segunda-feira, 18 de abril de 2016

O dia que o Brasil (se) perdeu

Era para ser uma votação de parlamentares sobre o Impeachment de uma presidente, mas parecia mesmo o Show da Xuxa: gostaria de mandar um beijo para minha mãe, minha mulher, meu filho que ainda não nasceu e pro filho do meu filho que ainda não nasceu, pro meu periquito, etc... Como foi bem lembrado nas redes sociais, esses palhaços devem prestar contas a nós, eleitores, e não a família deles. Não era Show da Xuxa, mas foi show de horrores. 
Era pra dizer sim ou não, mas o que ouvimos foi: Em nome de blá blá blá blá blá blá. Em homenagem a Fulano, Beltrano e Sicrano. Em nome de deus..? Hã? Era uma assembleia de parlamentares, mas parecia mesmo uma convenção de pastores. E do jeito que a coisa anda, deus está correndo sérios riscos de ser o próximo investigado da Lavo Jato, porque se ele anda de amizade com metade dos que o invocaram, ele anda muito mal acompanhado...
Nunca senti tanta vergonha do meu País como enquanto ouvia as asneiras proferidas por essas excrescências. Como é possível alguém se pronunciar contra a corrupção alegando que o próximo governo (Temer/Cunha?) representa uma esperança de um País melhor, de uma política ética?
A Câmara parecia um clube em dia de baile de carnaval, nem confetes faltaram. E os bobos da corte eram todos aqueles que ainda acreditam (ou será que fingem acreditar?) que ao tirar o PT do governo estarão acabando com a corrupção no País. Grande parte dos deputados não passava de Arlequins: fanfarrões, cínicos e briguentos. Piadistas querendo iludir os incautos Pierrôs vestidos de verde e amarelo Brasil afora. 
Fomos golpeados de todas as formas possíveis. A falência do nosso modelo político ficou patente nos votos em causa própria. São tantas siglas (PTN, PHS, Solidariedade, PROS, PTB, PRP, PPS, PRB, PEN, PMB, PSC, e por aí vai) que me pergunto: será que eles sabem o que o partido defende? Qual o projeto de país que representam? Será que essa proliferação de siglas representa, de fato, algum projeto de país? A infidelidade partidária brasileira é um fenômeno a ser investigado. 
É cedo para dizer quais serão as consequências das atitudes irresponsáveis, mesquinhas e egoístas desses parlamentares. Mas não foi surpresa. Apenas os mais desavisados não sabiam que estamos nas mãos de um parlamento conservador e atrasado, que defende torturadores, que é contra os direitos trabalhistas, que é machista, homofóbico e, acima de tudo, hipócrita. Que fala de corrupção de maneira seletiva. 
O PT não é vítima, não é inocente, mas está colhendo os frutos de escolhas e estratégias condenáveis que os colocou de mãos dadas com bandidos históricos. E esses mesmos bandidos agora fizeram o que melhor sabem fazer: viraram a casaca, apunhalaram, traíram, como ratos fugiram do barco que ajudaram a afundar. Não dá pra sentir pena do PT, mas é de se lamentar que tenham chegado tão baixo. Mesmo assumindo as culpas e os crimes que o PT cometeu, não é possível comemorar um processo conduzido por um réu, um facínora, criminoso, cínico e descarado como Eduardo Cunha. 
Quem está querendo se enganar vai ser cobrado também por suas escolhas. 
Estamos perdendo a chance de passar a nossa história a limpo. Estamos escolhendo o caminho imediatista, atendendo de bom grado aos apelos de caráter econômico, às promessas de que a economia voltará a crescer, de que Temer representa uma possibilidade de botar o país nos trilhos. Estamos entregando a horta para os cabritos vigiarem. Tão logo estejam confortáveis e seguros, não teremos mais notícias de Lava Jato, de investigações, de denúncias. O Brasil perdeu hoje: perdeu para o oportunismo, para a hipocrisia, para o revanchismo, para a falta de bom senso, para a irracionalidade, para paixões escusas. A comemoração dos deputados, em ritmo de final de copa do mundo, depois do desfile de disparates por eles pronunciados, não deixa dúvidas: estamos perdidos. 

