Na cadeira de balanço, em seu vestido desbotado, não porque não tivesse outro, mas porque aquele era especial, ela, de olhos fechados, movimentava os dedos levemente sobre a barriga, e tinha no rosto um sorriso. Em meio aquele monte de lembranças, deliciosa e propositalmente trazidas diante de seus olhos cerrados, ela era uma jovem senhora, de cabelos bem penteados, de sapato e vestido vermelhos. Contava 26 anos. Recém casada, tão cheia de planos e de sonhos. A música que agora se ouvia na sala era a mesma que fazia fundo para a imagem congelada na fotografia que se encontrava sobre a mesinha, ao lado da cadeira de balanço Ele era elegante. Metido naquele uniforme, transbordava nos olhos uma felicidade que não cabia dentro de si.
Ela abriu os olhos e delicadamente trouxe até o colo uma caixinha de madeira. Fotos. Das crianças, agora homens e mulheres com suas próprias crianças. Lembrava de cada detalhe, de cada circustância daquelas fotografias. As roupinhas que usavam, algumas ainda estavam guardadas no baú, juntamente com os uniformes de Joaquim. Para cada foto, depois de olhá-la demoradamente, fechava os olhos e procedia com o mesmo ritual. Reconstruía a cena. Até mesmo podia ouvir os barulhos. Vozes de criança no parque, nos passeios de domingo. Vozes familiares já tão distantes, nos almoços na casa dos pais. Um ou outro carro. E os cheiros? De fruta madura. De chuva. De flores. De bala de menta, as preferidas dela.
Não, as lágrimas que vieram molhar seu rosto não eram de tristeza. Quem disse que a vida não teve seus dias triste? Teve sim. Teve doença, teve preocupação, teve dificuldade financeira, teve ciumes, teve medo, teve morte. Mas ela não via nisso motivo para ser triste. As lágrimas eram misto de saudade e de satisfação. Sabia olhar para trás e reconhecer os muitos momentos felizes que iam além, muito além, daquelas fotos espalhadas pela casa em porta retratos. Até se lembrava que por trás de um sorriso de foto, muitas vezes tinha um coração apertado e choroso. Mas isso era a vida. E seus 80 anos lhe davam uma serenidade que nem sempre lhe acompanhara.
O dia do acidente que lhe deixara só com as crianças, era, com certeza, o marco de uma nova etapa. De ser forte. De ser por si e por eles o que ele até agora fora para todos: tranquilidade, fortaleza. Era tão jovem ainda. Quarenta e sete anos, quatro filhos, e o azar de estar no lugar errado, na hora errada. Foi uma morte estúpida. Um acidente no mais exato sentido da palavra. Caminhava num sábado de manhã em busca de um presente para ela - aniversário que lhe trouxe triste presente. Parou em frente uma vitrine. Um vestido azul. Entrou e comprou. Ao sair da loja, um pouco distraído, ainda ficou por um tempo parado diante da vitrine e foi então que aconteceu. Um carro desgovernado veio calçada dentro e o acertou em cheio. Não teve tempo de nada, morreu segurando a sacola com o vestido que agora ela usava.
Eles se conheciam desde sempre. Moravam na mesma rua. Frequentaram a mesma escola, as mesmas festinhas, tinham os mesmos amigos. Ela tinha cabelos longos e gostava de dançar. Ele logo se enfiou na farda, e era de poucas palavras. Mas com ela ele sorria. Com ela fez planos, se casou, teve filhos, e falava em ter uma casinha no campo, onde poderiam ver os netos brincar e crescer. Ela era professora e ensinou as primeiras letras para os filhos. E depois lia livros, tomava a tabuada, corrigia todas as tarefas.
Os filhos, ela já imaginava, estavam preparando a festa costumeira: almoço, bolo, amigos, netos. Por isso ela quis comemorar hoje sozinha, só com ele. Quanto tempo mais viveria? A saúde estava boa, os últimos exames diziam que tinha um coração melhor do que de muitos jovens. Mas sentia um cansaço de viver. Achava que já tinha feito muito. Não tinha ilusões de reencontro, acreditava na vida e depois, depois era segredo. Mas lá no fundo, sabia que o segredo era que tudo estaria acabado. Mas isso, antes de assustar ou entristecer, lhe trazia uma sensação de descanso merecido.
