sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Não faltam crimes, mas faltam coragem e pressão

Bolsonaro acumula mais de 50 pedidos de impeachment. Esses pedidos, motivados por crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente, estão parados nas mãos do Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Muitas figuras públicas, inclusive o próprio Rodrigo Maia e algumas pessoas de oposição, alegam que não haveria número suficiente de votos para um impeachment e, por isso, não faria sentido abrir o processo. Dizem também que abrir o processo sem esses votos poderia beneficiar Bolsonaro. 

Impeachment no Brasil, como ficou evidente no processo de Dilma Rousseff, depende muito mais de "clima" do que de crime. Os crimes Bolsonaro já garantiu. E segue a cada dia cometendo os mesmos ou novos. Mente sobre remédios que não têm eficácia contra a Covid-19. Faz campanha deliberada contra vacina. Usa instituições e órgãos públicos para benefício próprio ou de seus filhos. O clima cabe a nós, cidadãos, criar. E sabe como a gente cria clima de impeachment? Pressionando os parlamentares. 

O Brasil está vivendo um caos sanitário, mas o Congresso está em recesso até 1º de fevereiro. Isso faz sentido para você? Para mim não faz. Temos que exigir o fim do recesso parlamentar imediatamente. Mas temos também que exigir abertura imediata de CPIs para apurar responsabilidades pelos crimes que estamos vendo, pelo caos em Manaus, pelo atraso do país na corrida pelas vacinas, pela insistência em manter o ENEM nos próximos finais de semana e por todos os outros crimes cometidos por esse governo, por Bolsonaro e seus cúmplices. CPIs para investigar deputados como Bia Kicis, Osmar Terra, Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro, Daniel Silveira, que além de ódio disseminam mentiras pelas redes sociais e atuam como verdadeiros agentes do caos, colocando a população contra autoridades que tentam medidas para conter o caos sanitário. 

A situação da pandemia no Brasil nesse momento, de segunda onda, como foi alertado por cientistas, epidemiologistas e demais autoridades com juízo e bom senso, está muito grave e poderia ter sido evitada. Ou seja, esse caos que Manaus e, infelizmente, outras cidades em breve podem viver, não é questão de incompetência, é fruto de decisões deliberadas de autoridades negacionistas que escolheram deixar pessoas morrer.  Bolsonaro e seus ministros têm agido para ampliar o caos. Bolsonaro no final do ano causou aglomerações, quando muitos avisavam que essas datas mereciam atenção, cuidado, que não era hora de aglomerar. Bolsonaro é responsável diretamente pelo comportamento de risco assumido por milhares de pessoas que resolveram levar a sério o presidente da república. Como chefe de Estado, tudo, absolutamente tudo, que Bolsonaro fala e faz importa, tem consequências, por isso ele é responsável! Não é hora de aglomerar, mas precisamos sair de nossas casas ou fazer barulho de nossas casas. Não é possível mais ficar assistindo a todo esse horror sem agir. 

Sábado, 23/01/2021, precisamos pressionar o Congresso Nacional. Deputados e senadores precisam ouvir nossas vozes dizendo #ChegaDeBolsonaro! #ChegaDeMortes! #ChegaDeTolerarCrimes. Quem puder ir para as ruas de carro em suas cidades, fazer carreatas e buzinaços, colocar faixas de suas janelas, bater panela quando a carreata passar, encher as redes sociais de #ImpeachmentDeBolsonaroUrgente, entrar nos perfis de deputados e senadores e pedir o #FIMDORECESSOJA e abertura imediata de CPIs. Precisamos nos unir e pressionar, criar o clima para nos livrar desses assassinos. Precisamos fazer pressão para que os deputados e senadores criem coragem para botar um fim nessa tragédia. Como eu disse, os crimes Bolsonaro já cometeu, e segue cometendo diariamente. 

ATENÇÃO: Se você for para a rua, MESMO QUE de moto ou de carro, não se esqueça de USAR MÁSCARA! Temos que continuar dando exemplo, mantendo distanciamento e tomando todos os cuidados para conter a transmissão do vírus. 



terça-feira, 12 de janeiro de 2021

O caso da Vacina do Butantan e a importância de uma boa comunicação científica

 Comunicação não é marketing. A ciência e os cientistas precisam tomar cuidado com armadilhas politiqueiras

Que João Doria, governador de São Paulo, aposta no marketing para rebaixar a política, isso é sabido desde sua eleição para a prefeitura de São Paulo em 2016. O João trabalhador, usando uniforme dos funcionários da limpeza pública na primeira semana de seu mandato, foi personagem criado para sustentar suas narrativas antipolíticas. Num cenário em que Bolsonaro é presidente, Dória parece civilizado, parece melhor, mas é importante lembrar que a distância entre essas duas figuras é bem pequena, eu diria, irrelevante. A maneira como Dória se apropriou dos estudos do Instituto Butantan me pareceu irresponsável e perigosa, podendo mesmo virar desserviço para a ciência como um todo. 

