sexta-feira, 27 de março de 2020

O golpe já está em curso

Parece que Bolsonaro, desde seu último pronunciamento, está empenhado em mandar parte da população brasileira para a morte. Talvez, secretamente, ele alimente a esperança de poder "fazer o que a ditadura não fez", matar alguns milhares de brasileiros. Não porque esses são comunistas, petistas, mas porque Bolsonaro é sádico, sociopata, maníaco.

 Infelizmente ele não está só. Nesse Brasil distópico, o que não falta é sociopata disfarçado de "empresário". Gente que acredita que a economia não pode parar só por causa da morte de 5 ou 7 mil pessoas. Gente que acha que se são só os "velhos" que podem morrer, devemos segregar os velhos e botar os novos para trabalhar. E se os velhos morrerem, já estavam velhos mesmo, iam morrer de qualquer jeito, afinal todos vamos morrer mais cedo ou mais tarde. Os que estão morrendo agora, cheios de doenças, não estão morrendo por causa do Covid-19, é porque já morreriam mesmo, é tudo histeria, é só uma gripezinha. O presidente genocida, que ora desgoverna o Brasil, conta com o apoio de muitos colaboracionistas, cúmplices que deverão ser corresponsabilizados pelo massacre que assistiremos em breve, se essa insanidade promovida por Bolsonaro não for parada. Entre os colaboracionistas, temos que destacar o ministro Sergio Moro e o ministro Henrique Mandetta, desde a última quarta-feira, quando passou pano para o pronunciamento criminoso do chefe. O ministério da saúde desde então não está mais nas mãos de um médico, mas de um político, que sabe Deus que cálculos está fazendo para achar que vale a pena rasgar seu diploma de medicina ao vivo e na frente de um país inteiro.

Vedação, Holocausto, Arame Farpado, Crematório

vedação holocausto arame farpado crematório

Circularam pelas redes sociais nas últimas horas panfletos que chamam as pessoas para carreatas em diversos Estados no próximo final de semana em apoio a Bolsonaro, apoio ao retorno aos trabalhos e ao fim do isolamento físico. Sob o slogan de que o "Brasil não pode parar", pessoas mal informadas e outras de mau-caráter, mais uma vez, se apoiando na irresponsabilidade do chefe do executivo, espalham mentiras e promovem ações que irão colocar em risco a vida de milhares de brasileiros. E quem começou a palhaçada dessa vez foi o Senador Flávio Bolsonaro, sim o da rachadinha, o que contratou Queiroz, o velho amigo do papai, o mesmo que também empregou a mãe e a ex-esposa do Adriano da Nóbrega, miliciano morto esse ano em circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas. Mas o que fez o senador? Levantou no Twitter a hashtag #BrasilNaoPodeParar. E se não bastasse toda a loucura promovida por robôs e seguidores fanáticos de Bolsonaro, agora a Secretária de Comunicação da Presidência (SECOM) está promovendo a campanha o #BrasilNaoPodeParar. O próprio presidente, na noite de ontem (26/03), compartilhou vídeo de carreata em SC, comemorando decisão criminosa do Governador Carlos Moisés (PSL) de abertura de shoppings e comércio na próxima semana. 

O quadro político que temos nesse momento no Brasil é de profunda instabilidade, causada pelo presidente da República, por suas declarações que afrontam autoridades sanitárias do mundo todo, que desmoralizam o trabalho do Ministério da Saúde e que estimulam os insensatos e desinformados aos desvarios típicos de uma cena apocalíptica de filme ruim, no qual o espectador já sabe que o fim se aproxima, mas os personagens insistem em se preocupar com banalidades e seguem a vida como se estivesse na mais plena normalidade. Mas Bolsonaro, o incansável, também tem se dedicado a atacar os governadores, fazer ameaças bravateiras, e causar pânico na população, ameaçando os mais pobres de morrerem de fome. 

