quarta-feira, 29 de setembro de 2010
Pérolas do jornalismo brasileiro
Essa foi muito boa. O reporter deve ser um dos alunos daquela famosa lista de pérolas do Enem que passou em alguma faculdade de jornalismo (ou não) e agora anda fazendo das suas na TV.
domingo, 26 de setembro de 2010
Chuva!!
Dia ótimo pra ficar em casa, debaixo das cobertas, assistindo filme, comendo pipoca, de preferência bem acompanhada... Ou melhor, simplesmente, dia ótimo!
Estou feliz em ouvir esse barulhinho bom de água caindo lá fora.
E por falar em chuva e em filme, lembrei-me do musical Cantando na Chuva, de 1952. Um grande filme. Eu não sou muito boa em resenhas, então, para não estragar a dica, prefiro deixar um video da cena clássica do filme.
Estou feliz em ouvir esse barulhinho bom de água caindo lá fora.
E por falar em chuva e em filme, lembrei-me do musical Cantando na Chuva, de 1952. Um grande filme. Eu não sou muito boa em resenhas, então, para não estragar a dica, prefiro deixar um video da cena clássica do filme.
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
Três anos de Mineirices!
Essa semana o Mineirices comemora três anos.
Gostaria de agradecer as visitas, os comentários e a companhia de todos que já passaram por esse cantinho.
Quando criei o blog, não tinha a menor ideia de quanto tempo ele iria durar. Nem mesmo se haveria motivos para continuar botando coisas nele. Mas o tempo foi passando e entre uns e outros recados, entre uns e outros contatos, tomei gosto por essa atividade. Não tenho uma postagem constante, mas nem só de postagens vive um blog! Durante esse tempo descobri muitos blogs bacanas, li muitos textos bons, e essa é outra parte legal do mundo dos blogs: fazer contatos, encontrar gente que tem o que dizer e o faz bem!
Eu sempre digo que meu sonho de criança era ser escritora. Eu botava minhas bonecas sentadinhas, enfileiradas, botava livros no colo delas e fingia que era uma noite de autógrafos. Eu escrevia, então, pequenas dedicatórias e agradecia por terem comprado meu livro. Aqui, com os comentários, eu satisfaço um pouco daquele meu desejo infantil! É sempre muito bom encontrar um comentário novo em algum texto.
Resolvi postar novamente o primeiro texto que publiquei no blog. Um texto antigo, que tinha escrito muito tempo antes de pensar em criar esse espaço. Quando meus textos e poemas não saiam das páginas das minhas agendas ou dos meus cadernos de anotações.
Mais uma vez, obrigada a todos que têm seguido/acompanhado esse meu cantinho! e sim, seja no mundo real ou virtual, As pessoas passam...
As pessoas estão sempre passando,
Algumas passam sem que tenhamos tempo para percebê-las,
Outras não conseguem prender nossa atenção,
Mas as pessoas estão sempre passando...
Algumas pessoas, quando passam, não contentam só em passar,
Então elas ficam por um tempo paradas,
Como se quisessem realmente marcar presença,
Aí, quando ela resolve continuar sua caminhada nós sentimos falta...
Outras pessoas, quando passam, deixam pegadas fortes,
Deixam um cheiro no ar, deixam uma sombra atrás delas...
E mesmo passando rápido, nós lembraremos por um bom tempo que ela, em algum momento, passou...
E as pessoas estão sempre passando...
Mas tem algumas pessoas que, de repente, param, e não passam mais, se fazem presentes, ficam...
Mas então, depois de um tempo, você percebe que ela continuou passando, só que junto com você, no mesmo ritmo, andando na mesma direção...
e as pessoas estão sempre passando...
Escrito em: 10/11/2004 Postado em: 25/09/2007
Quando criei o blog, não tinha a menor ideia de quanto tempo ele iria durar. Nem mesmo se haveria motivos para continuar botando coisas nele. Mas o tempo foi passando e entre uns e outros recados, entre uns e outros contatos, tomei gosto por essa atividade. Não tenho uma postagem constante, mas nem só de postagens vive um blog! Durante esse tempo descobri muitos blogs bacanas, li muitos textos bons, e essa é outra parte legal do mundo dos blogs: fazer contatos, encontrar gente que tem o que dizer e o faz bem!