Fechou os olhos, ainda com aquele sorriso de quem estava em paz com a vida. Cantarolava baixinho a música que vinha da vitrola. E adormeceu.
Ela abriu os olhos e delicadamente trouxe até o colo uma caixinha de madeira. Fotos. Das crianças, agora homens e mulheres com suas próprias crianças. Lembrava de cada detalhe, de cada circustância daquelas fotografias. As roupinhas que usavam, algumas ainda estavam guardadas no baú, juntamente com os uniformes de Joaquim. Para cada foto, depois de olhá-la demoradamente, fechava os olhos e procedia com o mesmo ritual. Reconstruía a cena. Até mesmo podia ouvir os barulhos. Vozes de criança no parque, nos passeios de domingo. Vozes familiares já tão distantes, nos almoços na casa dos pais. Um ou outro carro. E os cheiros? De fruta madura. De chuva. De flores. De bala de menta, as preferidas dela.
Não, as lágrimas que vieram molhar seu rosto não eram de tristeza. Quem disse que a vida não teve seus dias triste? Teve sim. Teve doença, teve preocupação, teve dificuldade financeira, teve ciumes, teve medo, teve morte. Mas ela não via nisso motivo para ser triste. As lágrimas eram misto de saudade e de satisfação. Sabia olhar para trás e reconhecer os muitos momentos felizes que iam além, muito além, daquelas fotos espalhadas pela casa em porta retratos. Até se lembrava que por trás de um sorriso de foto, muitas vezes tinha um coração apertado e choroso. Mas isso era a vida. E seus 80 anos lhe davam uma serenidade que nem sempre lhe acompanhara.
O dia do acidente que lhe deixara só com as crianças, era, com certeza, o marco de uma nova etapa. De ser forte. De ser por si e por eles o que ele até agora fora para todos: tranquilidade, fortaleza. Era tão jovem ainda. Quarenta e sete anos, quatro filhos, e o azar de estar no lugar errado, na hora errada. Foi uma morte estúpida. Um acidente no mais exato sentido da palavra. Caminhava num sábado de manhã em busca de um presente para ela - aniversário que lhe trouxe triste presente. Parou em frente uma vitrine. Um vestido azul. Entrou e comprou. Ao sair da loja, um pouco distraído, ainda ficou por um tempo parado diante da vitrine e foi então que aconteceu. Um carro desgovernado veio calçada dentro e o acertou em cheio. Não teve tempo de nada, morreu segurando a sacola com o vestido que agora ela usava.
Eles se conheciam desde sempre. Moravam na mesma rua. Frequentaram a mesma escola, as mesmas festinhas, tinham os mesmos amigos. Ela tinha cabelos longos e gostava de dançar. Ele logo se enfiou na farda, e era de poucas palavras. Mas com ela ele sorria. Com ela fez planos, se casou, teve filhos, e falava em ter uma casinha no campo, onde poderiam ver os netos brincar e crescer. Ela era professora e ensinou as primeiras letras para os filhos. E depois lia livros, tomava a tabuada, corrigia todas as tarefas.
Os filhos, ela já imaginava, estavam preparando a festa costumeira: almoço, bolo, amigos, netos. Por isso ela quis comemorar hoje sozinha, só com ele. Quanto tempo mais viveria? A saúde estava boa, os últimos exames diziam que tinha um coração melhor do que de muitos jovens. Mas sentia um cansaço de viver. Achava que já tinha feito muito. Não tinha ilusões de reencontro, acreditava na vida e depois, depois era segredo. Mas lá no fundo, sabia que o segredo era que tudo estaria acabado. Mas isso, antes de assustar ou entristecer, lhe trazia uma sensação de descanso merecido.
Fechou os olhos, ainda com aquele sorriso de quem estava em paz com a vida. Cantarolava baixinho a música que vinha da vitrola. E adormeceu.
Um comentário:
Oi, Francine! Vim retribuir sua visita ao meu blog e aproveitar para dizer que sempre que quiser pode visitá-lo, comentar, interagir. Adorei o seu espaço! Abraço
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