Aproxima-se o 31 de março, data do Golpe civil-militar de 1964 que lançou o Brasil numa ditadura que durou 21 anos. Bolsonaro pode estar sonhando (delirando) com a possibilidade de dar outro golpe. Será que ele terá apoio dos militares? Como em 1964, empresários patriotas dispostos a sujar as mãos ao lado do capitão da reserva que sonhava em ser general, já temos. Um impeachment no meio de uma pandemia traz complicações extras e talvez o país não aguente isso neste momento, como parte da oposição tem defendido. Mas até quando o país aguenta os desmandos de Bolsonaro, seus filhos e ministros aloprados? Até quando o parlamento terá energia para apagar os incêndios e limpar a lambança que MPs e Decretos têm causado dia sim e outro também? Até quando decisões isoladas do STF terão condições de barrar o crescente autoritarismo mal disfarçado de Bolsonaro? 

Se não temos clima para impeachment, se temos que cuidar da pandemia e um processo de impeachment agora travaria o Congresso, precisamos encontrar alguma saída para afastar imediatamente Bolsonaro e seus ministros olavistas e terraplanistas que hoje estão empoleirados no Planalto. A cada dia o tempo corre contra aqueles que ainda se preocupam com o país e a população mais vulnerável que serão as principais vítimas do genocídio promovido nesse momento pelo chefe do executivo federal. O golpe que Bolsonaro está dando no país é muito grande, mas pode crescer nos próximos dias. Não dá para continuar acreditando que ignorar o presidente é uma alternativa. Infelizmente uma parcela considerável da população ainda lhe dá ouvidos, e está prestes a ir para as ruas no próximo final de semana. Ou paramos essa gente agora, ou o Brasil poderá sofrer o maior golpe da sua história.

********

P.S. Depois da decisão da Justiça Federal do Rio proibindo a vinculação de propaganda contra o isolamento, a SECOM apagou suas postagens nas redes sociais com o slogan "O Brasil Não Pode Parar". Então o link que coloquei no texto não está funcionando, mas as postagens eram estas:

SecomVc on Twitter: "Para estes, o isolamento. Para todos os ...   O Brasil não pode parar: Secom apaga post e diz que campanha não ...

Esse governo é especialista em mentir e voltar atrás. Agora, apagando as postagens, a SECOM está dizendo que a propaganda não existe. Mas não é tão simples assim apagar os rastros dos crimes cometidos por esse governo. 

quarta-feira, 25 de março de 2020

O projeto de um genocídio anunciado em cadeia nacional

O pronunciamento de ontem (24/03/2020) de Bolsonaro é prova cabal de que apoiar ou ser contra Bolsonaro não é uma questão político-ideológica ou partidária, mas moral. O que ele fez ontem configura crime. Contrariando evidências científicas, orientações da OMS e as ações de líderes de mais de 127 países, além das orientações do seu próprio ministro da saúde, Bolsonaro incentivou o fim do isolamento, o retorno às aulas presenciais, a abertura do comércio. De maneira irresponsável e criminosa, chamou mais uma vez de 'gripezinha' a pandemia que já matou quase 20 mil pessoas no mundo. 

Os números da pandemia no Brasil estão subnotificados, uma vez que não estamos fazendo testes de maneira exaustiva, e apenas casos graves estão sendo testados. E mesmo subnotificados, já apontam para um cenário mais dramático do que aquele hoje visto na Itália e na Espanha, atuais epicentros da pandemia, caso não façamos o isolamento de maneira eficiente. Que irão morrer muitas pessoas é uma certeza. Mas temos que fazer tudo que estiver ao nosso alcance para minimizar esse quadro. Infelizmente as pessoas que já são as mais vulneráveis, desassistidas pelo poder público e que estão às margens da sociedade, serão as maiores vítimas. Quanto aos idosos, principal grupo de risco para o coronavírus, não basta deixá-los em casa enquanto seus filhos e netos continuam circulando. Se crianças e adultos abaixo de 60 não correm riscos de terem complicações com a doença - o que não parece ser totalmente verdadeiros - eles são vetores do vírus.

Bolsonaro ao fazer coro às falas desumanas e desastradas de "empresários" como Roberto Justos, Júnior Durski (dono do Madero) e Luciano Hang (o véio da havan) mostra que não tem qualquer compromisso com o povo brasileiro, com os trabalhadores, com as pessoas mais pobres. Para esses homens - todos acima de 60 anos, portanto, grupo de risco - a morte de 5 ou 7 mil brasileiros não pode parar a economia - leia-se: seus lucros! Mas sem isolamento, a projeção é de que teremos muito mais do que 7 mil mortos. Segundo o The Intercept, documentos secretos da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) vazados hoje apontam para 5,5 mil mortes só nos próximos 15 dias. 