Eu sempre digo que meu sonho de criança era ser escritora. Eu botava minhas bonecas sentadinhas, enfileiradas, botava livros no colo delas e fingia que era uma noite de autógrafos. Eu escrevia, então, pequenas dedicatórias e agradecia por terem comprado meu livro. Aqui, com os comentários, eu satisfaço um pouco daquele meu desejo infantil! É sempre muito bom encontrar um comentário novo em algum texto.
Resolvi postar novamente o primeiro texto que publiquei no blog. Um texto antigo, que tinha escrito muito tempo antes de pensar em criar esse espaço. Quando meus textos e poemas não saiam das páginas das minhas agendas ou dos meus cadernos de anotações.
Mais uma vez, obrigada a todos que têm seguido/acompanhado esse meu cantinho! e sim, seja no mundo real ou virtual, As pessoas passam...
As pessoas estão sempre passando,
Algumas passam sem que tenhamos tempo para percebê-las,
Outras não conseguem prender nossa atenção,
Mas as pessoas estão sempre passando...
Algumas pessoas, quando passam, não contentam só em passar,
Então elas ficam por um tempo paradas,
Como se quisessem realmente marcar presença,
Aí, quando ela resolve continuar sua caminhada nós sentimos falta...
Outras pessoas, quando passam, deixam pegadas fortes,
Deixam um cheiro no ar, deixam uma sombra atrás delas...
E mesmo passando rápido, nós lembraremos por um bom tempo que ela, em algum momento, passou...
E as pessoas estão sempre passando...
Mas tem algumas pessoas que, de repente, param, e não passam mais, se fazem presentes, ficam...
Mas então, depois de um tempo, você percebe que ela continuou passando, só que junto com você, no mesmo ritmo, andando na mesma direção...
e as pessoas estão sempre passando...
Escrito em: 10/11/2004 Postado em: 25/09/2007
domingo, 19 de setembro de 2010
Uma vida
Na cadeira de balanço, em seu vestido desbotado, não porque não tivesse outro, mas porque aquele era especial, ela, de olhos fechados, movimentava os dedos levemente sobre a barriga, e tinha no rosto um sorriso. Em meio aquele monte de lembranças, deliciosa e propositalmente trazidas diante de seus olhos cerrados, ela era uma jovem senhora, de cabelos bem penteados, de sapato e vestido vermelhos. Contava 26 anos. Recém casada, tão cheia de planos e de sonhos. A música que agora se ouvia na sala era a mesma que fazia fundo para a imagem congelada na fotografia que se encontrava sobre a mesinha, ao lado da cadeira de balanço Ele era elegante. Metido naquele uniforme, transbordava nos olhos uma felicidade que não cabia dentro de si.
Ela abriu os olhos e delicadamente trouxe até o colo uma caixinha de madeira. Fotos. Das crianças, agora homens e mulheres com suas próprias crianças. Lembrava de cada detalhe, de cada circustância daquelas fotografias. As roupinhas que usavam, algumas ainda estavam guardadas no baú, juntamente com os uniformes de Joaquim. Para cada foto, depois de olhá-la demoradamente, fechava os olhos e procedia com o mesmo ritual. Reconstruía a cena. Até mesmo podia ouvir os barulhos. Vozes de criança no parque, nos passeios de domingo. Vozes familiares já tão distantes, nos almoços na casa dos pais. Um ou outro carro. E os cheiros? De fruta madura. De chuva. De flores. De bala de menta, as preferidas dela.
Não, as lágrimas que vieram molhar seu rosto não eram de tristeza. Quem disse que a vida não teve seus dias triste? Teve sim. Teve doença, teve preocupação, teve dificuldade financeira, teve ciumes, teve medo, teve morte. Mas ela não via nisso motivo para ser triste. As lágrimas eram misto de saudade e de satisfação. Sabia olhar para trás e reconhecer os muitos momentos felizes que iam além, muito além, daquelas fotos espalhadas pela casa em porta retratos. Até se lembrava que por trás de um sorriso de foto, muitas vezes tinha um coração apertado e choroso. Mas isso era a vida. E seus 80 anos lhe davam uma serenidade que nem sempre lhe acompanhara.
