Para muitas pessoas, 8 de março é dia de dar flores e chocolates para mulheres (esposas, mães, irmãs, colegas de trabalho) ou de mandar aquelas mensagens clichês pelo Face ou pelo WhatsApp. Mensagens que, muitas vezes, vão reforçar estereótipos, associando mulheres a perfumes, a rosas, à beleza em geral. Ou então, ao exaltar as mulheres batalhadoras, lutadoras, vencedoras que, além de profissionais maravilhosas são mães e donas de casa, acabam por naturalizar as jornadas duplas ou triplas que pesam sobre os ombros das mulheres. Entendo que muitas dessas ações são bem intencionadas e feitas até de boa fé. Mas sem parar para refletir sobre o que significa ser mulher em nossa sociedade e, principalmente, sem parar para rever as atitudes machistas de cada dia, todas essas ações podem não passar disso, de boas intenções. E como nos diz o ditado popular, de boas intenções o inferno está cheio.
Durante muito tempo afirmaram e reafirmaram que nós mulheres éramos inferiores, que éramos frágeis, que nosso lugar não era na política, não era dirigindo. Disseram que muitas profissões não eram para nós, que não somos boas em matemática, que não poderíamos ser engenheiras, que pensar demais tirava de nós nosso encanto; diziam que certos assuntos deveriam ser evitados diante de nós, para poupar nossas cabecinhas...
Crescemos sem ter mulheres como referência em posições de poder. Aprendemos que certos cargos só poderiam ser ocupados por homens. Estimularam em nós a superficialidade, a infantilidade, a competição pela atenção do sexo oposto.
Muitas de nós, que conseguiram superar todas essas barreiras e alcançar uma formação, ter um título, um diploma, tiveram que se contentar em colocá-lo emoldurado na parede de casa para assumir aquele que, desde sempre, era o nosso lugar. Afinal, muitas ouviram, nenhuma profissão é mais digna do que ser mãe, do que ser o esteio da família. No fundo, sempre fomos relegadas ao papel daquela que cuida: cuida dos filhos, da casa, do marido, dos pais e dos sogros. Cuidar é tarefa nobre. Mas não pode ser obrigação, não pode ser a única opção.
Quando questionamos o destino que sempre tem sido atribuído a nós, somos logo insultadas, colocam em xeque nossa feminilidade, nos chamam de mal-amadas. Sempre encontramos alguém para nos lembrar que nem mesmo sobre nossos corpos temos poder: se usamos roupas curtas e provocantes é para nos insinuar para os homens; se não queremos ter filhos, somos consideradas aberrações, afinal esse é o nosso papel, nossa função; se não usamos roupas curtas e provocantes, dizem que não gostamos de homens ou que estamos nos tornando masculinas demais. Se sorrimos, somos fáceis. Se estamos sérias, somos duronas...
Desde pequenas, dentro de casa, nos ensinam que os meninos podem tudo, mas que nós temos que ser agradáveis, alegres, mas sem ser oferecidas; os afazeres da casa, desde cedo, são colocados como nossas responsabilidades; mais do que pela inteligência, nos elogiam pelo vestido bonito, pelo penteado ou pelo sapato novo; os meninos ganham bolas, carros, jogos de construção e nós ganhamos bonecas, maquiagem e fogão.
Ouvimos desde cedo que somos dramáticas, exageradas, que falamos demais, que não somos confiáveis, que somos manipuladoras e invejosas. Já os meninos são fortes, são espertos, são vencedores e líderes.
Ser feminista para mim é buscar tratamentos iguais. E isso não significa reivindicar que sejamos tratadas como os meninos. Mas que possamos reconhecer que esses padrões e estereótipos fazem mal para meninos e meninas. Ser feminista para mim é lutar para que meninos e meninas, homens e mulheres, possam fazer escolhas sem ter que carregar nos ombros o peso desses padrões opressores. Ser feminista para mim é buscar igualdade e liberdade para que possamos escolher que homens e mulheres queremos ser. E acima de tudo, que tipo de ser humano queremos ser.
Nesse 8 de março, gostaria de ouvir menos 'parabéns' (não tenho mérito nenhum em ter nascido mulher!). Eu gostaria de perceber pessoas realmente interessadas em repensar as atitudes cotidianas, em rever os estereótipos, os julgamentos. Gostaria de compartilhar algumas horas com pessoas que queiram debater com seriedade questões como: é justo que mulheres recebam salários menores do que homens? a maternidade é uma obrigatoriedade para as mulheres? ao optar pela maternidade, a mulher tem que abandonar seus sonhos profissionais? por que meninos não são ensinados a realizarem atividades domésticas como limpar e cozinhar? brincar de boneca é coisa de menina? faz sentido ficar dizendo que 'menina veste rosa e menino veste azul'? que meninas são princesas e meninos príncipes? os homens são naturalmente violentos? existe algo que possa ser natural em homens ou mulheres? Sim, nós precisamos conversar sobre gênero, sobre machismo, sobre feminismo. E temos que começar desde cedo!
O feminismo pode ser libertador não só para as mulheres, mas para os homens também. É preciso que os homens tomem consciência do quanto são vítimas do machismo, dessa visão que, por um lado os coloca como superiores, mas por outro jogam sobre seus ombros um fardo bastante pesado. Quando todos se conscientizarem disso, a afirmação de Chimamanda Adiche, que todos devemos ser feministas, não causará espanto nem incômodo a ninguém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário