quinta-feira, 27 de agosto de 2020

É preciso parar de chamar Bolsonaro e seus ministros de incompetentes

 "Nunca tivemos um governo tão inepto no Brasil. Pastas essenciais, como Educação, Saúde, Relações Exteriores, Meio Ambiente e Direitos Humanos foram confiadas a pessoas incompetentes." (Janine, Renato, Diálogos urgentes, Revista Piauí)

Assim começa o artigo do Renato Janine, publicado ontem (26/ago/2020) na Revista Piauí. E para mim começa errado. Não podemos mais, principalmente depois de revelada aquela trágica reunião ministerial de 22 de abril, insistir em chamar de incompetente esse bando. Ali, naqueles diálogos torpes, com linguajar baixo, parecendo conversa de penitenciaria, deveria ter ficado claro para todos que se opõem a esse desgoverno, que não se trata de incompetência. Ricardo Salles, Damares Alves, Weintraub, Ernesto Araújo e agora Eduardo Pazuello, não são incompetentes. Podem ser certamente acusados de mau-caratismo, de ser limitados intelectualmente, em alguns casos, antiéticos, hipócritas, mentirosos, mas não incompetentes. 

                                   Imagens da Reunião de 22 de abril - jornal O Globo
 

Devemos nos lembrar da fala de Bolsonaro nos EUA, quando disse que sua missão era desconstruir muita coisa. Os seus ministros, todos eles, são tarefeiros colocados em seus postos com a clara missão de desconstruir. Podemos entender também esse "desconstruir" como "destruir", "desmantelar", "aniquilar". Salles tem sido extremamente competente em desmantelar os órgãos de proteção ambiental. Damares, competentíssima em destruir e aniquilar projetos e ações em prol dos direitos das mulheres. Quer competência maior do que a de Pazuello em deixar morrer centenas de milhares de brasileiros? Precisamos parar de chamar Bolsonaro e seus ministros de incompetentes e entender de uma vez por todas que o único projeto que Bolsonaro tem é o de destruição do Estado brasileiro

Bolsonaro é despreparado para governar? É verdade, mas também não é. Explico. Se mantivermos o sentido originário das palavras - que tem sido dia após dia atacado pelo ministério da verdade bolsonarista, a Secretaria Especial de Comunicação do Governo - então, sim, Bolsonaro é despreparado para governar. Mas entendendo que Bolsonaro criou, como bem disse Eliane Brum, a antipresidência, e por extensão poderíamos dizer o antigoverno, sua atuação tem sido muito competente nos últimos meses. Seus ataques à imprensa e aos profissionais do jornalismo têm contribuindo consideravelmente para minar a credibilidade que restava desse importante setor. Suas mentiras constantes tem estimulado na população uma incapacidade de distinguir fatos de ficção. Seu linguajar xucro continua sendo usado para aproximá-lo do homem comum, cidadão médio, desacreditado da política e de seus agentes falando difícil e, no fim do dia, todos acusados de corrupção. Bolsonaro é corrupto? É, mas o cidadão comum o vê com um igual, apenas mais um cidadão comum, cansado do sistema e que quando pode, tira sua vantagenzinha, sonega imposto, enfia a mãe, a sogra no imposto de renda, nada de mais, coisa de cidadão de bem...

Mas o artigo de Janine também comete outro erro. Prefere deixar "para outra oportunidade a discussão sobre o que levou uma maioria de eleitores a escolher tal caminho", a saber, votar em Bolsonaro, em nome da prioridade do dia, que seria a questão de "saber que possibilidades há de escapar dessa rota que colocou o Brasil na vanguarda da barbárie". Nesse tema, acredito que Ciro Gomes está certo ao dizer que não dá para sair dessa encalacrada sem entender por que caímos nela. Nesse sentido, a autocrítica dos governos e partidos que estiveram no poder no passado recente torna-se urgente, e não dá para deixar para depois. Essa autocrítica, no meu entendimento, tem muito pouco a ver com autoflagelo em praça pública e muito mais a ver com lavagem de roupa suja em casa. Ou seja, essa autocrítica deve ser feita da porta para dentro dos partidos que se viram embolados nas denúncias de corrupção. Mas só vale para partidos que abertamente condenavam corrupção. Ninguém espera que (P) MDB ou PP, embora sejam os campeões de corruptos e condenados, façam isso.