O dia do acidente que lhe deixara só com as crianças, era, com certeza, o marco de uma nova etapa. De ser forte. De ser por si e por eles o que ele até agora fora para todos: tranquilidade, fortaleza. Era tão jovem ainda. Quarenta e sete anos, quatro filhos, e o azar de estar no lugar errado, na hora errada. Foi uma morte estúpida. Um acidente no mais exato sentido da palavra. Caminhava num sábado de manhã em busca de um presente para ela - aniversário que lhe trouxe triste presente. Parou em frente uma vitrine. Um vestido azul. Entrou e comprou. Ao sair da loja, um pouco distraído, ainda ficou por um tempo parado diante da vitrine e foi então que aconteceu. Um carro desgovernado veio calçada dentro e o acertou em cheio. Não teve tempo de nada, morreu segurando a sacola com o vestido que agora ela usava.
Eles se conheciam desde sempre. Moravam na mesma rua. Frequentaram a mesma escola, as mesmas festinhas, tinham os mesmos amigos. Ela tinha cabelos longos e gostava de dançar. Ele logo se enfiou na farda, e era de poucas palavras. Mas com ela ele sorria. Com ela fez planos, se casou, teve filhos, e falava em ter uma casinha no campo, onde poderiam ver os netos brincar e crescer. Ela era professora e ensinou as primeiras letras para os filhos. E depois lia livros, tomava a tabuada, corrigia todas as tarefas.
Os filhos, ela já imaginava, estavam preparando a festa costumeira: almoço, bolo, amigos, netos. Por isso ela quis comemorar hoje sozinha, só com ele. Quanto tempo mais viveria? A saúde estava boa, os últimos exames diziam que tinha um coração melhor do que de muitos jovens. Mas sentia um cansaço de viver. Achava que já tinha feito muito. Não tinha ilusões de reencontro, acreditava na vida e depois, depois era segredo. Mas lá no fundo, sabia que o segredo era que tudo estaria acabado. Mas isso, antes de assustar ou entristecer, lhe trazia uma sensação de descanso merecido.
Fechou os olhos, ainda com aquele sorriso de quem estava em paz com a vida. Cantarolava baixinho a música que vinha da vitrola. E adormeceu.
Ela abriu os olhos e delicadamente trouxe até o colo uma caixinha de madeira. Fotos. Das crianças, agora homens e mulheres com suas próprias crianças. Lembrava de cada detalhe, de cada circustância daquelas fotografias. As roupinhas que usavam, algumas ainda estavam guardadas no baú, juntamente com os uniformes de Joaquim. Para cada foto, depois de olhá-la demoradamente, fechava os olhos e procedia com o mesmo ritual. Reconstruía a cena. Até mesmo podia ouvir os barulhos. Vozes de criança no parque, nos passeios de domingo. Vozes familiares já tão distantes, nos almoços na casa dos pais. Um ou outro carro. E os cheiros? De fruta madura. De chuva. De flores. De bala de menta, as preferidas dela.
Não, as lágrimas que vieram molhar seu rosto não eram de tristeza. Quem disse que a vida não teve seus dias triste? Teve sim. Teve doença, teve preocupação, teve dificuldade financeira, teve ciumes, teve medo, teve morte. Mas ela não via nisso motivo para ser triste. As lágrimas eram misto de saudade e de satisfação. Sabia olhar para trás e reconhecer os muitos momentos felizes que iam além, muito além, daquelas fotos espalhadas pela casa em porta retratos. Até se lembrava que por trás de um sorriso de foto, muitas vezes tinha um coração apertado e choroso. Mas isso era a vida. E seus 80 anos lhe davam uma serenidade que nem sempre lhe acompanhara.
O dia do acidente que lhe deixara só com as crianças, era, com certeza, o marco de uma nova etapa. De ser forte. De ser por si e por eles o que ele até agora fora para todos: tranquilidade, fortaleza. Era tão jovem ainda. Quarenta e sete anos, quatro filhos, e o azar de estar no lugar errado, na hora errada. Foi uma morte estúpida. Um acidente no mais exato sentido da palavra. Caminhava num sábado de manhã em busca de um presente para ela - aniversário que lhe trouxe triste presente. Parou em frente uma vitrine. Um vestido azul. Entrou e comprou. Ao sair da loja, um pouco distraído, ainda ficou por um tempo parado diante da vitrine e foi então que aconteceu. Um carro desgovernado veio calçada dentro e o acertou em cheio. Não teve tempo de nada, morreu segurando a sacola com o vestido que agora ela usava.
Eles se conheciam desde sempre. Moravam na mesma rua. Frequentaram a mesma escola, as mesmas festinhas, tinham os mesmos amigos. Ela tinha cabelos longos e gostava de dançar. Ele logo se enfiou na farda, e era de poucas palavras. Mas com ela ele sorria. Com ela fez planos, se casou, teve filhos, e falava em ter uma casinha no campo, onde poderiam ver os netos brincar e crescer. Ela era professora e ensinou as primeiras letras para os filhos. E depois lia livros, tomava a tabuada, corrigia todas as tarefas.