É difícil falar em estratégia ou método de Bolsonaro no pronunciamento de ontem. Analistas acreditam que ele fez uma aposta alta: se o isolamento funcionar, e conseguirmos conter o avanço do coronavírus, Bolsonaro dirá que era histeria da mídia e dos governadores e prefeitos e os culpará pelo fracasso da economia. Mas depois da fala de ontem, se o Ministro da Saúde, Luis Henrique Mandetta, continuar no cargo, estará se tornando cúmplice de um presidente genocida. O DEM, partido de Mandetta, e de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, pode começar a pressionar o ministro para renunciar. Se isso acontecer, e Bolsonaro indicar alguém alinhado com o seu discurso criminoso, algum olavista de plantão, teremos um cenário favorável a aceitação dos pedidos de impeachment que já estão no Congresso. 

Um impeachment não é animador nesse contexto por vários motivos, um deles é que Mourão, o vice, não é confiável, porque não é tão diferente assim de Bolsonaro, afinal é seu vice. Mas se nesse momento, Mourão não endossar as declarações genocidas de Bolsonaro, o país já está no lucro. É imperativo tirar Bolsonaro da Presidência da República ou não haverá futuro para esse país. Bolsonaro não se importa com a vida de milhares de brasileiros, talvez até alimente secretamente a esperança de que essa pandemia possa aliviar "os gastos públicos com previdências e auxílios sociais". A perversidade desse homem e de seus apoiadores parece não ter limites. 

Já passou da hora do povo brasileiro, de todos aqueles que são democratas, que têm um mínimo de responsabilidade, que defendem a Ciência, que se preocupam com a vida de milhares de brasileiros  que serão vítimas desse projeto genocida anunciado ontem pelo presidente, pedirem o #impeachmentdeBolsonaro. Não é preciso se unir - os partidos -, não estou pedindo isso, é apoio ao afastamento imediato desse senhor perigoso da Presidência da República, em nome da proteção do povo brasileiro. 

terça-feira, 24 de março de 2020

Educação a distância em tempos de pandemia: dúvidas, angústias e algumas reflexões

 Estudante, Ensino, A Distância, Escola

Eu faço parte de um grupo de pessoas privilegiadas. Não sou rica, estou bem longe disso, mas meus privilégios são muitos: tenho formação de nível superior por uma universidade pública de ótima qualidade, sou funcionária pública federal concursada e, nesse contexto de pandemia, estou no conforto da minha casa, enquanto milhares de pessoas por esse país - inclusive parentes meus - seguem suas vidas e seus trabalhos expostos ao vírus. É no conforto da minha casa que abro o meu computador e escrevo esse texto que, posteriormente, irei compartilhar através da internet. 

Mas as coisas não foram sempre assim. Em 2004 quando eu saí da pequena Delfim Moreira para morar em Campinas, minha família achava que era uma loucura. E talvez fosse mesmo. Eu deixei o emprego que eu tinha, com carteira assinada, para vir fazer um curso de Filosofia. Meu pai, que sempre ganhou pouco mais do que um salário mínimo, não tinha como me mandar dinheiro. Eu sabia de tudo isso, mas sabia também que havia na Unicamp programas de assistência estudantil - bolsas, aquelas que o atual ministro da educação se orgulha de nunca ter precisado de nenhuma, mas eu precisava. Tive bolsa moradia, bolsa trabalho e bolsa alimentação. Pouco tempo depois troquei a bolsa trabalho - se não estou enganada, na época era algo em torno de 500,00, por uma bolsa de iniciação científica da Cnpq, que não chegava a R$ 300,00. Foi uma escolha. Eu achava que seria bom para a minha formação. E foi. Depois consegui uma bolsa Fapesp, que pagava melhor, mas foram anos de muita economia. Passei bons anos sem comprar uma calça ou um tênis. Mas deu tudo certo. Me formei, entrei no mestrado, concluí meu mestrado. Eu não tinha computador na moradia, contei com a ajuda e solidariedade de muitos amigos para fazer meus relatórios aos finais de semana e madrugadas afora. Quando essa semana tenho que ler de um colega que "quem quer estudar arruma um jeito", eu tenho que concordar, afinal eu sempre arranjei meus jeitos. Mas minha questão é: será que está certo naturalizar e até romantizar os sacrifícios que algumas pessoas precisam fazer para conseguir estudar? 

