sexta-feira, 30 de julho de 2010

Traição e futebol

Faz tempo que penso sobre isso. Mas nunca tinha me arriscado a escrever sobre e, ainda agora, quando começo a escrever, não sei se isso vai chegar a algum lugar. Mas vamos lá.

Primeiramente, isso não é uma defesa da traição, nem uma defesa das mulheres. O ponto é que nossa sociedade machista costuma ter como pressuposto que (i) homens trair mulheres é algo normal e, ao mesmo tempo, que (ii) as mulheres não entendem as razões masculinas para suas escapulidas.

Comecemos pelo segundo ponto. É difícil dizer exatamente quais são as razões masculinas. Na verdade, talvez devêssemos dizer as "intenções masculinas para suas escapulidas". Melhor ainda, dizer o que eles, os homens, "não querem" quando dão suas escapulidas. A maioria deles diz, jura de pé junto, que não queria abandonar a esposa/namorada/ seja lá o nome que se queira dar a companheira que ele tem num relacionamento "sério". Mas dizem que as mulheres não entendem, precisamente, isso.

A primeira questão é saber se eles aceitariam o fato de que suas respectivas companheiras/esposas/namoradas tivessem tido um caso/uma noite com outro e, então, lhes dissessem: Olha, eu não pensava em te abandonar. Não era essa minha intenção. Os machistas sem conserto dirão que isso é inadmissível. E a justificativa, já ouvi isso por aí, é que mulher não tem relação casual, que ela se envolve e se chega a consumar o fato é porque está apaixonada ou porque tem algum sentimento pelo cidadão. Bom, com esses não há conversa...

Mas, se a resposta for que as mulheres não aceitam mudar as regras do jogo, então temos que conversar. Aí é o seguinte: quantos homens já discutiram abertamente a mudança das regras? Ao começar um novo relacionamento, quantos esclareceram suas namoradas/esposas/ companheiras acerca do tipo de jogo que pretendiam jogar?

Pensa: se alguém chega e diz: Vamos jogar futebol? E não diz nada a respeito das regras, você imagina que terão uma quantidade x de jogadores, que vão usar um campo, ou uma quadra, que o objetivo do jogo será fazer gols, chutando a bola. Que colocar a mão na bola é falta e esse tipo de coisa. Então você aceita. Mas, no meio do jogo, um dos participantes, aquele que te convidou, resolve pegar a bola com as mãos e jogar dentro do gol. Você reclama e diz: Mas não era assim! Isso não pode. Isso não é futebol! O cara responde, com a maior naturalidade do mundo: é futebol sim, só que vale fazer gol com as mãos também. Você insiste. Diz que não era esse o combinado. Que ninguém te avisou que seria assim. O cara, calmamente, responde que para ele sempre foi assim. Que desde o começo, quando te convidou para jogar futebol, estava pensando nesse jogo, no qual vale jogar a bola com as mãos. E que isso não mudava nada o fato do jogo ser futebol. Você pode, com toda razão, dizer que foi enganado, que ele te chamou para jogar outro jogo, e não futebol. Futebol, para você, é uma coisa na qual não cabe fazer gol com as mãos. Vocês se desentendem. E você resolve ir embora.

Agora imagine: no lugar do convite para o futebol, pense que o cara - ou a mulher, por que não? -, enfim, alguém chega e diz para outra pessoa: Acho que estamos saindo há um tempo, gosto de você, podemos namorar, o que acha? A outra pessoa, que também parece interessada, pode ser a mulher ou o cara, responde que sim. Ok. Estão namorando. Sem discutir o que isso significa, eles acabaram de assumir um compromisso que, socialmente falando, implica num conjunto de regras. Se essas regras não foram discutidas e ajustadas para aquele caso particular, não há nada de errado de que uma das partes tenha entendido que as regras que estão valendo são aquelas "tradicionais". Se, no meio do relacionamento, assim como no meio do jogo, alguém "muda" as regras ou põe em prática regras/ou direitos que não tinham sido devidamente explicitados no começo, isso é traição. A outra parte pode dizer que foi enganada. E, ainda que ela tivesse alguma disposição a aceitar essas novas regras, com toda razão pode reclamar o fim do "compromisso". Afinal, as regras não tinham sido discutidas, e ela (ou ele) levou gato por lebre.