Os filhos, ela já imaginava, estavam preparando a festa costumeira: almoço, bolo, amigos, netos. Por isso ela quis comemorar hoje sozinha, só com ele. Quanto tempo mais viveria? A saúde estava boa, os últimos exames diziam que tinha um coração melhor do que de muitos jovens. Mas sentia um cansaço de viver. Achava que já tinha feito muito. Não tinha ilusões de reencontro, acreditava na vida e depois, depois era segredo. Mas lá no fundo, sabia que o segredo era que tudo estaria acabado. Mas isso, antes de assustar ou entristecer, lhe trazia uma sensação de descanso merecido.
Fechou os olhos, ainda com aquele sorriso de quem estava em paz com a vida. Cantarolava baixinho a música que vinha da vitrola. E adormeceu.
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Surpresa!
As mãos estavam geladas. Sentiu um leve arrepio nas costas. E um sopro frio o fez estremecer. De repente, olhou para os lados assustado, como se alguém adivinhasse seus planos. Mas na rua não tinha ninguém. As primeiras horas depois do almoço. Sempre ficava aquele vazio. Retomou os passos apressados. Atravessou a rua, virou logo na próxima esquina. Já avistava o velho sobrado. Paredes amareladas, portão enferrujado, alguns vidros quebrados. Sorria um sorriso nervoso. Estava quase.
Faltava só três casas. Mas o que era aquilo? Uma bicicleta encostada no portão velho. Uma bicicleta vermelha. Aquela bicicleta não podia estar ali. Parou. Não sabia o que fazer. Parecia ouvir as batidas do próprio coração como se estivessem saindo de uma imensa caixa de som. O portão estava entreaberto. Subiu dois degraus. Num movimento brusco apertou contra o peito a mochila que até então estivera nas costas. Certificou-se de que estava tudo ali. Entrou.
Na casa, ou aquilo que um dia fora uma casa, apenas silêncio. Algumas teias de aranha. Uma cortina velha que a mãe não fez questão de retirar. Mas onde ela estaria? Teria já ido até o quarto? Tinham combinado quatro horas, ainda era duas e meia. Não entendia. Subiu as escadas. Já no corredor avistou uma luz fraquinha, trêmula, vindo do quarto. O coração bateu descompassado novamente. Lembrava de todo trabalho da noite anterior. Com muito custo tinha conseguido trazer uma TV e emprestado um vídeo cassete.
Na mochila, algumas fitas de vídeo com etiquetas amareladas nas quais se lia: 1988/1989, 1990/1991, 1992/1993,. Ela achava que iam assistir um filme. Mas ele tinha resolvido fazer uma surpresa. Trouxe aquelas fitas do tempo de escola e das festinhas de seu aniversário. Como eram felizes com seus 12, 13, 14, 15, 16 e 17 anos. E como eram inseparáveis! Todos diziam que eles iam namorar um dia.
Ela estava sentada numa das almofadas que ele havia trazido na noite anterior. Aquela casa era toda cheia de recordações. Foi bem naquele corredor que, meio sem jeito, tímidos e afobados, deram seu primeiro beijo. Foi naquele aniversário de 17 anos. Estavam terminando o colegial. Ela iria se mudar para a casa de uma tia, na capital, para continuar estudando. Ele ia servir o exército.
Tinham combinado de assistir um filme porque naquele tempo era a distração preferida deles. As fitas de romance, de suspense, de comédia que emprestavam do professor de literatura. Mas ela não resistiu e trouxe uma caixinha de cartas. Aquelas cartas bonitas que ele escreveu durante os cinco anos que ela passou na faculdade. Encontraram-se poucas vezes. Mas numas férias de fim de ano ele disse que eles iam se casar. Ele já estava trabalhando no banco. Ela ficou feliz, mas por aquele tempo estava um pouco apaixonada por um colega da faculdade.
O dia era mais que especial. Ele tinha planejado tudo com muito carinho. Dez anos juntos. E parecia que tinha sido ontem. Lembrava da cara dela de surpresa quando ele lhe entregou aquele anel. Ela havia acabado de arrumar seu primeiro emprego, na mesma escola em que eles tinham estudado. Estava radiante. E quando abriu aquela caixinha, seus olhos marejaram. Ele ainda sente como se fosse hoje, ela se jogando nos braços dele e dizendo: Sim, sim, sim!!