Essa reflexão surge num momento muito delicado que enfrentamos essa pandemia do coronavírus. As mortes já ultrapassam 17 mil no mundo. Itália, Espanha, EUA já convivem com centenas de morte diárias. Infelizmente nas próximas semanas essa será a nossa realidade. E dadas as nossas condições sociais de extrema desigualdade e pobreza, temo muito que o cenário seja ainda mais catastrófico que aquele que se vê hoje na Europa. Desde semana passada algumas instituições de ensino, de maneira prudente, optaram por suspender aulas presenciais. E foi aí que começou a panaceia da EaD - Educação a Distância. Algumas decisões tomadas a toque de caixa, com as melhores das intenções - eu realmente acredito e quero acreditar nisso - lançaram vários professores nesse novo cenário. E o desespero não foi só de professores - que nunca pensaram em trabalhar com suas disciplinas na modalidade EaD - este é o meu caso específico -, mas também de muitos alunos que, de repente, foram bombardeados por um sem fim de materiais e ferramentas e lives e afins. Pois muitos professores pareciam já estar com seus cursos totalmente adaptados para a nova modalidade de ensino-aprendizagem. Confesso, não sou eficiente como esses colegas, estou atrasada, me sinto perdida e cobrada por coisas que não estavam nos meus planos.

Os otimistas, aqueles que têm tudo sob controle, eficientes e inovadores, dão notícias: minhas aulas estão sendo um sucesso, os alunos estão adorando! fiz uma live e de uma turma de 40 tinha 31; eu digo, a maioria tem acesso; os alunos se adaptam fácil, na verdade eles já vivem na internet, vai ser muito mais tranquilo; eles vão dar um jeito, é só querer; além do mais, EaD não é só live, tem muitas outras ferramentas; e é muito simples, qualquer um consegue, até as crianças dão conta; na verdade, trabalhar de casa é ótimo, depois poderíamos tentar continuar assim...

Mas também chegam notícias do outro lado, dos mais diversos lugares, e as angústias, dúvidas e questionamentos de repente se encontram: mas os alunos têm acesso à internet? eles têm computador em casa? eles terão condições de estudar? como está a situação familiar desses alunos? os pais continuam trabalhando? já estavam desempregados? e o auxílio estudantil, continuarão recebendo mesmo com as aulas presenciais suspensas? e os celulares, comportam todas essas ferramentas de EaD? os pacotes de dados permitem que participem de lives? têm irmãos menores para cuidar? têm pessoas doentes em casa? estão esgotados e com medo? têm pai alcoólatra e violento em casa? tem um bebê pequeno e a mãe acha que agora que não têm aulas é sua função cuidar do bebê? são tantas coisas...

E entre uma conversa e outra, vemos que não é só entre os alunos que podem existir dificuldades: gente, estou em casa com um adolescente e duas crianças, não é fácil preparar aulas e material desse jeito; nossa, estou com duas crianças em casa e estou ficando louca; eu só tenho uma filha, mas é pequena, não entende que preciso trabalhar; nossa, dispensei a diarista, tenho que cuidar da casa, do almoço, e dar conta dessas crianças que já estão inquietas porque não podem sair de casa; tenho que cuidar da minha casa e dos meus pais; estou cuidando da minha mãe e com a cabeça estourando com essas notícias desastrosas, não consigo me concentrar e tenho que gerenciar essas salas de aula virtuais, com alunos reclamando que estão com dificuldades e alunos justificando que alguns colegas não conseguirão acessar o material porque não têm acesso à internet...

Sim, estamos todos vivendo tempos difíceis. Estamos no meio de uma pandemia, estamos em isolamento, veremos as prateleiras do supermercado se esvaziarem, veremos muitas mortes, ficaremos sem ver pessoas queridas. Não estamos vivendo um período de normalidade - no caso do Brasil, eu diria que faz tempo que não estamos vivendo tempos normais, mas que foram sendo normalizados, infelizmente. Não dá para continuar como se tudo estivesse normal. Não dá para trabalharmos para normalizar essa situação de exceção. 

