terça-feira, 12 de julho de 2011

Pesadelo

É verdade que sempre se dizia insatisfeita com sua aparência. Até tinha pensado em usar suas economias para fazer uma cirurgia plástica. O nariz, principalmente, era o que lhe incomodava toda vez que se olhava no espelho ou que observava alguma foto sua. O achava grande demais para o seu rosto e aquele formato tão peculiar que ele tinha em nada lhe agradava. Ninguém na família tinha aquele nariz meio arredondado, e grande daquele jeito, tão desproporcional ao seu rosto miúdo. Mas o que via diante de si, refletido no espelho, era assustador. 

Mas como aquilo tinha acontecido? Sentia uma dor de cabeça familiar, como se levantasse depois de uma noite daquelas e estivesse com uma ressaca homérica, como aquelas dos tempos da faculdade. Mas não tinha ido para nenhuma festa. Estivera a noite toda bem ali, no seu quarto, dormindo. Ou não?

E como explicar aquele rosto? A primeira sensação foi de que ainda não tivesse acordado. Coçou os olhos, apertou-os mesmo, a fim de acordar, se fosse o caso. Mas aquela imagem diante de si não desaparecia. Começou loucamente a se apalpar e mal podia acreditar em toda aquela mudança. Sentiu-se gelar por completo. Aterrorizada e sem nenhuma ideia do que estava acontecendo, resolveu voltar para a cama. 

Só então percebeu que estava num quarto que não era o seu. Onde estava sua gigante janela de vidro, que dava de frente para a praça da igreja? Onde estava sua estante e todos os seus livros? Que cama era aquela na qual esteve deitada? E por quanto tempo estivera naquele quarto? A cabeça doía ainda mais. Sentiu que iria vomitar. As pernas não obedeciam seus comandos, não conseguiu caminhar até o banheiro, e não pode alcançar a cama. O corpo se estendeu no chão. O quarto parece girar. Ela fecha os olhos e algumas imagens desconexas se formam.

Um acidente de carro. Sentia dor. O rosto sangrava. Uma sala de cirurgia. Vozes e luzes, portas que se abriam e fechavam. Uma escuridão sem fim. Voltou a abrir os olhos. E tentava se acostumar com aquele quarto. Procurava uma porta. Procurava alguma pista de como viera parar naquele lugar. Com muito custo conseguiu levantar. Caminhou até a porta. Estava trancada. Ela batia na porta e pedia socorro. Mas nenhuma resposta. 

Mais uma vez foi até o banheiro e, diante do espelho, aterrorizada, com aquela estranha sensação de que tudo não passava de sonho ruim do qual acordaria a qualquer momento, encarava aquele rosto estranho. Aquele nariz fino e arrebitado. Aqueles olhos levemente puxados e os lábios tão mais salientes. Quem era? Grossas lágrimas corriam por aquela face totalmente desconhecida que insistia em ocupar o lugar do seu velho rosto no espelho. Quem teria feito aquilo e por quê? O desespero crescia a cada minuto. 

Sem nenhum controle da situação, abria os armários do banheiro, buscava qualquer coisa que pudesse lhe dar alguma pista do que estava acontecendo. A dor de cabeça fazia tudo parecer distante e confuso. Derrubava toalhas e sabonetes e, de repente, encontrou um estilete na gaveta superior do armário da pia. Não sabia bem porque mas quase num impulso fez um corte profundo no braço esquerdo. Quando o sangue espirrou, sentiu uma tontura aguda e caiu. 

***

A cabeça doía como nunca. Do lado da cama o relógio fazia aquele costumeiro e irritante barulho. A respiração estava ofegante. Desligou o relógio. Correu os olhos ao redor: estava no seu velho quarto. Lá estava a janela, por onde entrava aquela luz anunciando uma nova manhã. Levantou-se num pulo, ao lembrar do sonho, e caminhou em direção ao banheiro.

E qual não foi sua surpresa quando olhou para o espelho?


3 comentários:

Kelly Christi disse...

Eu acho que a não surpresa pra personagem foi ver que era um sonho, a surpresa talvez pessoal seja pra pensar um pouco em qual espelho perdeu sua face, como dizia cecilia meireles. Pq. a gente se deixa levar muitas vezes por revistas, coisas e nunca tá bom, e ai muitos se perdem na vaidade e dá no que dá, nem sempre é só um sonho ruim, do qual se acorda e acaba...

Blog Virando Jornalista disse...

A surpresa foi com o tamanho de sua beleza, capaz de lhe proporcionar a maior e mais verdadeira felicidade do mundo: aquela que encontramos em nós mesmos, com quem somos, sem espelhos.

Belo suspense, Fran! Gostei.
Um beijo.

Matheus

Francine Ribeiro disse...

Kelly, Matheus,
Obrigada pela visita e pelos comentários!

bjins

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