Finalmente ele venceu o corredor e entrou no quarto. Os dois se olharam como se fosse a primeira vez. Ela sorriu aquele sorriso que ele dizia ser tão bonito. Ele apertou os olhos, naquele sorrir com os olhos tímidos que ela tanto gostava. Ela disse: Tenho uma surpresa pra você!
Ele fez cara de espanto: É mesmo? Eu também tenho uma surpresa pra você.
Os dois se perderam naquelas lembranças e se reencontraram naquelas palavras e músicas e cenas. Ela chorou. Ele secou as lágrimas dela. Eles dançaram pelo quarto, cantaram, e se namoraram como naqueles anos. Já estava escuro quando saíram do sobrado. Ela empurrando a bicicleta vermelha, presente dele, logo que se mudaram para a rua das laranjeiras, para que ela fosse trabalhar. Ele do lado, com a mão no ombro dela. Os dois caminhavam em silêncio, sorrindo, como dois adolescentes apaixonados que têm medo de quebrar o encanto de um grande encontro.
Faltava só três casas. Mas o que era aquilo? Uma bicicleta encostada no portão velho. Uma bicicleta vermelha. Aquela bicicleta não podia estar ali. Parou. Não sabia o que fazer. Parecia ouvir as batidas do próprio coração como se estivessem saindo de uma imensa caixa de som. O portão estava entreaberto. Subiu dois degraus. Num movimento brusco apertou contra o peito a mochila que até então estivera nas costas. Certificou-se de que estava tudo ali. Entrou.
Na casa, ou aquilo que um dia fora uma casa, apenas silêncio. Algumas teias de aranha. Uma cortina velha que a mãe não fez questão de retirar. Mas onde ela estaria? Teria já ido até o quarto? Tinham combinado quatro horas, ainda era duas e meia. Não entendia. Subiu as escadas. Já no corredor avistou uma luz fraquinha, trêmula, vindo do quarto. O coração bateu descompassado novamente. Lembrava de todo trabalho da noite anterior. Com muito custo tinha conseguido trazer uma TV e emprestado um vídeo cassete.
Na mochila, algumas fitas de vídeo com etiquetas amareladas nas quais se lia: 1988/1989, 1990/1991, 1992/1993,. Ela achava que iam assistir um filme. Mas ele tinha resolvido fazer uma surpresa. Trouxe aquelas fitas do tempo de escola e das festinhas de seu aniversário. Como eram felizes com seus 12, 13, 14, 15, 16 e 17 anos. E como eram inseparáveis! Todos diziam que eles iam namorar um dia.
Ela estava sentada numa das almofadas que ele havia trazido na noite anterior. Aquela casa era toda cheia de recordações. Foi bem naquele corredor que, meio sem jeito, tímidos e afobados, deram seu primeiro beijo. Foi naquele aniversário de 17 anos. Estavam terminando o colegial. Ela iria se mudar para a casa de uma tia, na capital, para continuar estudando. Ele ia servir o exército.
Tinham combinado de assistir um filme porque naquele tempo era a distração preferida deles. As fitas de romance, de suspense, de comédia que emprestavam do professor de literatura. Mas ela não resistiu e trouxe uma caixinha de cartas. Aquelas cartas bonitas que ele escreveu durante os cinco anos que ela passou na faculdade. Encontraram-se poucas vezes. Mas numas férias de fim de ano ele disse que eles iam se casar. Ele já estava trabalhando no banco. Ela ficou feliz, mas por aquele tempo estava um pouco apaixonada por um colega da faculdade.
O dia era mais que especial. Ele tinha planejado tudo com muito carinho. Dez anos juntos. E parecia que tinha sido ontem. Lembrava da cara dela de surpresa quando ele lhe entregou aquele anel. Ela havia acabado de arrumar seu primeiro emprego, na mesma escola em que eles tinham estudado. Estava radiante. E quando abriu aquela caixinha, seus olhos marejaram. Ele ainda sente como se fosse hoje, ela se jogando nos braços dele e dizendo: Sim, sim, sim!!
Finalmente ele venceu o corredor e entrou no quarto. Os dois se olharam como se fosse a primeira vez. Ela sorriu aquele sorriso que ele dizia ser tão bonito. Ele apertou os olhos, naquele sorrir com os olhos tímidos que ela tanto gostava. Ela disse: Tenho uma surpresa pra você!
