segunda-feira, 2 de março de 2009

Confissões

um abandono só! Sim, é isso mesmo! Essa sensação de abandono, essa cara de abandono, esse ar e cheiro e a ausência de novidades. A ausência de barulho e novos sabores. Tudo velho. Tudo que já foi novidade um dia agora é puro abandono. Esse silêncio, essas poeiras que vão se assentando. E tudo vai ficando com essa cara de esquecimento. Aos poucos me acostumo com a falta. Aconchego-me nela. Fecho os olhos e aprendo a viver de imaginação. Crio minhas próprias aventuras, fujo da monotonia, corro ao encontro das surpresas que não vêm.

Aperto forte minhas próprias mãos e estrangulo o soluço que quase me escapa pela garganta. As unhas cravadas na pele, na carne. Sentir dor é um alívio. É sentir qualquer coisa... É preencher o vazio...

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As páginas em branco rapidamente são preenchidas. A mão desliza sobre o papel. A caneta preta solta um pouco de tinta e mancha a pequena mão. A mão mancha a folha branca.
Ela está deitada sobre a colcha de retalho colorida. Os longos cabelos, escuros e encaracolados, cobrem suas costas até a cintura. Um vestido azul desbotado envolve o corpo moreno. O som alto, uma mistura de barulho com uma tentativa de melodia, toma conta do pequeno quarto. No chão fotos e papeis se misturam com meias, blusas, batons, alguns badulaques e muito cheiro de perfume. Um cheiro doce. Enjoativo. Poderia ser o quarto de uma adolescente. Se ela ainda o fosse. Poderia ser só um quarto, mas era uma casa inteira...

Pacotes de miojo no lixo, uma pequena geladeira e um fogão de duas bocas no canto direito, os livros empilhados no lado esquerdo, a solidão completa e o medo da multidão. Não era mais adolescente, mas não podia mentir que as vezes era como nos velhos tempos. Tinha vontade de pedir colo. Mas agora já não tinha pra quem. Ou será que tinha? Mas ele não entende... Ninguém entende...
Por isso escreve. Escreve páginas e páginas naquela agenda amarrotada que a acompanha pra todos os cantos. Enfiada no fundo da mochila ou nas bolsas coloridas, nas aulas ou nas festas e naqueles momentos de solidão, principalmente. Escreve também em folhas avulsas que amassa ou rasga ou rasga e amassa quase em seguida. São como confissões. Aquelas que são feitas num momento de piedade repentina. Quando se rasga todas as máscaras. Quando se desnuda por completo e banha-se nas próprias lágrimas quentes. Passado as orações prescritas pelo confessor, é a hora de amassar a folha, de picar em pedaços e, num misto de vergonha e arrependimento, deixar o templo as pressas!

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um dia ainda paro com essa loucura! um dia desisto de gastar tantas páginas... Um dia eu falo tudo que tá preso na minha garganta. Mas será que alguém vai ser capaz de entender? será que alguém vai ter paciência de me ouvir? Ninguém é tão forte como essas frágeis folhas brancas... eu sinto isso. Também não sei se é questão de ser forte. Talvez ninguém tenha obrigação alguma de ouvir, de me entender. Mas as folhas não podem reclamar, não podem se negar a isso. São ótimas confessoras... as penitências não passam da tortura de me ver num espelho, desfigurada e desnuda, quando leio o que escrevi...

Um comentário:

Pablito disse...

Infelizmente ninguém lhe entenderá!
Mal nos entendemos!

''...Ninguém é tão forte como essas frágeis folhas brancas...''

Confie nelas e nunca se arrependerá, somente elas poderão aceitar tudo que vier de você, quantas vezes vier de você... Forte mesmo são as folhas brancas...

A glória está em amarmos escrever.


Abraços!

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