domingo, 21 de junho de 2020

Como Schopenhauer e Nietzsche nos ajudam a entender a série Dark - Parte 1

Dark é uma série original alemã da Netflix, e sua primeira temporada foi lançada no dia primeiro de dezembro de 2017, a segunda em 21 de junho de 2019 e a terceira e última temporada irá estrear no dia 27 de junho de 2020. Para quem acompanha a série, as datas de estreia não foram escolhidas ao acaso, como nada em Dark parece acontecer por acaso, afinal, como ouvimos várias vezes, "tudo está conectado". Dark tem sido definida como uma série de drama, suspense e, principalmente, de ficção científica, afinal, na abertura da primeira temporada temos uma citação de Einstein, segundo a qual "a diferença entre passado, presente e futuro é somente uma persistente ilusão". Mas, para a minha leitura de Dark, gostaria de destacar os aspectos filosóficos que se fazem presente de forma bastante consistente nas duas temporadas e que, para mim, darão o ritmo da terceira e última temporada da série.

Quando vi as duas temporadas pela primeira vez, Nietzsche e Schopenhauer ficaram pairando na minha cabeça. Embora Schopenhauer não seja citado diretamente, alguns personagens em diferentes momentos parecem ecoar suas teorias. Ao rever recentemente as duas temporadas, enquanto espero ansiosa a terceira, tive ainda mais certeza de que a série é totalmente influenciada por esses dois filósofos alemães. Mas, aparentemente, eu estou falando obviedades, pois uma das roteiristas, Jantje Friese, já disse em entrevistas que há muitas ideias de Nietzsche e Schopenhauer que foram o ponto de partida para que eles começassem a pensar sobre viagem no tempo. E logo no início da primeira temporada, somos confrontados com uma noção circular do tempo, em oposição a noção de linearidade temporal, sendo que não é só o passado que altera o presente, mas também o futuro pode alterarar o passado. Aos poucos precisamos nos acostumar com a ideia de que passado, presente e futuro estão acontecendo simultaneamente.

Dark se passa em Winden, uma pequena cidade, fictícia, no interior da Alemanha. Coisas estranhas acontecem na aparente pacata Winden: crianças desaparecem. Em 2019, Mikkel Nielsen se perde de seus irmãos, Martha e Magnus Nilsen, e seus amigos, sumindo nos arredores das cavernas de Winden. Trinta e três anos antes, foi o tio dos Nilsen que desapareceu, Mads Nielsen, irmão de Ulrich Nilsen.  Além da família Nilsen, as famílias Kahnwald, Tiedemann e Doppler parecem ter suas histórias entrelaçadas por diferentes motivos. No sumiço de Mikkel Nielsen, além de seus irmãos, estavam presentes Jonas Kahnwald, Bartosz Tiedmann e Franziska Doppler.

Mapa das famílias de Dark disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/um-mapa-das-familias-de-dark-da-netflix-para-voce-nao-se-perder/

Ao longo da primeira temporada, outros dois adolescentes desaparecem e o corpo de um adolescente é encontrado na floresta em condições bastante estranhas. Tudo indica que é o corpo de Mads Nilsen.  Mas como 33 anos depois do desaparecimento esse corpo adolescente seria encontrado como se tivesse sido morto no dia anterior? Mistério! Um dos muitos que envolvem a trama de Dark. Além de mistérios e segredos, há muitos assuntos mal resolvidos entre os membros dessas quatro famílias: traições, ciúmes, mentiras, vinganças, ódios que se repetem ao longo das gerações. Passado e presente parecem mais do que conectados, parecem se repetir...
"Alguém que tenha sobrevivido a duas ou três gerações encontra-se na mesma disposição de espírito que um espectador que, sentado numa barraca de saltimbancos na feira, vê as mesmas farsas repetidas duas ou três vezes sem interrupção: é que as coisas estavam calculadas para uma única representação, e já não fazem nenhum efeito, uma vez dissipadas a ilusão e a novidade." (Arthur Schopenhauer, As dores do mundo).
Como muitos fãs da série já destacaram, em especial esse vídeo do canal Série Maníacos, Dark trabalha com muitos elementos da cultura alemã, seja fazendo referências diretas, como a Eisntein e a Nietzsche, ao artista Rubens e a obra A queda dos anjos rebeldes, na sede do sic mundus, ou ainda através de releitura de obras de artistas alemães. E nessa perspectiva faz todo sentido os filósofos Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche terem influenciado a série. Eles são dois grandes nomes da filosofia alemã do século XIX e desenvolveram uma visão bastante dark do mundo e da humanidade, afinal o primeiro é conhecido como o filósofo do pessimismo e o segundo como aquele que anunciou a morte de Deus. Rompendo com uma tradição racionalista e batendo de frente com a tradição judaico cristã, os dois filósofos nos colocaram diante da falta de sentido da vida e da força avassaladora das paixões e dos desejos.

Embora Nietzsche tenha sido um leitor e, até certo ponto, bastante influenciado pela filosofia de Schopenhauer, diante da falta de sentido da vida, os dois filósofos seguem caminhos distintos. Ao pessimismo metafísico e ao niilismo passivo de Schopenhauer, Nietzsche opõe um fisicalismo e um niilismo ativo: enquanto o primeiro propõe a negação da vontade, o segundo aposta na afirmação da vontade de potência;  se para Schopenhauer o indivíduo está determinado e, embora tenha a ilusão de fazer escolhas, suas ações são fruto de uma necessidade que se faz presente em toda a natureza, o homem torna-se livre quando é capaz de negar essa vontade cega que determina suas ações; para Nietzsche, ao contrário, o indivíduo encontra a  liberdade na afirmação da vida, da vontade de potência.

No último capítulo da segunda temporada, os diálogos entre Adam e Noah parecem um embate entre as duas visões de mundo:

Adam: Não podemos fugir do nosso destino. Nem eu, nem você.
Noah: Você não declarou guerra contra Deus. Mas sim contra a humanidade.
Adam: (...) O tempo está jogando seu jogo cruel conosco. Você acha que é seu destino me matar. Mas esse não é seu destino assim como o meu não é morrer aqui e agora. Somente quando nos livramos de qualquer emoção que somos livres de verdade. Somente quando alguém está disposto a sacrificar o que mais ama. (...) Não existe homem sem culpa. Nenhum deles merece um lugar no seu paraíso. Esse nó só pode ser desfeito ao ser destruído completamente. Não podemos fugir do nosso destino.

Como eu disse no início, a série tem muitos elementos de ficção científica, envolvendo viagem no tempo, buraco de minhoca, relatividade, partícula de Deus. No entanto, para mim, o núcleo duro da série gira em torno de uma das grandes questões da filosofia: somos livres ou nosso destino já está traçado? Jonas poderá mudar o rumo da sua história ou está condenado a se tornar o Adam?

3 comentários:

Unknown disse...

Dentre muitos conteúdos que vi, como vídeos/textos tentando explicar filosoficamente algum lado de Dark, esse texto é o primeiro que faz isso, eu diria que, de verdade... Parabéns

Roberta disse...

Muito interessante o texto, Fran! Aguardando a parte 2!
E aguardando também ansiosamente a terceira temporada!!!!!!!

Francisca disse...

Ansiosa pela terceira temporada, Fran. Gostei demais do texto.

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