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Sobre "A sociedade órfã" de José Renato Nalini ou Quando os direitos dos outros são expressões de vontades mimadas

O senhor José Renato Nalini, ex-desembargador, ex-corregedor-geral da Justiça do Estado de São Paulo e atual Secretário da Educação do governo Geraldo Alckmin, prestou um grande serviço a nós, professores da rede estadual de educação, e a sociedade em geral ao declarar no site da própria Secretaria qual é a verdadeira concepção que o PSDB tem de Estado e, consequentemente, qual o lugar da Educação dentro dessa visão:

"Afinal, Estado é instrumento de coordenação do convívio, assegurador das condições essenciais a que indivíduos e grupos intermediários possam atender à sua vocação. Muito ajuda o Estado que não atrapalha. Que permite o desenvolvimento pleno da iniciativa privada. Apenas controlando excessos, garantindo igualdade de oportunidades e só respondendo por missões elementares e básicas. Segurança e Justiça, como emblemáticas. Tudo o mais, deveria ser providenciado pelos particulares." José Renato Nalini

Diante do alvoroço causado na internet pelo texto do ilustríssimo senhor (o texto na íntegra aqui), ele nos brindou com uma pérola:


"Nalini afirmou ter mencionado apenas Segurança e Justiça por entender que sua promoção deve ser exclusivamente uma atribuição do Estado. "Citei as duas como emblemáticas porque são as duas nas quais o Estado não pode se ausentar. Porque nelas a família não pode ajudar, não pode fazer justiça com as mãos. Já educação é obrigação de todos." O secretário disse que com o artigo queria chamar a atenção para as responsabilidades da família. "A maioria do processo de educação fica a cargo do Estado. A família negligenciou o currículo culto, aquilo que as mães deveriam ensinar para as crianças." no site uol.

Que Nalini queira chamar a atenção para as responsabilidades da família no processo de educação das crianças e jovens, é uma atitude louvável. No entanto, expressar-se de maneira tão ultrapassada responsabilizando apenas as mães por esse processo chega a ser inaceitável. Além de machista, o senhor Nalini parece ignorar o fato de que temos outros arranjos familiares em nossa sociedade e que merecem a mesma consideração que qualquer família.

O senhor José Renato Nalini inicia e finaliza seu texto exaltando a importância de se recuperar "valores esgarçados" como a família e a Igreja para que possamos ter um país melhor. Que o cidadão José Renato tenha crenças e as defenda, isso é um direito. Mas que, enquanto Secretario da Educação, usando um site oficial, portanto como representante do Estado, que deve ser Laico, ele faça uma defesa da Igreja como um caminho para resolver nossos problemas de ordem social e políticos, só pode ser má-fé ou ignorância. As afirmações do senhor Nalini nos fazem pensar que talvez ele represente os pensamentos mais atrasados de uma tradição que, felizmente, vem sendo questionada até mesmo pelo representante máximo da Igreja Católica.

No entanto, voltemos ao ponto central: a defesa de privatização de serviços básicos como saúde e educação. O secretário nesse momento representa uma contradição em ato, pois, na condição de secretário da educação, ele ocupa esse cargo com o propósito de destruir o principal objeto que justifica sua existência hoje, a saber, a educação pública. Isso é o que podemos chamar de um atentado terrorista, ou seja, Alckmin chamou um secretário-bomba para implodir de vez com a Educação Pública do Estado de São Paulo.

É curioso ler no texto de Nalini que "a população se acostumou a reivindicar", e que "tudo aquilo que antigamente era fruto do trabalho, do esforço, do sacrifício e do empenho, passou à categoria de “direito”. Afinal, Nalini parece querer dizer que a reivindicação de direitos como saúde, educação, entre outros, é um abuso por parte da população mal acostumada. Mas o que dizer de um Juiz, reivindicando auxílio-moradia do Estado?



Pedir que a população, essa mesma que ele acusa de ser mal acostumada por querer saúde e educação pública, compreenda que um juiz tem que ganhar bem, e isso significa ganhar bem para comprar seus ternos em Miami,  é no mínimo falta de caráter. A falta de pudor do senhor Nalini em dizer o que disse no vídeo acima, nos faz duvidar de que ele estivesse falando sério. Gostaríamos que ele estivesse sendo irônico, porque custa, pelo menos a mim, acreditar em tamanha desfaçatez. Mas seguindo o raciocínio desse senhor, segundo o qual apenas segurança e justiça deveriam ser de competência do Estado, quanto não ganharia um juiz? Hoje o salário começa na casa dos 30 mil. Fica fácil defender que tudo o mais seja privatizado com esse salário, não fica? E que justiça é essa que faz valer a pena pagar bem a um juiz que fala contra os direitos da população?

Não fosse vivermos em tempos tão confusos e absurdos e eu arriscaria dizer que esse senhor não deve estar gozando de sua plena sanidade mental ou não tem senso de ridículo. Suas declarações soam tão estapafúrdias que seriam risíveis não fosse ele hoje um dos representantes de um projeto político que vem se perpetuando no Estado de São Paulo há mais de duas décadas, mas que nunca foi tão escancarado como ora se nos apresenta, graças mesmo às declarações do ilustríssimo secretário da educação.


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