quinta-feira, 27 de agosto de 2020

É preciso parar de chamar Bolsonaro e seus ministros de incompetentes

 "Nunca tivemos um governo tão inepto no Brasil. Pastas essenciais, como Educação, Saúde, Relações Exteriores, Meio Ambiente e Direitos Humanos foram confiadas a pessoas incompetentes." (Janine, Renato, Diálogos urgentes, Revista Piauí)

Assim começa o artigo do Renato Janine, publicado ontem (26/ago/2020) na Revista Piauí. E para mim começa errado. Não podemos mais, principalmente depois de revelada aquela trágica reunião ministerial de 22 de abril, insistir em chamar de incompetente esse bando. Ali, naqueles diálogos torpes, com linguajar baixo, parecendo conversa de penitenciaria, deveria ter ficado claro para todos que se opõem a esse desgoverno, que não se trata de incompetência. Ricardo Salles, Damares Alves, Weintraub, Ernesto Araújo e agora Eduardo Pazuello, não são incompetentes. Podem ser certamente acusados de mau-caratismo, de ser limitados intelectualmente, em alguns casos, antiéticos, hipócritas, mentirosos, mas não incompetentes. 

                                   Imagens da Reunião de 22 de abril - jornal O Globo
 

Devemos nos lembrar da fala de Bolsonaro nos EUA, quando disse que sua missão era desconstruir muita coisa. Os seus ministros, todos eles, são tarefeiros colocados em seus postos com a clara missão de desconstruir. Podemos entender também esse "desconstruir" como "destruir", "desmantelar", "aniquilar". Salles tem sido extremamente competente em desmantelar os órgãos de proteção ambiental. Damares, competentíssima em destruir e aniquilar projetos e ações em prol dos direitos das mulheres. Quer competência maior do que a de Pazuello em deixar morrer centenas de milhares de brasileiros? Precisamos parar de chamar Bolsonaro e seus ministros de incompetentes e entender de uma vez por todas que o único projeto que Bolsonaro tem é o de destruição do Estado brasileiro

Bolsonaro é despreparado para governar? É verdade, mas também não é. Explico. Se mantivermos o sentido originário das palavras - que tem sido dia após dia atacado pelo ministério da verdade bolsonarista, a Secretaria Especial de Comunicação do Governo - então, sim, Bolsonaro é despreparado para governar. Mas entendendo que Bolsonaro criou, como bem disse Eliane Brum, a antipresidência, e por extensão poderíamos dizer o antigoverno, sua atuação tem sido muito competente nos últimos meses. Seus ataques à imprensa e aos profissionais do jornalismo têm contribuindo consideravelmente para minar a credibilidade que restava desse importante setor. Suas mentiras constantes tem estimulado na população uma incapacidade de distinguir fatos de ficção. Seu linguajar xucro continua sendo usado para aproximá-lo do homem comum, cidadão médio, desacreditado da política e de seus agentes falando difícil e, no fim do dia, todos acusados de corrupção. Bolsonaro é corrupto? É, mas o cidadão comum o vê com um igual, apenas mais um cidadão comum, cansado do sistema e que quando pode, tira sua vantagenzinha, sonega imposto, enfia a mãe, a sogra no imposto de renda, nada de mais, coisa de cidadão de bem...

Mas o artigo de Janine também comete outro erro. Prefere deixar "para outra oportunidade a discussão sobre o que levou uma maioria de eleitores a escolher tal caminho", a saber, votar em Bolsonaro, em nome da prioridade do dia, que seria a questão de "saber que possibilidades há de escapar dessa rota que colocou o Brasil na vanguarda da barbárie". Nesse tema, acredito que Ciro Gomes está certo ao dizer que não dá para sair dessa encalacrada sem entender por que caímos nela. Nesse sentido, a autocrítica dos governos e partidos que estiveram no poder no passado recente torna-se urgente, e não dá para deixar para depois. Essa autocrítica, no meu entendimento, tem muito pouco a ver com autoflagelo em praça pública e muito mais a ver com lavagem de roupa suja em casa. Ou seja, essa autocrítica deve ser feita da porta para dentro dos partidos que se viram embolados nas denúncias de corrupção. Mas só vale para partidos que abertamente condenavam corrupção. Ninguém espera que (P) MDB ou PP, embora sejam os campeões de corruptos e condenados, façam isso.

Que a Lava-Jato extrapolou todos os limites legais e razoáveis  na sua sanha por fama - sim, porque a essas alturas do campeonato também não dá continuar acreditando que Moro, Dallagnol e afins eram caçadores de corruptos - deveria ser consenso. Mas mesmo assim, não é possível fingir que não aconteceu nada. Não é possível seguir querendo que a população aceite a "narrativa" da perseguição pura e simples contra um partido. O erro do petismo em 2013 se repete ainda hoje: chamar o cidadão médio, despolitizado e que até então havia votado no PT, e que em 2018 votou em Bolsonaro, de fascista. Janine, em seu artigo, prefere dividir a responsabilidade do PT com todo o campo democrático*. Janine faria bem em ler o excelente livro da Rosana Pinheiro-Machado, Amanhã será maior, no qual ela analisa os acontecimentos de junho de 2013, e como o partido que então governava o país, não entendendo o que estava acontecendo - ou preferindo não entender, isso é por minha conta - optou por culpar os protestos pelo que se seguiu. Rosana faz um trabalho muito interessante de ouvir e tentar entender os motivos que levaram jovens, homens e mulheres de periferia a votar em Bolsonaro. Entender as falhas e brechas que o modelo de gestão petista deixou, dando espaço para que um sujeito como Bolsonaro pudesse se despontar como alternativa ou como um antissistema, não significa ignorar ou jogar fora os méritos dessa mesma gestão. Mas se não tivermos maturidade para enfrentar fatos como o de Lula dizendo que nunca banqueiros ganharam tanto dinheiro como em seu governo, talvez não haja saída para nós. 

Concordo com Janine, e também com Rosana Pinheiro-Machado, quando alertam para a importância do campo progressista, as Esquerdas, perderem o medo de falar sobre corrupção. De que essa seja uma pauta cara à esse campo político. Não dá mais para deixar a direita agir como se tivesse monopólio sobre essa pauta. Outro tema que precisa deixar de ser tabu no campo progressista é a Segurança Pública. Bolsonaro foi eleito se ancorando também nessa queixa da população, e o que está fazendo? É preciso ser hábil em mostrar para a população que as soluções de Bolsonaro não resolvem o problema. Que liberar venda de armas e munição não é solução para a questão da Segurança Pública. 

Também concordo com a urgência do diálogo, de uma frente ampla, que vá além dos limites da centro-esquerda, que seja uma frente democrática, contra o autoritarismo e a barbárie que Bolsonaro hoje encarna. Não sei se por mero desejo e necessidade de esperança, mas tendo a concordar com Janine que o núcleo duro de apoiadores de Bolsonaro está em torno de 15% da população e que, portanto, é o caso encontrarmos os outros 15%, que não são fiéis devotos do antipresidente, para o diálogo. Mas esse diálogo precisa, urgentemente, ser pautado por propostas concretas para as demandas reais da população. E é preciso ouvir a população. E se ouvirmos reclamações legítimas, se ouvirmos críticas que nos desagradem, precisamos aprender a aceitar e acolher, reclamações e críticas, e não empurrar quem fala para outro campo. 

Bolsonaro forjou sua eleição se apresentando como uma resposta para uma crise do sistema político brasileiro. Mais do que nunca, precisamos fazer política. Mas não a rasteira, dos ataques, das acusações, que puxa o tapete de quem está no mesmo campo. Precisamos de uma Política com P maiúsculo. Com projetos, com propostas factíveis, que saiba ouvir os anseios da população mais do que imaginar que sabe o que a população deseja. Os partidos são fundamentais numa democracia representativa, mas não podem ser fins em si mesmos; não podem colocar seus interesses acima dos interesses do povo, ou caducam. Lá em 2013, no início, as manifestações apartidárias, que foram erradamente apontadas como antipartidárias ou mesmo como apolíticas, manifestavam uma insatisfação com os partidos políticos que precisa ser ouvida. Desde a redemocratização do Brasil, muitos partidos se encastelaram, perderam qualquer conexão com as ruas - mesmo partidos que historicamente estiveram ancorados nas ruas - e passaram a servir  aos seus próprios interesses. É hora de sair dos gabinetes, das respostas prontas, do que se imagina que a sociedade quer e estar entre as pessoas, no dia a dia, a fim de representá-las de fato. 

A formação política do cidadão médio precisa ser levada a sério. A construção de uma nova ordem política, no meu entender, passa por uma valorização do poder legislativo, de uma compreensão mais ampla de sua função. Os partidos do campo progressista precisam entender que não adianta focar em eleger quadros no executivo - seja municipal, estadual ou federal - deixando o legislativo a deriva. A reforma política no Brasil é assunto para antes de ontem. Precisamos oferecer opções para a população, para que novamente se possa acreditar na política e em seus agentes como capazes de transformar a realidade. 

 

*"O campo democrático tende a achar que todos os seguidores de Bolsonaro são fascistas ou idiotas."

domingo, 16 de agosto de 2020

Torto Arado é aqui e agora no Quilombo Campo Grande

“Se eu for para a cidade eu morro logo, a minha natureza é trabalhar na terra. Quem é nascido e criado na roça não serve para a cidade não”. 

A afirmação acima poderia bem estar na boca de algum dos personagens de Torto Arado, mas é de um dos moradores do Quilombo Campo Grande, na cidade de Campo do Meio em Minas Gerais. Nos últimos dias, mais de 450 famílias vem sofrendo com a ação violenta da PM de MG, do governador do Novo, Romeu Zema, a fim de cumprir ação de reintegração de posse da área da antiga Usina Ariadnópolis, que faliu em 1996 sem pagar os direitos trabalhistas de seus funcionários. Segundo reportagem do Repórter Brasil, de novembro de 2018, há ainda uma dívida de quase R$ 400 milhões com a União, referentes a contribuições previdenciárias, FGTS e impostos federais, que foi negociada e parcelada por meio do Refis, programa do governo que facilita o refinanciamento de dívidas.

O empresário Jovane de Souza Moreira é quem pede o despejo das famílias. Segundo o advogado do empresário, o Jovane é um sujeito religioso, frequentador da Igreja Congregação Cristã no Brasil, que dá uma cesta-básica para algumas pessoas e faz trabalho voluntário em Alfenas. Já o filho, Jovane de Souza Moreira Junior, menos discreto que o pai, é apoiador de Bolsonaro e foi coordenador de campanha de Marcelo Álvaro Antonio - aquele do laranjal do PSL mineiro, atual ministro do turismo, defensor da regularização de cassinos no Brasil, conforme revelado na reunião ministerial de 22 de abril. E, segundo a página do Facebook de Jovane de Souza Moreira Junior,  ele é hoje pré-candidato a prefeito de Alfenas, pelo Avante

Segundo a matéria do Repórter Brasil, "o  principal argumento da família de Jovane para o pedido de urgência de despejo das famílias da área é um contrato firmado há dois anos com a empresa Jodil Agropecuária e Participações Ltda., cujo proprietário é João Faria da Silva, que já foi chamado de “maior produtor e exportador individual de café do país” por publicações especializadas. Entre os principais compradores dos produtos do empresário estão a Nestlé e a holandesa Jacobs Douwe Egberts (JDE), dona das marcas Pilão, Café do Ponto, Cacique, Café Pelé e Damasco. A JDE afirma que “não está comprando” café da marca Terra Forte, de João Faria." 

Boicote às marcas que compram grãos do João Faria da Silva - Terra Forte - iria bem, em tempos de ativismo digital. Afinal, "maior produtor e exportador individual de café do país" está patrocinando a ação de despejo das mais de 450 famílias. Por outro lado, também iria bem, em tempos de ativismo digital, a divulgação da produção das famílias do Quilombo Campo Grande. Uma delas é o Café Guaií, produção orgânica e agroecológica. Segundo informações do site de divulgação do café: "a produção orgânica de café em nossas áreas já é uma realidade, graças as parcerias com a Professora Leda do Instituto Federal do Sul de Minas e a Christian Aid, muitas famílias vem aprendendo na condução das lavouras orgânicas e, para romper com o uso de adubos de síntese química e produzir agroecologicamente hoje, a cooperativa organiza a compra de micronutrientes para o preparo de caldas naturais, e a compra de adubos orgânicos como torta de leguminosa, farinha de osso, composto orgânico, fosfato natural, potássio natural e esterco de gado para aplicação nas lavouras e produção de adubos vivos como o Bokashi e, além de viabilizar o retorno da palha do café da agroindústria para a lavoura."
 
Além da ação truculenta da PM-MG -  jogaram bomba de gás, atearam fogo no mato seco ao redor,  usaram helicóptero para jogar para cima das pessoas, levantar poeira, voando baixo para assustar, segundo relato de assessora de comunicação do movimento à Agência Brasil -, a reintegração se dá durante uma pandemia. Conforme também noticiou a Agência Brasil, "a Defensoria Pública de Minas Gerais avalia que a execução da ordem de reintegração de posse durante a pandemia colocou em risco os moradores do acampamento. “Fizemos todos os esforços para tentar suspender essa operação. Não é possível considerar, do ponto de vista até constitucional, com o princípio da dignidade humana, que, em um tempo dessa natureza, com mais de 100 mil mortos pela covid-19, uma crise sanitária de alta gravidade, seja realmente sensato fazer uma operação policial dessa natureza”, disse a defensora pública Ana Cláudia Alexandre Storch, da Defensoria Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais. Segundo ela, é “inconcebível” imaginar que tenha havido urgência que justificasse a ação."  
Imagem de Gean Gomes-MST - no site do MST

O caso do Quilombo Campo Grande é só mais um exemplo da realidade retratada por Itamar Vieira Junior em Torto Arado. Seja no sertão da Bahia ou no Sul de Minas Gerais, a questão da terra permanece uma chaga aberta no Brasil. Enquanto o valor social da terra não for maior do que os interesses econômicos, enquanto a indecente exploração de centenas e milhares de trabalhadores rurais for tolerada em nome do lucro de meia dúzia de famílias, esse país está condenado e seguir sendo esse retrato da desigualdade, da violência e da desesperança. Se a dívida de 400 milhões com a União não é motivo para desapropriar essas terras e entregá-las àqueles que hoje as tornam produtivas, tiram delas seu sustento e, portanto, delas vivem, me pergunto o que seria.

Todo apoio às famílias do Quilombo Campo Grande. Enquanto a injustiça nesse país não for vencida, Severos e Zezés precisam continuar fazendo as perguntas incômodas:

 "Por que não éramos também donos daquela terra, se lá havíamos nascido e trabalhado desde sempre. Por que a família Souza Moreira, que não morava na fazenda, era dita dona. Por que não fazíamos daquela terra nossa, já que dela vivíamos, plantávamos as sementes, colhíamos o pão. Se dai retirávamos nosso sustento." (Junior, Itamar Vieira, Torto Arado, com adaptação minha).

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Bolsonaro me bloqueou

Eu sei que olhar para cara desse senhor não é nada agradável, ainda mais quando a gente lembra que ele ocupa a cadeira da presidência. Na verdade, não ocupa, pois no meio da pandemia, ele prefere ficar dando rolê de moto por Brasília, coisa de moleque arruaceiro que não tem o que fazer, a assumir seu papel. Parece que ele acha que não tem muito o que fazer no Planalto. Isso explica também suas viagens pelo Brasil, fazendo a única coisa que ele sabe fazer: campanha - ou seria só aglomeração mesmo?

Se já não fosse insano o suficiente o presidente da república usar seu perfil pessoal para, supostamente, divulgar ações do governo, a grande verdade é que o perfil de Bolsonaro no Twitter é pura fake news. Ele vive compartilhando vídeos de jornalistas mequetrefes dispostos a falar qualquer porcaria para defender o indefensável, como Augusto Nunes, Alexandre Garcia e outros de menor projeção. Além disso, fica compartilhando postagem da Secon, a secretaria de mentiras oficiais, como aquele indigno painel da vida. Vira e mexe ele também divulga umas fotos da PF (Polícia da Famiglia?) para dizer que continua preocupado em prender bandido...(os outros bandidos, claro!, não seus amigos milicianos, nem seus laranjas de estimação, muito menos seus filhotes aprendizes de corruptos). 

Aí a cidadã vai lá nas postagens do presidente lembrá-lo que ele não passa de um miliciano, corrupto, cínico e cretino; ou então desmentir aquela lorota de que o STF tirou os poderes do presidente e que as mais de 100 mil mortes e o caos do Brasil é culpa dos governadores e prefeitos; ou pedir que ele fale do que interessa: os cheques do Queiroz e sua mulher, Marcia, para a dona Michele Bolsonaro, e o que faz o presidente? Bloqueia a cidadã. 

Isso lá é atitude de um presidente da república? Parece menino mimado quando contrariado: a bola é minha, então, se não for pra jogar do meu jeito, ninguém joga. Será que foi coisa do Carluxo? Ficou nervosinho porque leu umas verdades sobre o papai? Ele não superou ainda a fase "meu pai é meu herói?" Os meninos do Bolsonaro devia nascer cantando Fábio Jr: "pai, você foi meu herói, meu bandido"...

Mas vamos falar de coisa séria: o bloqueio. Na verdade, Bolsonaro me bloqueou desde quando saiu vitorioso na última eleição. Passei dias e dias com um gosto amargo na boca, com uma sensação de luto. Foi a primeira vez que chorei por causa de um resultado de eleição. Passei meses levando um susto quando abria o jornal e lia "presidente Jair Bolsonaro". Que pesadelo era aquele? Perdi a esperança. Sentia raiva de pessoas conhecidas que, certamente, tinham digitado 17 na urna. O pior bloqueio que Bolsonaro me causou foi o de não conseguir entrar no elevador com mais pessoas, sem ficar me perguntando em quem eles teriam votado. Em estar no trânsito, e sempre que algum idiota fazia merda, ser tomada por uma onda de raiva e pensar: "só pode ser bolsonarista". 

Sim, Bolsonaro me bloqueou, mas foi muito mais do que no Twitter. Ontem, na verdade, quando descobri o bloqueio, me senti muito feliz. Foi um troféu. Eu consegui irritar o presidente! Ou seja lá quem for que cuida daquele perfil. Eu fui dormir querendo acreditar que, nem que tenha sido por um minuto, aquele senhor sentiu raiva de mim. Por que eu sinto raiva dele todo dia, todo momento que lembro da sua infeliz existência. Bolsonaro me bloqueou: quando olho para ele, não consigo enxergar uma pessoa. Vejo um robô, um zumbi, uma fake news ambulante, um pesadelo interminável. Estou bloqueada na minha capacidade de ter qualquer empatia com ele ou seus defensores.  

Desde de 2018, tenho tentando, alguns dias com mais sucesso, outros com menos, me livrar desse bloqueio. Tenho tentando, mas não tem sido fácil, enxergar humanidade em quem defende torturador, em quem vota em defensor de torturador, em quem, como um vírus, espalha ódio e estimula violência. Enxergar humanidade em quem insiste em agir como zumbi. O Twitter é o de menos. Ou talvez tenha sido um grande favor: não passarei mais raiva quando correr a tela do celular no Twitter. Quem sabe este bloqueio não me ajude a desbloquear o que realmente importa.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

A dificuldade de encontrar a justa medida em tempos de pandemia

Hoje cometi uma imprudência. Ou melhor me deixei levar pela hybris. Não vou fugir da minha responsabilidade, mas em minha defesa digo que ficar trancada dentro de casa a sei lá quantos dias, trabalhando na frente do computador o dia todo, com uma reforma no apartamento vizinho, com direito a marteladas e furadeira sem fim, e ainda ter que ler as asneiras, mentiras e desfaçatez desse governo é coisa para tirar qualquer um do prumo. 


Social, As Redes Sociais, Serviço De Rede Social 

imagem disponível em pixaby.com

Mas vamos ao meu pecado: resolvi escrever algumas verdades como resposta aos tweetes do excelentíssimo senhor presidente da república. Sim, confesso que da próxima vez irei me controlar. Mas não parei por aí. Resolvi responder a uma cidadã que, de maneira muito irônica - dava pra sentir o tom de voz, ou será que já estou pirando? - me chamava de "professora". Acho que porque a distinta senhora tem o nome da minha mãe. Deve ser por isso. Não fui mal educada. Tentei ter paciência. Tentei dialogar. Pra quê? 

É uma batalha perdida. Pessoas como ela se julgam acima do bem e do mal. Se julgam superiores à Ciência - que a cidadã insiste em escrever "siênçia". Fazem contorcionismo para distorcer tudo que o oponente diz ou escreve. Testam sua paciência até o limite do indescritível! Mas as coisas podem sempre piorar. 

Sim, de repente, em questão de poucas horas. Meu Twitter foi invadido por hordas de robôs ou zumbis - já nem sei quando se trata de gente mesmo ou máquinas programadas para repetir as mesmas sandices do governo, a verdade é que parece a mesma coisa. Várias notificações de criaturas do além curtindo as respostas da minha interlocutora - estou sendo generosa. Que arrependimento. 

Lição aprendida! Nos próximos dias, não irei abrir o Twitter logo de manhã. Lembrarei da necessidade de buscar a justa medida aristotélica: refletir sobre com quem, quando, por qual motivo, por quanto tempo, antes de digitar qualquer desaforo, por mais justo que ele possa ser, em termos absolutos...

domingo, 9 de agosto de 2020

Dica de Leitura: Torto Arado

"Um dia, meu irmão Zezé perguntou a o nosso pai o que era viver de morada. Por que não éramos também donos daquela terra, se lá havíamos nascido e trabalhado desde sempre. Por que a família Peixoto, que não morava na fazenda, era dita dona. Por que não fazíamos daquela terra nossa, já que dela vivíamos, plantávamos as sementes, colhíamos o pão. Se dai retirávamos nosso sustento." (Junior, Itamar Vieira, Torto Arado, p.185).

A resposta do pai aos questionamentos do filho Zezé não poderia ser mais dura nem mais fiel à realidade de tantas famílias de despossuídos nesse país gigante pela própria natureza, onde abunda-se riqueza, mas apenas alguns poucos, desde tempos já esquecidos, podem dela usufruir, eternamente deitados em berço esplêndido: "Pedir morada é quando você não sabe para onde ir, porque não tem trabalho de onde vem. Não tem de onde tirar o sustento." "Trabalhe mais e pense menos. Seu olho não deve crescer para o que não é seu".

Somos introduzidos às histórias de Torto Arado por uma cena cortante na sua simbologia: duas irmãs, crianças, movidas pela curiosidade infantil e instigadas pela interdição de mexer nos pertences da avó, se veem, de repente, marcadas pelo sangue que brota de suas bocas, dilaceradas por uma faca. A travessura de criança acaba por condenar uma das irmãs ao silêncio.

Zeca Chapéu Grande, pai de Bibiana e Belonísia, filho da velha Donana, é curador e líder dos trabalhadores que vivem na fazenda Água Negra. Homem respeitado por todos; sua casa é sede das brincadeiras do Jarê, mas é também uma espécie de hospital para os males do corpo e da alma. Zeca e Salu, sua esposa, recebem e cuidam dos que chegam em busca de cura. O conhecimento das ervas e a intervenção junto aos encantados vêm de longa data, quando Zeca ainda era jovem e herdou a missão que sua mãe rejeitou. 

Embora muitas vezes Zeca Chapéu Grande possa nos parecer acomodado com a situação a que está sujeitado, ao trabalho sem salário, à morada precária, à apropriação por parte do fazendeiro daquilo que sua família produzia para o sustento próprio, pequenas ações, como sua vitória em conseguir que o prefeito construísse uma escola para as crianças de Água Negra e seu desejo de que seus filhos e as demais crianças tivessem uma educação, nos fazem ter esperança numa mudança daquela realidade.

Severo e sua prima Bibiana encarnam as mudanças que, tardiamente, chegam até os moradores de Água Negra. Aos poucos, a consciência da injustiça e da exploração a que estavam submetidos irá ganhar espaço entre as novas gerações, desafiando o sentimento de gratidão que mantinha os mais velhos presos à condição de escravizados mesmo décadas após a abolição. A revolta de Severo e sua formação política são bem construídas e nos falam da importância da ação coletiva, do papel de sindicatos e associações, da valorização e resgate da memória e da história como potência de transformação. Bibiana se torna professora, dá sequência ao sonho de Zeca de levar educação às crianças de Água Negra. 

Itamar nos apresenta personagens complexos e explora as contradições que nos constituem como humanos. Sem romantizar o povo negro, nos fala de violência de gênero e da condição das mulheres no trabalho e na casa. As personagens têm seus segredos e, por isso mesmo, não são planas. A profundidade do romance está em sua simplicidade e honestidade ao tirar do silêncio personagens que tiveram suas línguas, suas famílias, sua  história, por tanto tempo, decepadas.

Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior, é uma leitura  daquelas que nos conecta com o Brasil, com os Brasis, principalmente aqueles dos cenários rurais, dos interiores, das gentes simples, sofridas, das gentes que ao longo dos séculos de história desse país permaneceram sem voz e sem vez. Torto Arado é potente na sua denúncia da permanência da escravidão e da exploração do povo negro, mas é também poético ao nos apresentar a riqueza do imaginário místico religioso dos encantados e encantadas do Jarê. É rico na descrição das paisagens do sertão baiano, seus animais, sua vegetação, mas também na descrição das marcas da vida no corpo dos trabalhadores e trabalhadoras que cultivam uma terra cujos possuidores insistem em deixar claro jamais poderá lhes pertencer. A história de Bibiana, Belonísia, Zeca Chapéu Grande, Severo, é a história de uma parte do Brasil que precisa ser contada, precisa ser conhecida, para que possamos, quem sabe, virar a página do racismo e da desigualdade na qual, em 2020, ainda nos encontramos.

*****

Agradeço a querida Fabiana Tonin que me presenteou com este livro! Na vida, há encontros que também são presentes. Considero o nosso, no ambiente do trabalho, um desses presentes. Como colegas de trabalho partilhamos projetos, angústias e alegrias na construção diária de uma educação pública de qualidade. E para além do trabalho, temos compartilhado muita conversa boa a partir da literatura. Em tempos de distanciamento, de pandemia e de pandemônio, sempre que possível faça-se presente através de um bom livro para aqueles que você ama! Dê livros de presente!

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