Só de me lembrar, sinto um cheiro morno, de vela queimando. O dia todo. Cheiro de hortelã e outras ervas. E sinto o mesmo sufocamento que sentia quando era criança. Teto baixo, as paredes tomadas de quadros de santos, fotos, imagens pelas prateleiras. Era escuro, o quartinho. E aquele cheiro enjoativo. Cheiro que lembrava cemitério. A capelinha do cemitério na qual todo ano a vovó acendia velas no dia de finados. E tinha exatamente aquele cheiro morno e enjoativo, o quartinho da dona Rosinha.
Imagem do Pixabay |
Não gosto do cheiro de vela. Não gosto de lugar com teto baixo. Não
gosto de quadros nas paredes. Mas gosto de chá de hortelã. Lembro-me de que
havia uma escada para chegar na casinha dela. Mas não me lembro de mais nada. E
já me esqueci de como rezar também. Não faço ideia do que a dona Rosinha
rezava. Acho que fui levada lá mais de uma vez. Só não sei pra quê. Ela benzia
criança. Só criança. Ainda bem que cresci. Ser criança é tão solitário.
A maioria das pessoas parece se esquecer que foi criança. E romantiza a
infância. E faz tudo parecer tão bonito. E diz que é a melhor fase da vida.
Esquece que criança não tem autonomia. Vai onde os adultos decidem. Inclusive
em casas escuras, de teto baixo, com santos espalhados e cheiro de vela, para
serem benzidas. E as crianças não entendem nada. Desconfio que os adultos
também não. Crianças, como eu, nesses lugares, sentem medo. Eu sentia. E tem
que se comportar.
Li outro dia um poema que dizia que a infância não era um tempo, mas um
lugar. Às vezes penso que a minha infância foi um quartinho escuro, como o da
dona Rosinha. Abafado, com cheiro enjoativo de vela, cheiro morno, preenchido
por palavras confusas, rezas, ladainhas, medos.
Mas não era só isso. Tinha lá fora. Subindo as escadas, tinha a rua, o sol, o vento, o horizonte. Tinha um convite para deixar a infância. Eu fui. E nunca mais soube da dona Rosinha.
2 comentários:
Achei lindo e muito triste. Pensava sua infância no sítio, subindo em árvore, mexendo na terra etc, que devia ter sido muito alegre e livre, mas por essa crônica, percebi que não. Bjsss,amiga e bom domingo
Minha infância foi cheia de coisas bonitas e boas!
Mas toda infância, me parece, é bastante solitária.
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