O que estou querendo com toda essa história? Simples: estou dizendo que, mas posso estar enganada, na maioria dos casos de traição, quando não estamos diante de machismo incurável, o que acontece é a falta da discussão das regras do jogo. Então, tenho uma crítica que é para homens e mulheres: precisamos esclarecer os termos dos compromissos. Dizer o que entendemos por namoro, casamento, ou compromisso em geral. O que estamos dispostos a fazer pelo outro e por nós mesmos. Não há nada de errado com a poligamia, (talvez esse não seja o termo mais adequado. Deveria dizer com as escapulidas?) desde que ela seja um acordo que vale para ambas as partes. Assim como não há nada de errado com a monogamia, desde que seja um acordo de ambas as partes. Não sei se acredito nessa história de diferenças entre homens e mulheres quando o assunto é relação amorosa/sexual. Acredito, sim, que os estereótipos aprisionam as pessoas. Tem muito homem por aí que não faz o tipo garanhão, pegador, putão, enfim, e que é cobrado pela sociedade, porque é assim que um homem tem que ser. Todo homem que se preza tem que ter tido pelo menos uma amante, ou uma escapulida. Por outro lado, a mulher, se trai, é porque é vagabunda, safada, puta. Em nenhum dos casos as expectativas são justas. Mulher não tem que ser santa, homem não tem que ser garanhão.

Existem as mais diversas combinações. Pessoas com e para todos os tipos de gosto. Mas essas amarras com as quais temos nos prendido só têm dificultado a vida e disseminado a hipocrisia. Tudo seria mais fácil se as pessoas se permitissem ser sinceras com elas mesmas, e se pudessem dizer sem medo o que lhes apetece e quais as regras que vão valer em suas vidas. Num mundo desse jeito, nem sobraria espaço para o ponto (i) que foi enunciado nesse texto. Traição, não de homens que traem mulheres, é normal hoje. Traímos nós mesmos, antes de qualquer coisa, quando não dizemos o que realmente queremos. Trair o outro, nessas condições, não é nada...

(texto escrito em abril/2010)

Um comentário:

Vanna disse...

Querida, concordo plenamente. Quando adolescente não entendia quando alguém dizia "ah, descobri q ele é casado" Q fdp!! pensava eu. Sempre dizia q o cara tinha q dizer logo, e a mulher aceitaria ou não, era um direito dela. Só não aceito é a infeliz insistir em q o cara tem q ficar com ela. Quem "ama" homem casado tem q ser amante. Espera a esposa largá-lo se largar.
Relação é um jogo d encaixe.
Bjs, uma linda nova semana.

Sobre o que se fala

cotidiano Poesia Dicas opinião opiniões política utilidade pública atualidade atualidades Rapidinhas Campinas educação Conto crônica Minas Gerais São Paulo cinema observações Brasil coisas da vida escola Misto música Delfim Moreira divulgação Barão Geraldo Bolsonaro Literatura democracia eleições Filosofia da vida leitura coisas que fazem bem passeios Comilança clã Bolsonaro redes sociais revoltas amigos coronavírus debate público ensino paixão preconceito; atualidades sobre fake news séries Dark Futebol amor coisas de mineiro coisas do mundo internético criança do eu profundo façamos poesia; final de ano; início de ano; cotidiano; pandemia 8 de março Ciência de irmã pra irmã distopia história infância lembranças mulheres política; tecnologia virada cultural Violência; Educação; utilidade pública autoritarismo comunicação consumo consciente desabafo economia fascismo férias impressa manifestação mau humor mentira mágica pós-verdade quarentena racismo estrutural reforma da previdência ser professor (a) sobre a vida música Poesia 15 de outubro 20 de novembro 2021 Anima Mundi EaD Eliane Brum Fora Bolsonaro Itajubá Moro Oscar Passarinho; Poesia; Vida Posto Ipiranga aborto adolescência amizade amor felino animação; assédio sexual autoverdade balbúrdia baleia azul. bolsonarismo cabeça de planilha consciência negra corrupção coti covid-19 crime curta; crônica; curtas; concurso; festival curtas curtas; crônica; da vida; defesa democracia liberal descobrindo o racismo desinformação direitos discurso divulgação; atualidades divulgação; blogs; poesia documentário família filosofia de jardim fim das sacolinhas plásticas frio férias; viagens; da vida; gata guerra de narrativas hipocrisia humor ideologia jornalismo lei de cotas livros minorias morte mídia música Poesia novidades para rir próxima vida racismo institucional rap saudade sentimentos tirinhas universidade utopia verdade verdade factual viagem violência

Amigos do Mineireces