segunda-feira, 4 de agosto de 2008

O estagiário

Começo de mês. Segunda-feira. A camisa estava impecável. O cabelo bem cortado, recém lavado e bem penteado. No pescoço ostentava o crachá da empresa X. Calça com as costuras bem alinhadas, o sapato brilhando. Talvez a última vez que estivera tão bem arrumado assim fora em sua formatura de ensino médio. Ah, claro. No dia da entrevista também estivera apresentável. Mas nada se comparava ao primeiro dia de trabalho.

Caminhava pela rua sem pressa. Ou talvez temesse amassar a roupa ou, de repente, pisar em alguma lama e estragar o trabalho da manhã de sábado. Sim, porque havia chovido no fim de semana. Há umas semanas atrás teria derrubado uma baita tromba por causa da chuva. Estragaria seu sagrado futebol no sábado de manhã. Mas dessa vez nem se importou. Estava ansioso. Sentia aquela mesma emoção de quando era menino. Aquela véspera do dia de ir no estádio com o padrinho. A promessa feita um mês antes o deixara muito ansioso. Até febre tivera. E a mãe ameaçara não permitir que o menino fosse assistir a final do campeonato com febre. Deu um jeito de ficar bom. Sem febre, nem dor de barriga. Aquela mesma dor de barriga que sentiu no último domingo. Mas passou. Dessa vez nem precisou das ameaças da mãe.

Caminhava num passo moderado e trazia no rosto seu melhor sorriso. Na mão esquerda trazia aquela bolsa preta de couro. Sentia-se gente grande de verdade. Nem mesmo a grande mala que trouxera quando deixou a casa dos pais para fazer a faculdade o fizera sentir-se tão independente. Para não dizer que nunca havia trabalhado, quando tinha uns 12 anos, um tio lhe deu uma graninha durante um tempo para que ele cuidasse de seus cachorros. Mas agora teria seu próprio dinheiro. Na medida em que se aproximava do terminal de ônibus, ia se intensificando aquele friozinho na barriga. Mas estava tudo sobre controle. Já podia imaginar sua mesa. O computador, e os papéis que ficariam sobre sua responsabilidade. Sim, era um estágio. Ainda nada garantido. Mas aquele crachá no pescoço, aquela roupa, e o fim da graduação se aproximando, tudo somado, nesses últimos meses, o faziam sentir que a vida adulta enfim chegava.

De repente se via pensando em tantas coisas novas e assustadoras. Não era só a profissão, mas a estabilidade que desejava, e os planos que talvez devesse começar a fazer: filhos,casar, comprar uma casa. Não nessa ordem, de preferência... Sentia vontade de correr, como aquela vez que havia, contra todas as recomendações da mãe, chutado bola dentro de casa e quebrado o vidro da janela da sala. Vontade de correr, pra não ter que responder nem pagar... Correr pra adiar um pouco o inadiável...

Mas agora, as 7:45 da manhã, da primeira segunda-feira de agosto, caminhava sem pressa e sorria. Uma coisa de cada vez. E agora era a hora do trabalho, da emoção do primeiro emprego, mesmo com todas as incertezas, sabendo que era só um estágio. Mas sentia-se feliz, como quando seu time ganhara o campeonato municipal de futebol de salão e ele foi o artilheiro. Só feliz. Sem preocupar-se com o que virá.

A camisa impecável, salmão, atravessou a catraca do terminal.

5 comentários:

Vanna disse...

Menina, q linda história, melhor, q bem contada linda história.
bjs, lindo fim d semana.

Carolina Bonturi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carolina Bonturi disse...

será que ele vai poder escolher o desenho do wallpaper do desktop?

... porque se ele puder, bem que podia ser uma rede de futebol.

Carolina Bonturi disse...

será que ele vai poder escolher o desenho do wallpaper do desktop?

... porque se ele puder, bem que podia ser uma rede de futebol.

Francine Ribeiro disse...

hehe! também apostaria numa rede de futebol...

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