Ele fez cara de espanto: É mesmo? Eu também tenho uma surpresa pra você.
Os dois se perderam naquelas lembranças e se reencontraram naquelas palavras e músicas e cenas. Ela chorou. Ele secou as lágrimas dela. Eles dançaram pelo quarto, cantaram, e se namoraram como naqueles anos. Já estava escuro quando saíram do sobrado. Ela empurrando a bicicleta vermelha, presente dele, logo que se mudaram para a rua das laranjeiras, para que ela fosse trabalhar. Ele do lado, com a mão no ombro dela. Os dois caminhavam em silêncio, sorrindo, como dois adolescentes apaixonados que têm medo de quebrar o encanto de um grande encontro.
domingo, 5 de setembro de 2010
Palavras
Queria dizer algo, mas não encontrava as palavras e nem mesmo esse 'algo' que julgava querer dizer. Então, resolveu emprestar palavras de quem melhor sabia lidar com elas. Pediu à Clarice que falasse por ela.
"...A história que eu transcrevera em minhas próprias palavras era igual a que ele contara. Só que naquela época eu estava começando a "tirar a moral das histórias", o que, se me santificava, mais tarde ameaçaria sufocar-me em rigidez. Com alguma faceirice, pois, havia acrescentado as frases finais. Frases que horas depois eu lia e relia para ver o que nelas haveria de tão poderoso a ponto de enfim ter provocado o homem de um modo como eu própria não conseguira até então. Provavelmente o que o professor quisera deixar implícito na sua história triste é que o trabalho árduo era o único modo de se chegar a ter fortuna. Mas levianamente eu concluíra pela moral oposta: alguma coisa sobre o tesouro que se disfarça, que está onde menos se espera, que é só descobrir, acho que falei em sujos quintais com tesouros. Já não me lembro, não sei se foi exatamente isso. Não consigo imaginar com que palavras de criança teria eu exposto um sentimento simples mas que se torna pensamento complicado. Suponho que, arbitrariamente contrariando o sentido real da história, eu de algum modo já me prometia por escrito que o ócio, mais que o trabalho, me daria as grandes recompensas gratuitas, as únicas a que eu aspirava. É possível também que já então meu tema de vida fosse a irrazóavel esperança, e que eu já tivesse iniciado a minha grande obstinação: eu daria tudo o que era meu por nada, mas queria que tudo me fosse dado por nada. Ao contrário do trabalhador da história, na composição eu sacudi dos ombros todos os deveres e dela saía livre e pobre, e com um tesouro na mão" - (Clarice Lispector - Os desastres de Sofia - Felicidade Clandestina:contos, Rio de Janeiro, 1998).
"...A história que eu transcrevera em minhas próprias palavras era igual a que ele contara. Só que naquela época eu estava começando a "tirar a moral das histórias", o que, se me santificava, mais tarde ameaçaria sufocar-me em rigidez. Com alguma faceirice, pois, havia acrescentado as frases finais. Frases que horas depois eu lia e relia para ver o que nelas haveria de tão poderoso a ponto de enfim ter provocado o homem de um modo como eu própria não conseguira até então. Provavelmente o que o professor quisera deixar implícito na sua história triste é que o trabalho árduo era o único modo de se chegar a ter fortuna. Mas levianamente eu concluíra pela moral oposta: alguma coisa sobre o tesouro que se disfarça, que está onde menos se espera, que é só descobrir, acho que falei em sujos quintais com tesouros. Já não me lembro, não sei se foi exatamente isso. Não consigo imaginar com que palavras de criança teria eu exposto um sentimento simples mas que se torna pensamento complicado. Suponho que, arbitrariamente contrariando o sentido real da história, eu de algum modo já me prometia por escrito que o ócio, mais que o trabalho, me daria as grandes recompensas gratuitas, as únicas a que eu aspirava. É possível também que já então meu tema de vida fosse a irrazóavel esperança, e que eu já tivesse iniciado a minha grande obstinação: eu daria tudo o que era meu por nada, mas queria que tudo me fosse dado por nada. Ao contrário do trabalhador da história, na composição eu sacudi dos ombros todos os deveres e dela saía livre e pobre, e com um tesouro na mão" - (Clarice Lispector - Os desastres de Sofia - Felicidade Clandestina:contos, Rio de Janeiro, 1998).
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