“E eu te conheço menos, a cada dia.” Dorothea, em Mulheres do século XX, sobre seu filho adolescente, Jamie
Desde que eu era adolescente, e
olha que tive uma adolescência com muitas limitações numa pequena cidade de
Minas Gerais, havia uma preocupação, entre professores, principalmente
professoras, em dizer para as meninas que elas poderiam fazer muitas coisas,
além de casar. E desde que me mudei para Campinas, durante os anos de faculdade
e depois de formada já em sala de aula como professora do ensino médio, essa
fala de empoderamento das meninas se tornou muito mais forte e presente no dia
a dia escolar e na sociedade de maneira geral. Disseram, e eu disse também, que as
meninas poderiam ser o que elas quisessem. Mas faz alguns anos que tenho me
perguntado se não falhamos em dar a mesma mensagem para os meninos.
Claro, alguém pode me dizer que
os homens sempre puderam tudo. Que num mundo machista, eram as mulheres que
precisavam ser estimuladas a assumirem lugares até então proibidos. Que numa sociedade patriarcal, quem precisava ser
capaz de enxergar possibilidades de ser de outras maneiras eram as meninas. Mas
não seria a ideia de homem, de masculinidade, tão limitante e opressora para
muitos garotos como aquele ideal de mulher o era para as garotas? Na medida em
que as meninas empoderadas se tornaram mulheres empoderadas, não estaria
havendo um descompasso no mundo entre homens e mulheres? Não seria esse
descompasso um dos motivos de vivermos nos últimos dez anos numa sociedade
invadida pelo ressentimento masculino, por ataques misóginos e crescentes taxas
de feminicídios? Pelo aparecimento de grupos red pills nas profundezas
e, por que não, na superfície da internet?
Revendo o excelente filme Mulheres
do século XX, de Mike Mills (EUA,
2016, Netflix), me peguei pensando em como é urgente problematizarmos o lugar e
a ideia de masculinidade, o que é ser homem, com nossos adolescentes. A
linha mestra do filme é o diálogo. As cenas permeadas por diálogos delicados,
honestos e por vezes constrangedores, explorando as fragilidades que nos fazem
humanos, mostram que esse é o caminho para nos humanizar. Antes de nos
tornarmos homens ou mulheres, é fundamental nos tornarmos humanos, familiarizados
com tudo que é humano: dúvidas, medos, inseguranças, amor, desejos, frustrações,
paixões, prazer, dor.
Onde falta o diálogo, a palavra,
sobra violência, sobra o uso da força bruta. Quanto menos somos capazes de
nomear o que sentimos, os bons e os maus sentimentos, menos equipados estamos
para lidar com nós mesmos e com os outros. Com nossas perdas, com as emoções
fortes que tendem a nos tirar do prumo, com os imprevistos, com tudo que escapa
ao nosso controle. É preciso que pelo menos tenhamos a palavra, palavras, para
nomear e narrar o que nos acontece e, assim, nos sentirmos um pouco que seja,
confortável no mundo, confortável em nossa própria pele. Para tornar meninos bons homens – e meninas boas mulheres – é urgente que sejamos
capazes de tornar crianças bons humanos adultos: sensíveis, emocionalmente
confiantes, conscientes de seus limites, capazes de reconhecer nos outros a mesma
humanidade que reconhece, respeita e valoriza em si mesmo, curiosos – pelo mundo
e pelos humanos que habitam esse mundo -, empáticos e honestos consigo e com aqueles
que estão a sua volta.
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