por Daniel Vasconcelos
Dark é, sem dúvida, uma série muito instigante. Sua narrativa através de uma concepção circular de tempo, em que passado, presente e futuro se misturam, deixa a nós, espectadores, atônitos, apreensivos e muitas vezes perdidos. Nada parece previsível por lá, mas ao mesmo tempo nada parece ser ou acontecer por acaso. O enredo é cuidadosamente construído, de forma que tudo se encaixa em algum momento. Além disso, a série parece dar o tempo inteiro elementos que podem ser pistas para o desenrolar da trama. Com isso, somos induzidos a procurar detalhes que nos ajudem a elucidar ou até antecipar o que vai acontecer.
Nesses últimos dias em que aguardamos a chegada do apocalipse de Dark, resolvi dar o meu quinhão para as especulações sobre a série. Vou falar de aspectos relacionados à energia nuclear e sua associação com a trama. Não vai ser tão sofisticado quanto se fosse sobre a disputa filosófica entre os pensamentos de Nietzsche e Schopenhauer, ou sobre teorias de viagem no tempo, buracos negros e multiversos. Mas pode ter o seu valor. A ver.
Usina de Winden pós apocalipse. Imagens de divulgação da série. |
Não é nenhuma inovação afirmar que a usina nuclear da cidade de Winden é parte relevante do enredo da série. Logo na primeira temporada, com o desaparecimento das crianças, buscas são realizadas em todos os lugares, mas os investigadores não são autorizados a fazê-las no terreno da usina. Estaria-se escondendo algo? Outros elementos aparecem: os barris amarelos com lixo nuclear na caverna onde ocorrem as viagens no tempo; uma porta com o símbolo da usina, que ninguém consegue abrir, nem sabe o que existe lá dentro. Os mistérios da cidade de Winden parecem estar muito relacionados à planta geradora.
Mas há mistérios associados à usina desde a sua origem. Em 1953, quando Bernd Doppler iniciava os trabalhos para sua construção, são encontrados corpos de duas crianças no local da obra. Um escândalo! Ele atribui o ocorrido a uma conspiração das empresas de carvão e petróleo contra a promissora energia nuclear. Mas isso não impediria seus planos: seguiria com seu empreendimento a qualquer custo!
No mundo real, a energia de fonte nuclear historicamente desempenha um papel importante na matriz energética de diversos países. É uma fonte de eletricidade estável, eficiente e relativamente barata. Em tempos de combate ao aquecimento global, seria uma boa alternativa para substituir os combustíveis fósseis na produção de eletricidade. Mas o problema da destinação dos resíduos e os danos causados por acidentes marcaram negativamente a percepção da sociedade sobre o assunto.
Desde o acidente na usina de Fukushima, no Japão, em 2011, muitos países buscam desativar suas plantas nucleares, entre eles, a Alemanha. A usina ficcional de Winden estava nesse plano e em vias de ser descomissionada em 2020, não fosse o apocalipse. Mas aqui vale citar também que a Alemanha possui um movimento anti-nuclear que desde a década de 1970 se manifestava contra a construção de novas plantas. Além disso, o acidente de Chernobyl, na União Soviética, em 1986, espalhou radiação pela atmosfera da Europa e intensificou a rejeição de parte da sociedade alemã a essa fonte energética.
Dito isso, a menção à energia nuclear na série alemã parece sempre tomar uma conotação mais dark. A escolha em si do ano de 1986 como um dos que estão interligados nesse circuito temporal parece central na criação desse pano de fundo. As referências ao acidente de Chernobyl aparecem mais de uma vez no contexto da série, pelos personagens que estão no período. Há uma cena em que a adolescente Hannah Krüger oferece carona ao adolescente Jonas Kahnwald, recém chegado do futuro, para que ele não se expusesse à chuva ácida decorrente desse acidente.
Nesse mesmo ano, Claudia Tiedemann assume a direção da planta de Winden e toma conhecimento de um vazamento de material radioativo, após uma explosão ocorrida na usina meses antes. O incidente é mantido em segredo pela empresa, mas Claudia resolve verificar pessoalmente a situação. Ela vai até a caverna (aquela mesma), onde o material radioativo estava guardado e, a partir daí, a sucessão de acontecimentos a leva a viajar no tempo e ser um dos pivôs da trama.
Todos esses pontos me levam a crer que há uma mensagem sutil, quase subliminar, que Dark quer passar para o espectador, de que a energia nuclear não é uma coisa boa. Alguns personagens, como Jonas, parecem buscar a origem de todos os problemas, para, ao alterá-la, mudar o curso dos fatos e eliminar esses problemas. Talvez a construção da usina seja essa origem. Sendo assim, os corpos das duas crianças que foram colocados no local da obra poderiam até ser fruto de uma conspiração, mas não a imaginada por Bernd Doppler.
Não me espantaria se, na batalha entre os que querem a continuidade do que está acontecendo e os que querem mudar os acontecimentos, caso vençam os que querem mudar os acontecimentos, essa vitória envolvesse a eliminação da existência da usina nuclear de Winden. Assim, o apocalipse de Dark poderia ser trocado pelo ocaso da energia nuclear – ao menos nessa cidade.
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