Eu confesso que as tecnologias não são exatamente meu assunto preferido. Eu não gosto de EaD, como aluna, fiz uma pós por EaD. Eu sou uma pessoa disciplinada, estudar sozinha não foi um problema, mas eu senti muita falta da interação, das discussões, da possibilidade de fazer uma pergunta durante a "aula". Enfim, parecia sempre que estava faltando alguma coisa. Como professora, eu uso o mínimo de tecnologia no meu cotidiano: uso e-mail para me comunicar com alunos, uso o sistema para notas e demais tipos de burocracias necessárias, uso o celular para músicas e pesquisas em sala. O básico mesmo. Não consigo me imaginar dando aulas por videoaulas ou por lives, sem poder ver os alunos. Mas não são apenas meus gostos pessoais por EaD que me colocam na defensiva quando vejo a exaltação dessa modalidade de ensino. Meus problemas são também de ordem pedagógica-metodológica e socioemocional.

Ouço e leio muitas coisas que mostram que há uma grande confusão entre as ferramentas que podem nos auxiliar no processo de ensino-aprendizagem e a metodologia, propriamente dita. Já ouvi muita gente defendendo inovação na educação, falando mal de uma tal metodologia tradicional, e apostando todas as sua fichas na tecnologia. Mas vamos por partes. O que seria uma videoaula ou uma live? Para mim seria um ótimo exemplo de uma metodologia tradicional de ensino, centrada no professor, que figura como fonte do conhecimento, que é despejado no aluno, receptor e folha em branco, que permanece totalmente passivo nesse processo. O fato de dispormos de tecnologia que permita gravar essa aula-palestra e enviá-la para muitas pessoas via internet, não muda em nada a metodologia e a concepção de ensino-aprendizagem que está por trás dessa ação. Eu sei que na live há a possibilidade de interação, mas ela também é comprometida e limitada. E alguém pode dizer: Francine, mas estamos em tempos de exceção. Eu respondo, sim, mas estamos nos esforçando por normalizar esse tempo de exceção e futuramente esse momento poderá ser defendido como o novo normal. Passada a crise, quem garante que não vamos embarcar na defesa pura e simples da EaD para todos os níveis da educação? Durante campanha eleitoral, o então candidato Jair Bolsonaro, defendia em seu programa EaD desde o Ensino Fundamental. O tempo de agora é de exceção, e temos que tomar cuidado para não torná-lo o novo normal. 

Do ponto de vista socioemocional, o tempo de exceção que vivemos, de reclusão, isolamento ou afastamento social - todas essas expressões soam incômodas porque justamente nos falam dessa condição que não nos é nada natural - trará graves consequências emocionais e psicológicas e poderá agravar quadros que já agora são complicados. Isso somado às condições econômicas e sociais que também irão se deteriorar, e muito mais rapidamente entre aqueles que já são normalmente mais fragilizados e penalizados pela desigualdade brutal que assola esse país, nos apontam para um cenário complexo. Se não tivermos um olhar empático, solidário e humano para com nossos alunos e seus familiares, todas as nossas boas intenções poderão se tornar fardos ainda mais pesados para serem carregados por eles. Acho muito precipitado afirmações como: não podemos perder o semestre; não devemos alterar o calendário e outras na mesma direção. Nos próximos meses (abril, maio e junho) deveremos enfrentar o cenário que ora se faz presente na Itália. Não temos como prever quando retornaremos à normalidade nem se haverá essa normalidade. 

Teremos uma sociedade devastada por mortes e privações das mais variadas e uma economia estagnada. O Brasil ainda tem um cenário político desafiador, com um governo incapaz de se ater a realidade, que delira, que vive de fantasias, que cria inimigos e crises para além das que já estão nos afetando. Sinceramente, não sei como ter cabeça para iniciar agora, nesse contexto, uma formação para TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) ou para EaD. 

Do conforto da minha casa, do alto do meu privilégio nesse momento da minha vida, eu me pego pensando naqueles que são tratados como "exceção", que não fazem parte da "maioria" que supostamente terá condições físicas, mentais, emocionais para seguir seus cursos e disciplinas. Aqueles que "depois a gente vê o que faz" ou que "no retorno a gente faz um reforço". Eu estive durante a maior parte da minha vida do outro lado, sendo a "exceção". Durante minha graduação e mestrado fui sempre exceção - vinha de família pobre e de baixa escolaridade, de escola pública, tinha começado a trabalhar bem cedo, não tinha tido acesso a bens culturais como cinema, teatro, museu, era uma mulher num curso predominantemente de homens. E sim, tive que dar meu jeito, que me esforçar, que correr atrás. E não é agora como professora que eu fiquei "folgada" ou "braço-curto" como alguns colegas parecem sugerir ao ignorar todas as dificuldades que os alunos e mesmo alguns colegas irão ter que enfrentar para garantir uma "certa normalidade". A questão é: até quando vamos seguir "normalizando" as situações de exceção? É justo jogar o ônus do "se vira, dá seu jeito" nas costas dos alunos? Sinto que isso passa por um concepção de "meritocracia à brasileira". Valorizamos os esforços do vencedor sem problematizar a ideia de vencedores. Romantizamos os sacrifícios em nome da recompensa. 

Enfim, sei que já me estendi demais, talvez poucos cheguem até o fim desse texto. Eu sigo com minhas angustias e inquietações, sem perder de vista as "exceções". Afinal, nesse momento não se trata de um critério de eleição no qual "a maioria" vence. Se um está ficando para trás, estamos falhando, e é simples assim.

sexta-feira, 20 de março de 2020

Terapia na madrugada chuvosa e silenciosa

como lidar com essa dor na alma? - seja lá o que for a alma...
como suportar essa leveza opressora de existir?
como se livrar da culpa original que botaram nas minhas costas antes mesmo de eu nascer?
como não sucumbir?
Tem dias que tudo que desejo era não ser!
Não, não estou falando de deixar de ser, de interromper a existência,
mas de nunca ter vindo a ser,
de não ter experimentado essa angústia constituinte do ser.
Terei que me haver com ela até o fim?
ai de mim, que não pude me escolher
mas desde que tenho consciência de mim, sou obrigada a tantas escolhas.
nessas horas solitárias pela madrugada infinita,
enquanto a chuva cai e meu sono se perde,
sinto uma vez mais essa dor que aperta o peito e da qual pareço não ter forças para fugir.
Chove lá fora, aqui dentro o silêncio me ensurdece.
E sinto o peso da alma em sua imaterialidade fantasmagórica.
De repente, me dou conta de que estou tentando fugir, de mim, da dor, da angústia,
me escondendo por entre as letras, as palavras,
driblando a culpa, tentando me justificar, será má-fé? tenho esse direito?
qual minha responsabilidade?
já é tarde, já se passaram mais de 15 anos. (é tarde?)
eu não podia ter ficado. Foi esse o crime que cometi? escolher meu caminho, seguir em frente?
esse peso na alma, essa vontade de não ser, são meus ou são dela?
de repente somos uma só, ela e eu,
de quem é a dor?
é dela que sei, e é minha porque eu sinto.
E temos uma pendência a ser resolvida,
essa dor na alma que é dela, e é minha e é de todos,
precisamos nos haver com ela.

20/03. 01:24. Campinas, SP

quinta-feira, 19 de março de 2020

O que será que nos espera logo ali na frente?

O que será que nos espera logo ali na frente?
Agora, nesse instante passageiro, somos incerteza,
medo e um pouco de solidão?

O que será que nos espera logo ali na frente?
Haverá futuro para nós?
Para todos?

Agora, nesse instante breve e frágil, somos incerteza,
medo e um pouco de solidão. Ou seria silêncio apenas?
Alguns de nós, privilegiados, estamos em nossas casas,
reclusos, assustados, é verdade, mas protegidos.
Mas e os outros? Os tantos outros que não podem parar?
Haverá futuro para eles?
Para todos eles?

Havia futuro para eles antes disso tudo começar?
E se o problema não for a pandemia, o coronavírus?
E se o problema for a desigualdade brutal com a qual nos acostumamos diariamente?
E se o problema formos nós?
Nosso egoísmo, nossa indiferença, nossos ressentimentos, nossa arrogância, 


O que será que nos espera logo ali na frente?
As redes que já nos distanciaram
serão capazes de nos fazer comunidade e trazer união?
As redes pelas quais tantas mentiras e ódio foram disseminadas
poderão agora nos informar e trazer conforto, um pouco de afeto?

O que será que nos espera logo ali na frente?
Estou em casa, faz-se silêncio,
mas ao mesmo tempo tem tanto ruído, tanta linha cruzada,
pessoas falando sozinhas numa imensidão virtual.

Meu coração palpita, as mãos transpiram,
os olhos turvam.
Tenho medo! Ou será que é o medo que me tem?
Vontade de desligar tudo,
de sair caminhando, de encontrar pessoas,
de dançar, não sei!
Está tudo confuso...

O que será que nos espera logo ali na frente?
As mortes já se fazem anunciar.
As projeções, os gráficos, os números,
tudo tão desolador!
Enquanto isso nossas otoridades usam máscaras
e brincam de war num tabuleiro nada virtual.
Entre mentiras, inconsequências e bravatas, 
haverá futuro para nós?


Agora, entre o passado e futuro, nesse intervalo
virtual e potente,
nossa única certeza é que somos. E ser agora
tem uma leveza insustentável.

O que será que nos espera logo ali na frente?

domingo, 15 de março de 2020

Sobrevivendo ao coronavírus e a outras epidemias

Imagem de: Dispositivo menor que um lápis identifica vírus em minutos
Disponível na internet
Diante da situação de alerta e incerteza mundial, temos que nos perguntar o que o governo brasileiro está fazendo para conter a contaminação por covid-19 no país e para enfrentar a crise que bate a nossa porta. Nesse exato momento, enquanto escrevo, algumas centenas de brasileiros estão nas ruas em algumas cidades, numa manifestação despropositada que ataca o Congresso e o STF e mostra seu apoio irrestrito a Jair Bolsonaro. No meio de uma pandemia, quando as orientações de especialistas e autoridades são para evitar aglomerações, deputados e líderes religiosos chamam as pessoas para as ruas. E o que faz o presidente da República? Compartilha vídeos da manifestação e comemora em suas redes sociais a irresponsabilidade de seus apoiadores, tornando-se o irresponsável-mor da nação.

Certamente não dava para esperar nada de diferente. Bolsonaro e Cia já deram provas suficientes de irracionalidade e obscurantismo: são anticiência, terraplanistas, negacionistas do aquecimento global, antivacinas, mal-educados e escatológicos e adoram teoria da conspiração - e tudo isso está muito bem exemplificado no guru que eles idolatram: Olavo de Carvalho. Olavo é a personificação de todas essas ideias estapafúrdias que agora tendem a se tornar o novo senso comum da extrema-direita brasileira. E todos eles aprenderam muito bem com o professor Olavo, como fazem questão de repetir os irmãos Weintraub: são grosseiros, agressivos, mentirosos, e acusam os outros daquilo que eles fazem o tempo todo. 

Mas está muito enganado quem pensa poder separar nesse governo uma ala menos delirante ou até mesmo "técnica", como alguns setores da imprensa insistiam em fazer até algumas semanas atrás. O ministro da Economia, Paulo Guedes, em nada difere da ala ideológica-delirante do bolsonarismo. Paulo Guedes tem o mesmo DNA beligerante, tosco e de poucas luzes. Guedes, assim como aqueles jovens salvadores-da-pátria da Lava-Jato, tem convicções e nada mais. Convicções mofadas e empoeiradas que ele traz lá dos anos 1970, compartilhada à época por ditadores e setores autoritários da sociedade. Guedes nunca se interessou pelo bem público, acostumado a ganhar dinheiro em suas operações de mercado, viu na possibilidade de virar ministro - superministro da economia diga-se de passagem-, a oportunidade de maximizar os lucros de investidores como ele - homem de investimentos diversificados, que vão da educação ao setor de aluguel de carros, passando por bancos, claro. Serviços públicos, como saúde, educação, transporte, para Guedes aparecem como oportunidade de mercado - por isso o mantra da privatização! Vamos privatizar tudo!

Sérgio Moro, o outro superministro, é uma ameaça à democracia. Nas oportunidades que tem, mostra seu pendão para o autoritarismo, com aquela elegância no uso do idioma que só perde mesmo para o ministro da educação. Por que a grande mídia ainda protege Sergio Moro? Difícil responder. Mas a verdade é que Moro é ainda mais a cara dessa gente que hoje está na rua, de verde e amarelo, pedindo AI-5, fechamento do Congresso e do STF e intervenção militar. Não podemos esquecer que as primeiras manifestações verde-amarelas eram lava-jatistas - e que não nos enganemos, continuam sendo ainda hoje. Exemplo disso é a hashtag #DesculpaJairMasEuVou que bombou no Twitter logo depois do pronunciamento de Bolsonaro, desconvocando as pessoas para a manifestação que ele nega ter convocado antes. Agora, ao compartilhar as imagens e vídeos de hoje, Bolsonaro mais uma vez busca surfar numa onda que é maior do que ele, sempre foi. Esse sentimento anticorrupção/anti-política/anti-congresso tem o DNA dos filhos da República de Curitiba (impossível não ver essa República de Curitiba como um embrião de uma República de Gilead). 

Se o coronavírus nesse momento é uma ameaça real que exige ações urgentes do governo e autoridades públicas, o Brasil vem sofrendo há alguns anos de outra epidemia muito mais perigosa. O vírus que circula entre os camisa-verde-amarelo é difícil de ser caracterizado. Alguns têm chamado de bolsonarismo. Particularmente acredito que o bolsonarismo é apenas um agente de uma família de vírus mais abrangente. Essa família de vírus, cujos principais sintomas são o discurso salvacionista ao estilo dos pastores neopentecostais, o ódio, a mentira, o ressentimento e o revanchismo, tem feito um grande estrago no Brasil nos últimos anos. Essa família de vírus tem corroído nossa confiança nas instituições, tem desacreditado o trabalho da imprensa, dos cientistas, dos professores e intelectuais em geral, tem destruído laços de amizade e familiares, corroendo o tecido social e nos levando ao isolamento em bolhas.

O coronavírus é sério, e as pessoas que hoje estão nas ruas estão se expondo e expondo seus familiares de maneira irresponsável e egoísta porque já estão todas contaminadas pelo outro vírus - aquele que ora responde por bolsonarismo, mas que tem como agente principal o lava-jatismo. Se não encontrarmos estratégias para vencermos a epidemia por ele causada - de ódio e mentira -, continuaremos condenados, e o coronavírus ou qualquer outra coisa poderá nos liquidar rapidamente.

Sobre o que se fala

cotidiano Poesia Dicas opinião opiniões política utilidade pública atualidade atualidades Rapidinhas Campinas educação Conto crônica Minas Gerais São Paulo cinema observações Brasil coisas da vida escola Misto música Delfim Moreira divulgação Barão Geraldo Bolsonaro Literatura democracia eleições Filosofia da vida leitura coisas que fazem bem passeios Comilança clã Bolsonaro redes sociais revoltas amigos coronavírus debate público ensino paixão preconceito; atualidades sobre fake news séries Dark Futebol amor coisas de mineiro coisas do mundo internético criança do eu profundo façamos poesia; final de ano; início de ano; cotidiano; pandemia 8 de março Ciência de irmã pra irmã distopia história infância lembranças mulheres política; tecnologia virada cultural Violência; Educação; utilidade pública autoritarismo comunicação consumo consciente desabafo economia fascismo férias impressa manifestação mau humor mentira mágica pós-verdade quarentena racismo estrutural reforma da previdência ser professor (a) sobre a vida música Poesia 15 de outubro 20 de novembro 2021 Anima Mundi EaD Eliane Brum Fora Bolsonaro Itajubá Moro Oscar Passarinho; Poesia; Vida Posto Ipiranga aborto adolescência amizade amor felino animação; assédio sexual autoverdade balbúrdia baleia azul. bolsonarismo cabeça de planilha consciência negra corrupção coti covid-19 crime curta; crônica; curtas; concurso; festival curtas curtas; crônica; da vida; defesa democracia liberal descobrindo o racismo desinformação direitos discurso divulgação; atualidades divulgação; blogs; poesia documentário família filosofia de jardim fim das sacolinhas plásticas frio férias; viagens; da vida; gata guerra de narrativas hipocrisia humor ideologia jornalismo lei de cotas livros minorias morte mídia música Poesia novidades para rir próxima vida racismo institucional rap saudade sentimentos tirinhas universidade utopia verdade verdade factual viagem violência

Amigos do Mineireces