Que a Lava-Jato extrapolou todos os limites legais e razoáveis  na sua sanha por fama - sim, porque a essas alturas do campeonato também não dá continuar acreditando que Moro, Dallagnol e afins eram caçadores de corruptos - deveria ser consenso. Mas mesmo assim, não é possível fingir que não aconteceu nada. Não é possível seguir querendo que a população aceite a "narrativa" da perseguição pura e simples contra um partido. O erro do petismo em 2013 se repete ainda hoje: chamar o cidadão médio, despolitizado e que até então havia votado no PT, e que em 2018 votou em Bolsonaro, de fascista. Janine, em seu artigo, prefere dividir a responsabilidade do PT com todo o campo democrático*. Janine faria bem em ler o excelente livro da Rosana Pinheiro-Machado, Amanhã será maior, no qual ela analisa os acontecimentos de junho de 2013, e como o partido que então governava o país, não entendendo o que estava acontecendo - ou preferindo não entender, isso é por minha conta - optou por culpar os protestos pelo que se seguiu. Rosana faz um trabalho muito interessante de ouvir e tentar entender os motivos que levaram jovens, homens e mulheres de periferia a votar em Bolsonaro. Entender as falhas e brechas que o modelo de gestão petista deixou, dando espaço para que um sujeito como Bolsonaro pudesse se despontar como alternativa ou como um antissistema, não significa ignorar ou jogar fora os méritos dessa mesma gestão. Mas se não tivermos maturidade para enfrentar fatos como o de Lula dizendo que nunca banqueiros ganharam tanto dinheiro como em seu governo, talvez não haja saída para nós. 

Concordo com Janine, e também com Rosana Pinheiro-Machado, quando alertam para a importância do campo progressista, as Esquerdas, perderem o medo de falar sobre corrupção. De que essa seja uma pauta cara à esse campo político. Não dá mais para deixar a direita agir como se tivesse monopólio sobre essa pauta. Outro tema que precisa deixar de ser tabu no campo progressista é a Segurança Pública. Bolsonaro foi eleito se ancorando também nessa queixa da população, e o que está fazendo? É preciso ser hábil em mostrar para a população que as soluções de Bolsonaro não resolvem o problema. Que liberar venda de armas e munição não é solução para a questão da Segurança Pública. 

Também concordo com a urgência do diálogo, de uma frente ampla, que vá além dos limites da centro-esquerda, que seja uma frente democrática, contra o autoritarismo e a barbárie que Bolsonaro hoje encarna. Não sei se por mero desejo e necessidade de esperança, mas tendo a concordar com Janine que o núcleo duro de apoiadores de Bolsonaro está em torno de 15% da população e que, portanto, é o caso encontrarmos os outros 15%, que não são fiéis devotos do antipresidente, para o diálogo. Mas esse diálogo precisa, urgentemente, ser pautado por propostas concretas para as demandas reais da população. E é preciso ouvir a população. E se ouvirmos reclamações legítimas, se ouvirmos críticas que nos desagradem, precisamos aprender a aceitar e acolher, reclamações e críticas, e não empurrar quem fala para outro campo. 

Bolsonaro forjou sua eleição se apresentando como uma resposta para uma crise do sistema político brasileiro. Mais do que nunca, precisamos fazer política. Mas não a rasteira, dos ataques, das acusações, que puxa o tapete de quem está no mesmo campo. Precisamos de uma Política com P maiúsculo. Com projetos, com propostas factíveis, que saiba ouvir os anseios da população mais do que imaginar que sabe o que a população deseja. Os partidos são fundamentais numa democracia representativa, mas não podem ser fins em si mesmos; não podem colocar seus interesses acima dos interesses do povo, ou caducam. Lá em 2013, no início, as manifestações apartidárias, que foram erradamente apontadas como antipartidárias ou mesmo como apolíticas, manifestavam uma insatisfação com os partidos políticos que precisa ser ouvida. Desde a redemocratização do Brasil, muitos partidos se encastelaram, perderam qualquer conexão com as ruas - mesmo partidos que historicamente estiveram ancorados nas ruas - e passaram a servir  aos seus próprios interesses. É hora de sair dos gabinetes, das respostas prontas, do que se imagina que a sociedade quer e estar entre as pessoas, no dia a dia, a fim de representá-las de fato. 

A formação política do cidadão médio precisa ser levada a sério. A construção de uma nova ordem política, no meu entender, passa por uma valorização do poder legislativo, de uma compreensão mais ampla de sua função. Os partidos do campo progressista precisam entender que não adianta focar em eleger quadros no executivo - seja municipal, estadual ou federal - deixando o legislativo a deriva. A reforma política no Brasil é assunto para antes de ontem. Precisamos oferecer opções para a população, para que novamente se possa acreditar na política e em seus agentes como capazes de transformar a realidade. 

 

*"O campo democrático tende a achar que todos os seguidores de Bolsonaro são fascistas ou idiotas."

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