Diante dos dados apresentados pelo Buntatan hoje (12/01/2021), é bem provável que tenha havido um atropelo na divulgação dos dados. Na semana passada, as eficácias anunciadas, de 100% para casos graves e moderados (que necessitam UTI ou hospitalização) e 78% para casos leves (que necessitam alguma intervenção ambulatorial) gerou expectativas altas em relação à vacina. No entanto, logo pesquisadores e jornalistas especializados em divulgação científica apontaram a ausência de dados sobre a eficácia geral da vacina. 

É bom que se diga que os números inicialmente apresentados pelo Butantan não são falsos ou errados, mas que representam recortes específicos do estudo. No entanto, aparentemente, acompanhamos uma estratégia atabalhoada da divulgação dos dados, que pode ter sido influenciada por interesses políticos do governador de São Paulo, na sua guerra particular contra o cavaleiro da ignorância que desgoverna o nosso país. Mas reforço: não é porque Bolsonaro é o pior presidente que Doria se torna o melhor governador. E mesmo reconhecendo quão delicada é a situação que vivemos, os ataques de má-fé feitos por figuras como o deputado Osmar Terra e outras criaturas trevosas, os cientistas não estão imunes a críticas nem podem estar acima do bem e do mal. Os questionamentos feitos ao Butantan, os burburinhos que surgiram após a primeira divulgação de dados, devem servir de alerta aos cientistas. Não podemos incorrer no erro de achar que a ciência é neutra, com isso querendo dizer que ela está livre de influências políticas e econômicas, mas não é de bom tom ter cientista falando mais em linguajar político do que científico. Quando isso acontece, é importante também ter humildade para reconhecer as escolhas equivocadas e que podem afetar toda a ciência. 

Em tempos de negacionismo científico, de disseminação do movimento antivacina no mundo todo, com um presidente que está em plena campanha contra a vacina, faz-se fundamental estratégias de comunicação cuidadosas e responsáveis. Diferente de meras estratégias marketeiras ou com intenções politiqueiras, uma boa comunicação, nesse caso, deveria levar em consideração impactos psicológicos em apresentar um "número" maior de eficácia num primeiro momento, para depois apresentar um "número" menor de eficácia. Como frisou a pesquisadora Natália Pasternak durante a coletiva de hoje, "temos uma boa vacina", não é a melhor do mundo, mas é uma boa vacina. Desse modo, teria sido muito melhor apresentar os dados sobre a eficácia geral da vacina que, embora baixos, 50,38%, se comparado com outras vacinas que já apresentaram seus dados, atendem os requisitos necessários para que uma vacina seja liberada para uso, e então depois se apresentassem os dados mais animadores, nos recortes do estudo. 

Mas vamos ao que interessa! Temos vacina. Essa vacina é boa e é segura. Agora o que precisamos é combater o negacionismo, as desconfianças, e ampliar as vozes pedindo #vacinaçãojá! 


Em tempo: Viva a Ciência! Viva as instituições públicas de pesquisa! Viva o SUS! e Fora Bolsonaro! 

domingo, 3 de janeiro de 2021

Dica de leitura: Nós, mulheres: grandes vidas femininas (Rosa Montero / Editora Todavia)

"A porção invisível do iceberg de mulheres silenciadas começa a emergir agora, e tem dimensões colossais. E entre elas há de tudo, heroínas e tiranas, revolucionárias e retrógradas, salvadoras do mundo e assassinas cruéis. E isso é formidável e libertador. O feminismo, ao menos a parte majoritária do feminismo, não reivindica pessoas santas, mas pessoas que possam viver todas as possibilidades do ser, para além da tirania dos estereótipos. Vocês sabem, é aquela história: as meninas boas vão para o céu e as más vão para qualquer lugar.  Eu sempre disse que alcançaríamos a verdadeira igualdade social quando conseguirmos ser tão tolas, ineficazes e malvadas como alguns homens o são sem que sejamos recordadas especialmente por isso." (MONTERO, Rosa, Nós, mulheres: grandes vidas femininas, Todavia).

Se eu pudesse dar uma dica de leitura para 2021 para todos os professores do ensino básico - principalmente de matemática e ciências da natureza - certamente seria Nós, mulheres: grandes vidas femininas, de Rosa Montero. Infelizmente, nós, mulheres, passamos boa parte da nossa vida escolar sem nos ver nas grandes descobertas e conquistas da ciência. Sei que hoje as coisas estão mudando, mas ainda hoje meninas que escolhem cursos considerados "masculinos" são tratadas ora com condescendência, ora com desprezo por seus professores, na grande maioria homens. Por isso, caros colegas professores, em 2021 coloquem na sua lista de leitura Nós, mulheres: grandes vidas femininas

Acredito que começar uma aula de matemática mostrando como mulheres incríveis e inteligentes como as gregas Theano de Crotona e Hipátia, ou a italiana Maria di Novella, ou ainda Maria Gaetana Agnesi, autora do primeiro texto completo de cálculo da história, deram contribuições fundamentais para a matemática poderia ajudar muitas meninas pensarem que a matemática também é para elas! Como Rosa Montero, também me pego pensando: "de onde vem esse absurdo lugar-comum que afirma que as mulheres não dão para números, pois a história está cheia de matemáticas extraordinárias". E o que dizer de Ada Lovelace, que almejava criar a informática, que ela chamava de ciência das operações? Ela é reconhecida hoje como a primeira pessoa a descrever uma linguagem de programação. Quantas das minhas alunas do técnico de informática sabem disso? 

