Amanhã vai ser maior, de Rosana Pinheiro-Machado, é um livro fundamental para compreendermos como chegamos onde chegamos, mas também para apontar caminhos e possíveis saídas desse buraco no qual nos encontramos. O que aconteceu - e o que está acontecendo - com o Brasil, são perguntas que têm atormentado muitos brasileiros desde 2013. Do gigante acordou para a eleição de Bolsonaro, passando por um impeachment pra lá de questionável, esse é o itinerário que a autora nos convida a percorrer.
A leitura de Pinheiro-Machado das jornadas de 2013, bem como de outros eventos e fenômenos que deixaram muitos de nós sem fôlego e incrédulos, é potente e muito fértil. Ela foge dos caminhos fáceis, encara a complexidade e a contradição que permeiam movimentos como aqueles de junho de 2013, mas também os Rolezinhos de 2014, as ocupações secundaristas das escolas em 2016 e a greve dos caminhoneiros de 2017. Fugindo do maniqueísmo, traz indivíduos, com suas histórias, suas vidas, com suas incoerências, frustrações e esperanças. Do começo ao fim, somos chamados a ouvir o outro, mais do que julgar e rotular, a entender os motivos que levaram o outro às suas escolhas.
Como intelectual, Rosana Pinheiro-Machado convida aqueles que se identificam com o campo da esquerda ou com o campo progressista a abandonar o olhar elitista que parece, muitas vezes, buscar um 'povo' idealizado e que quando encontra o povo real, em suas contradições, tende a culpabilizá-lo por ele não se adequar às suas idealizações, ou mesmo ridicularizá-lo, preferindo virar as costas a esse povo real, tratando-o como ignorantes ou manipulados que, por terem cedido ao inimigo, merecem mesmo é sofrer. Nas palavras da autora, "chamar o trabalhador pobre que votou em Bolsonaro de fascista e coxinha não ajuda em nada nessa batalha ideológica que estamos perdendo feio" (p.128). Se queremos vencer o Bolsonarismo, precisamos de um projeto claro, um projeto capaz de apresentar soluções para os problemas concretos do dia a dia das pessoas. E alguns podem se perguntar: mas que problemas são esses? E Rosana nos dá dicas: falta de comida, compra de votos, assaltos sofridos na parada de ônibus, emprego precário (p.131).
Mais do que apontar erros e acertos de figuras públicas, partidos e grupos ao longo dos últimos anos, Pinheiro-Machado nos chama a um olhar realista, desapegado de paixões, mas capaz de perceber o surgimento de novos afetos, novas maneiras de fazer política. Se durante a leitura somos tomados, em certos momentos, pelo desânimo diante da lembrança de que saiu vitorioso das urnas em 2018 um não-projeto muito bem empacotado num discurso moralista, que mal disfarçava preconceitos de todas as ordens, num discurso violento e autoritário cuja resposta para a crise de segurança vivida pelo país era a promessa de armar a população, Rosana joga luz nas transformações que podem ser percebidas apesar desse resultado. Foca o nosso olhar para a mudança que está em construção, na potência encontrada nas falas de meninas e adolescentes da periferia, nas ocupações secundaristas, mas principalmente no #EleNão em 2018.
"O momento mais emocionante para mim foi encontrar uma aluna que levava sua mãe e sua avó. Elas eram de um município muito pequeno e moravam no campo. Nunca haviam participado de uma manifestação antes. Minha aluna me contou que elas seguiam o voto do homem na família, que não gostavam de política e que agora seguiriam uma mulher pela primeira vez. A avó, com muita dificuldade de caminhar, estava maravilhada com o ato, e me disse: "Que beleza isso daqui. É a força das mulheres." (p.173)
É nessa "força das mulheres de uma nova geração" que Rosana encontra respaldo para sua esperança. Mulheres como Marielle Franco que mesmo tendo sido vítima do racismo, do machismo, da violência, do ódio e da milícia, segue sendo exemplo e dando frutos. Segundo a antropóloga, "existe toda uma nova geração de feministas, e elas foram fundamentais na contenção do crescimento de Bolsonaro no bairro em que moram." (p.174) E, como diz a autora, "é uma questão de tempo, as adolescentes feministas vão crescer, e o mundo institucional terá que mudar para recebê-las." (p.176)
Minha questão é: por onde faremos essa mudança institucional? Se Rosana está certa, e há bons motivos para acreditarmos que ela está, o bolsonarismo é a expressão de uma geração que cada vez mais perde espaço, que luta "em vão para barrar o futuro" (p.181), que se sente ameaçada diante das mudanças pelas quais a sociedade passa. No entanto, é fato que essa "geração que resiste ao futuro" continuará votando, continuará influenciando políticas públicas e devem ser levadas em consideração na política institucional, pelos partidos e nas próximas eleições. Como não sucumbir nas urnas? Para mim, a resposta também está dada no livro de Rosana Pinheiro-Machado: no parlamento. Ao falar da deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez, a autora afirma:
"ela encarna as lutas das minorias ao mesmo tempo que resgata uma linguagem dos laços de amor da família e da comunidade. A deputada também produz um discurso mais universalista que dialoga diretamente com os anseios da classe trabalhadora, com frequência saqueada: tiram dela emprego, segurança, sistema de saúde e educação. Em suma ao falar do amor e das dificuldades da vida cotidiana, ela atinge temas básicos que tocam no âmago dos anseios populares - assuntos que, apesar de essenciais, no Brasil têm sido deixado de lado pela grande narrativa da esquerda."(p.175-176).
Ainda que a potência desse amanhã que, esperamos, será maior, esteja sendo construído hoje por mulheres, mulheres negras, movimentos negro e indígena, movimento LGBTQI+, o Brasil de hoje precisa de um projeto amplo, capaz de abraçar as reivindicações das minorias, mas principalmente capaz de oferecer uma proposta universalista que dialogue com os anseios da classe trabalhadora, precarizada e saqueada cotidianamente. No plano institucional, para disputar cargos no executivo, principalmente na esfera federal, o foco nessas propostas universalistas deve ser a tônica dos projetos a serem construídos: empregos de qualidade, educação, saúde, segurança, combate à corrupção. Já para disputar as cadeiras dos legislativos, nas três esferas, temos que seguir os exemplos exitosos da Bancada Ativista, investindo na construção de bancadas feministas, bancadas indígenas, enfim, levar as discussões das pautas de minorias para o parlamento, ajudando a construir uma nova sensibilidade popular para grupos historicamente excluídos e marginalizados. Tornar o parlamento verdadeiramente a casa do povo, dando voz a diversidade que compõe o povo brasileiro. Os partidos que aceitarem o desafio de construir esse amanhã,
devem começar a mudar hoje as suas prioridades, abrindo espaços e
apoiando e construindo um legislativo que seja de fato a cara do povo
brasileiro. Fortalecer candidaturas de mulheres, de indígenas e negros, de pessoas LGBTQI+. Assim, acredito que, num futuro próximo, poderemos ter um país maior.
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