me respondeu que aquele meu texto, cujo título é Coincidência, o havia recordado um texto da Marina Colasanti: Para que ninguém a quisesse. Eu não conhecia. Fui procurá-lo. Gostei. Vi que o tal texto estava publicado no livro Contos de amor rasgado. Corri buscar pelo livro nos sebos virtuais. Comprei. O livro chegou, mas não tive tempo de saboreá-lo. Semanas puxadas, muito trabalho, final de bimestre, conselhos pedagógicos. Passou o dia 15 de outubro. Hoje, depois de uma última reunião, preparatória para um evento na próxima semana, resolvi tirar um tempinho para ler. Abri o livro da Marina Colasanti e me dei com uma dedicatória encantadora. Uma professora, de nome Elza, ganhou esse livrinho da amiga Janice, que se autodeclara, na dedicatória, uma "fã de carteirinha" da autora. Descreve o presente como "light, leve, gostoso" e "ideal para quem tem tão pouco tempo como você...". Posso dizer que estou completamente convencida de que Elza tinha pouco tempo. Porque também sou professora. A dedicatória, tão delicada e sincera, foi feita em 15/10/03.
Em outubro de 2003 eu estava no cursinho, dando meus primeiros passos para me tornar, oficialmente, professora. Foi um ano difícil. Eu trabalhava o dia todo. Era uma viagem, todo dia, para outra cidade, para estudar à noite. Deu certo. E em outubro do ano seguinte eu estava numa crise tremenda, querendo desistir daquele curso. Uma disciplina - ou seria o professor? - ou melhor, um filósofo estava me tirando o sono e a paz: Hegel. Lembro-me bem de uma cena, que até poderia ter acontecido num 15 de outubro, depois de mais uma aula na qual eu não entendi nada, sentei-me na escada da saudosa M4A, na Moradia Estudantil, e chorei. Chorei copiosamente.
Mas eu não desisti. Vieram outros outubros. Outras dificuldades. E eu persisti. Sigo persistindo. Sou professora desde 2010. Quer dizer, com carteira assinada, contrato, salário. Bem antes disso eu já era professora. Às vezes me pergunto se teve algum momento em que não fui professora. Exagero? Não sei. Eu ganhei uma lousa verde, com tripé de madeira, uma gracinha de lousa, e uma caixa de giz, quando eu tinha por volta de cinco, seis anos. Alfabetizei todas as minhas bonecas! Irmãos, primos, qualquer criança menor que aparecesse logo virava minha vítima e eu já botava na sala de aula.
Nesse último dia 15, eu trabalhei, recebi alguns abraços e cumprimentos de alunos queridos. Ganhei alguns mimos, daqueles que aquecem o coração. Recebi mensagens carinhosas de amigos e colegas. Foi um dia gostoso. E agora, lendo a dedicatória da Janice à Elza, muitas coisas se passaram pela minha cabeça. Onde estará Elza? Ainda em sala de aula? Aposentada? Será que ela foi feliz como professora? Janice e ela seguem amigas? Será que esse ano Janice deu algum presente à Elza?
A letra da Janice na folha amarelada do livro me fez também desejar escrever sobre os avanços tecnológicos e as perdas que eles acarretam. Afinal, um livro digital, as telas de modo geral, jamais poderiam proporcionar a experiência que tive esta tarde. Como é especial abrir um livro antigo, um livro que já passou por outras mãos, e descobrir pedaços de outras vidas espalhados entre suas páginas. Uma dedicatória, uma foto, um marcador, um bilhetinho. Já encontrei algumas dessas preciosidades. Amo sebos. Gosto muito de comprar livros de segunda - terceira e sabe-se lá quantas - mãos. Gosto de buscar essas marcas de histórias cruzadas.
Eu espero que muitos outros outubros ainda possam me trazer momentos de alegria, satisfação e esperança como essa tarde de outubro de 2025. Que outros outubros possam ecoar em mim através de outros livros. E que as minhas palavras possam viajar por muitos outros outubros. Que muitos caderninhos possam ser preenchidos pela minha letra, por muitos outros outubros.
P.S. Como eu não tive tempo durante a semana, aproveito para dedicar este texto aos meus eternos professores, aos colegas e amigos de caminhada, que diariamente experimentam as alegrias e as agruras desta profissão que eu tanto respeito e amo.
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