sexta-feira, 6 de março de 2015

Ser professor ou ser educador?

A questão já é batida, mas me parece um desses falsos dilemas que são criados a fim de ofuscar as questões que realmente são relevantes. Certamente todo professor é também um educador (ou deveria sê-lo), embora nem todo educador seja professor. A condição de educador está atrelada à condição de adultos diante de crianças e adolescentes. Todo adulto tem a responsabilidade de assumir esse papel diante desse outro que o necessita enquanto tal. Suspeito que, com um pouco de bom senso, todos estariam dispostos a aceitar isso como uma verdade. No entanto, as confusões surgem quando nos deparamos com outra questão: de quem é a função de educar?
 Por educar entendo aqui um processo longo de humanização pelo qual todos nós passamos ao longo da vida. Sem dúvidas, os primeiros educadores que temos são nossos pais, ou pelo menos deveriam ser os nossos pais. Mas logo em seguida encontramos os avós, tios, primos mais velhos, amigos dos pais, médicos, tutores de creche, professores, enfim, os adultos que estão ao redor daqueles que necessitam de educação. Nesse sentido é fácil perceber que a educação não está confinada aos muros da escola, mas que inicia-se antes dessa e continuará por toda a vida, pós vida escolar. Portanto, se é função dos professores educar, não é função exclusiva dos mesmos. A escola é responsável apenas por uma pequena parte desse processo.
Educar é um processo que exige compromisso, amor, responsabilidade e, acima de tudo, exige uma vivência daquilo que se quer construir, pois não há melhor método para educação do que o exemplo. As atitudes, as escolhas, a postura do educador, seja ele pai ou mãe, avó ou tia ou professor, são fundamentais na construção de referências para a criança e o adolescente inseridos no processo de educação. Ser um educador é, antes de mais nada, uma busca por coerência na sua vida diária. Ser educador é uma tarefa muito difícil. 
O professor, enquanto guia, mestre do processo de escolarização, muitas vezes não se vê como um educador. A sua formação profissional, na maioria das vezes, não o capacitou para essa função. Ele tem (quando tem de fato) o conhecimento específico de determinada matéria ou área do conhecimento, e boa parte das discussões que teve nas aulas da faculdade, que o prepararam para ser professor, diziam respeito à métodos de ensino, à materiais didáticos e seus usos. O professor-especialista se prepara para entrar na sala de aula e ensinar determinados conteúdos. Num mundo ideal, o professor entrará em sala, os alunos estarão todos disciplinados, sentados em seus lugares, em silêncio, sequiosos pelo saber...Na realidade, no entanto, ao entrar em sala de aula, encontramos jovens cheios de vida, gritando, cantando ou com fones no ouvido, com cara de sono, revoltados por estarem trancados naquela jaula enquanto o dia vai tão bonito lá fora...
Ninguém preparou o aluno para ser aluno. Ele, assim como o professor, não sabe exatamente qual é o seu papel. Alguns dizem que eles devem prestar atenção, ficar quietos, aprender tudo o que o professor tem para ensinar, porque isso será importante para o futuro deles...
O futuro, mas e o presente? Como é possível aguentar todas essas aulas chatas, falando sobre um monte de coisa inútil, enquanto poderia estar aproveitando a vida lá fora? Por que ser obrigado a aprender essas chatices todas para o futuro? Se elas só vão servir no futuro, por que não deixar para aprender isso depois?
Se o professor que entra em sala de aula for capaz de perceber o descompasso que parece reinar nesse ambiente, a sua primeira função, já assumindo um papel de educador porque independe de qual sua formação específica, seria promover uma reflexão sobre o conhecimento, sobre os conteúdos a serem ensinados/apre(e)ndidos, retirando as vendas que foram postas nos olhos dos alunos, ajudando-os a construir um motivo para conhecer que não esteja no futuro, mas que esteja no presente. As aulas, os conteúdos, exercícios, matérias, trabalhos propostos, devem dar às crianças, adolescentes e jovens ferramentas para que eles possam explorar melhor o mundo que os rodeia. O conhecimento, seja ele na área das matemáticas, das ciências da natureza ou na área de humanas, deve refinar os sentidos daqueles que aprendem, deve ampliar as suas capacidades de interagir com o mundo. Os professores devem ensinar ferramentas para que os alunos possam explorar o mundo e aproveitar essa atividade da melhor maneira possível. O conhecimento do professor-especialista deve estar a serviço da humanização de cada indivíduo, deve estar a serviço da educação, entendida como processo que humaniza o indivíduo e o prepara para experimentar a vida. Se esse conhecimento não é desvelado diante do aluno, se esse conhecimento se mantém como caixa-preta, que ainda não foi decodificada, o processo de ensino-aprendizagem fracassa. O desejo de aprender, condição necessária para que haja aprendizagem e, desse modo, efetivo ensino, precisa ser ensinado também. Entendo que o papel de educador dos professores passa muito por esse caminho: educar é lapidar, podar, é preparar aquilo que está em estado bruto para que ele possa adquirir uma nova forma. Não uma forma que lhe será imposta, mas assumir a sua própria forma.
Diariamente, ao encaminhar-me para as minhas aulas, eu tenho consciência de que diante dos meus alunos, enquanto adulto da relação que estabelecemos, além da professora-especialista de filosofia, responsável por um conteúdo específico, construído ao longo da história da humanidade e que as novas gerações têm direito a herdar e dele se apropriar para atuar no mundo, sou também uma educadora, com a difícil tarefa de auxiliar meus alunos nesse processo de humanização que deve fazer deles membros do mundo comum que compartilhamos.

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