sábado, 4 de agosto de 2018

Senhor candidato, o problema não é a cota, mas a sua má-fé

“Sou contra as cotas. Somos iguais”, disse. “Meu sogro é conhecido como Paulo Negão. Não é justo minha filha ser cotista”,candidato à presidência JB (Fonte El País).

Essa é a Laura, a filha do presidenciável. Então posso dizer que há algo em que concordo com esse sujeito: não é justo que sua filha seja cotista. Sabe por que, candidato? Porque ela não é negra. É simples assim! Não importa que seu sogro seja o Paulo Negão, que seu cunhado seja negro. O que importa é sua filha. Ela não é negra, logo, ela jamais será vítima de racismo nesse país. Agora, o que me deixa assustada, muito mais do que a desfaçatez do candidato, é a incapacidade de tantos jornalistas de responderem ao candidato quando ele repete à exaustão essa justificativa para ser contra as cotas. 

A lei de cota não é para filhos ou netos de negros. A lei de cotas é para negros. Para jovens que, sendo negros, lidos como negros numa sociedade estruturalmente racista, são tratados de maneira diferente de outros jovens. Para jovens que sendo negros, quando entram numa loja, são seguidos pelo segurança. Ou numa blitz policial são os primeiros a serem enquadrados como suspeitos. Para jovens que, lidos como negros, são potencialmente considerados bandidos. Para jovens negros cujos pais ocupam postos de trabalhos desprestigiados socialmente (porteiros, faxineiros, garis, empregadas domésticas). Jovens negros que são lidos por muitos professores como futuros caixas de supermercado (e isso é o máximo que lhes permitem) e que por isso não é preciso perder tempo com eles. Jovens que lidos como negros, serão confundidos com manobristas, com faxineiras. Jovens negros que têm seus corpos precocemente sexualizados e objetificados em propagandas e no imaginário social brasileiro: o negão da pica grossa, a negra/mulata da bunda grande. Acima de tudo, a lei de cota, e estou pensando principalmente no ingresso ao ensino superior, é para os jovens negros que hoje não se veem entre aqueles que ocupam cargos de liderança, ministros, governadores, presidente da república ou de grandes empresas, que não se veem entre aqueles que desempenham profissões de prestígio, como médicos, advogados, engenheiros, professores universitários, cientistas.

Se alguém como a filha do candidato se apresenta para uma vaga de cota estará cometendo um grave erro. Seria má-fé, para dizer o mínimo, mas na verdade se trata de fraude, de um crime. O tema é polêmico, muito polêmico e por isso  mesmo merece ser tratado com seriedade e não de maneira leviana como a declaração do candidato. Estou ciente da complexidade do assunto e não tenho a pretensão de ser dona da verdade. No entanto, entendo que não podemos nos furtar à necessidade de responder a toda e qualquer tentativa rasteira de negar a pertinência da lei de cotas num país em que a escravidão acabou ontem e no qual tantas crianças, jovens e adultos negros ainda são lidos como não merecedores de direitos. Privilégio não é ser cotista, privilégio é não precisar de cotas para ter seus direitos garantidos.

Um comentário:

Roberta disse...

Concordo com cada palavra sua, Fran. É difícil avançar nesse debate tão importante quando ele está sendo proposto a partir de falácias. Sintetizou muito bem: é má fé.

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