Durante os meus anos de ensino básico, física e química também eram redutos masculinos. Mas quantas mulheres estiveram presentes nos primeiros passos da química? Maria, a judia, inventora do banho-maria, mas também do alambique de três bicos, introduziu o uso do vidro nos laboratórios e descobriu o ácido do sal marinho e o ácido acético. Mas tão pouco se sabe sobre ela. O silenciamento e mesmo o apagamento de tantas mulheres nas mais diversas áreas do conhecimento nos legou uma história pela metade. Mulheres como Aglaonike de Tessália, Hipátia, Sophia Brahe, irmã do famoso astrônomo Tycho Brahe, que olharam para o alto, para os planetas, para as estrelas, e foram, ao seu modo, estrelas cujo brilho foi apagado. 

Se a vida das mulheres que se aventuraram pela ciência e pela filosofia foi marcada pela apropriação de seus trabalhos, pela falta de reconhecimento de seus esforços, não foi muito diferente com mulheres talentosas nas artes, na música, na literatura. Quantas compositoras, musicistas, escultoras, pintoras, foram relegadas ao papel de amantes ou assistentes de homens que desfrutaram de reconhecimento público enquanto, alguns, foram extremamente cruéis. A história da pianista Alma Mahler é uma dessas histórias de apagamento e crueldade que nos deixam revoltadas. A carta que seu futuro marido, o compositor Gustav Mahler, lhe envia antes do casamento é inqualificável. 

"Continuo cismado com essa obsessão que se fixou nessa cabecinha que eu tanto amo, com esse seu desejo de continuar sendo você mesma. Você escreve: Você e minha música. Desculpe, mas temos que discutir isso também! Como você imagina a vida matrimonial de um homem e uma mulher que são, os dois, compositores? Tem alguma ideia de quão ridícula e, com o tempo, degradante que inevitavelmente seria para nós dois uma relação tão competitiva como essa? O que vai acontecer se, justo quando lhe vier a inspiração, você se vir obrigada a cuidar da casa ou de qualquer afazer que se apresente, dado que, como você escreveu, gostaria de me poupar das minudências da vida cotidiana? "
MONTERO, Rosa, Nós, mulheres: grandes vidas femininas, Todavia, p.91-92.

Mas as mulheres que Rosa Montero nos apresenta também podem ser cruéis, assassinas, como Irene de Constantinopla, que cegou o próprio filho, ou Aurora, que matou a própria filha. Outras foram guerreiras, soldados, estrategistas, líderes fortes e respeitadas. A verdade é que ler esse livro é bastante libertador para nós, mulheres. Mas poderia também ser um convite para que os homens pudessem se libertar de preconceitos que muitas vezes também os castigam. Ler sobre mulheres que, mesmo com todas as restrições, dificuldades, limitações, ousaram ser plenamente, que viveram, amaram, lutaram, foram derrotadas, enfrentaram destinos trágicos, que se resignaram, que se afundaram na sombra do que poderiam de fato ter sido, é libertador na medida em que nos relembra que podemos ser muitas, de muitas formas, que podemos conquistar nosso lugar, fazer nossa história, mas acima de tudo, que podemos e devemos nos permitir ser! 

Ainda não sei o que farei, mas a minha leitura de Nós, mulheres não se limitará a essa resenha. Ideias já fervilham na minha cabeça! Termino a leitura com uma vontade bem grande de levar essas mulheres e suas histórias para as minhas aulas, de apresentá-las às minhas alunas. E para isso convido meus colegas a lerem o livro e pensarem comigo em como levar essas histórias, com suas lacunas, para as salas de aula, na esperança de que muitas outras mulheres incríveis tenham a oportunidade de sonhar sonhos grandes e de se realizarem, seja mirando o universo e descobrindo mundos ainda não desbravados, seja fazendo arte, descobrindo curas, tornando-se lideranças políticas, escrevendo e nos ajudando a imaginar outras formas de ser, transformando esse mundo num mundo mais justo, mais igualitário, mais diverso e plural. Que nós, mulheres, possamos encontrar possibilidades, alternativas, que não sejamos condenadas a viver vidas dentro das quais não cabemos. Que nós, homens e mulheres, possamos repensar os lugares aos quais estivemos cristalizados e tenhamos coragem de escrever capítulos mais completos daqui para frente da nossa história. Que não seja mais aceitável uma história escrita e protagonizada apenas por metade da humanidade. 



 

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