A ministra da Cultura, Marta Suplicy (até hoje não entendi porque essa senhora 'virou' ministra da cultura...), disse em entrevista, a respeito do vale Cultura aprovado pela presidente Dilma Rousseff há poucos dias, que o trabalhador terá liberdade para comprar o que quiser, e se ele quiser comprar revista porcaria, ele poderá.
Sei que falar sobre cultura não é um tema tão simples. Afinal, há muito desacordo a respeito do que o termo 'cultura' abrange e, portanto, quais coisas devem ser consideradas ou não no âmbito da Cultura. Mas vamos combinar que revistinhas de fofocas e similares estão longe de agregar qualquer coisa na vida de alguém.
Mas o problema é bem maior do que saber o que colocar e onde. O problema é que o 'trabalhador' brasileiro que será beneficiado com o vale cultura não tem/teve educação que o ensinasse apreciar a leitura de um bom livro de literatura ou uma orquestra sinfônica ou uma escultura ou uma pintura. O acesso a todos esses bens no Brasil é restrito, porque está fora das possibilidades financeiras de muitos de nós (inclusive nós professores!). No entanto, se em nenhum momento o cidadão é despertado para o valor de todas essas produções culturais, de nada adianta dar dinheiro (R$50,00 por mês) na mão do trabalhador na hipótese de que isso por si só resolverá o problema do acesso àquilo que silenciosamente/oficialmente tem-se aceito sob o título de cultura. A falta de acesso à cultura no Brasil está pra além do dinheiro.
A dita Cultura não é acessível porque é estranha à maioria dos cidadãos. E essa estranheza tem uma razão de ser. Infelizmente, muitos professores da rede pública chegam na sala de aula cegos pelo preconceito que eles têm a respeito do tipo de alunos que lá estão e, graças a esta cegueira, são incapazes de cumprirem com o seu dever de tirar os alunos do senso comum, de mostrar a eles que o mundo é bem mais vasto do que a realidade imediata que os cerca. Muitos professores dizem que não vale a pena investir nesse tipo de aluno, porque eles não vão entender nada. Levar alunos da escola pública numa visita a um museu é visto como loucura. Já ouvi professor dizendo que não se preocupa em preparar uma boa aula pra esse tipo de aluno porque é o mesmo que atirar pérola aos porcos.
Enquanto esse tipo de professor existir nas escolas públicas e enquanto esse tipo de ideia medíocre estiver rondando nossas escolas, os cidadãos que saem das escolas vão usar o vale cultura para comprar revistinha de quinta. Mas isso não é uma questão de liberdade, ministra Marta, é questão de falta de oportunidade, falta de opção.
4 comentários:
É... pra vermos o tanto que a senhora Marta está comprometida e preocupada com a Cultura do povo.
Há anos, quando li sobre a intenção do vale-cultura, fiquei muito animado com a proposta. Pra mim, isso parecia tão longe da realidade do Brasil que vi com olhos para um bom avanço.
Lendo seu texto percebo que na verdade é, sim, fora da realidade do país por todos estes motivos que citou.
Acredito que é uma forma de incentivo muito bem-vinda que renderá novos interessados por cultura. Porém, o maior uso será feito mesmo por quem já coloca a mão no bolso para apreciar algo do tipo.
Beijão, Fran.
Matheus,
eu também vejo com bons olhos a iniciativa, só acredito que ela sozinha não será eficaz, pelos motivos que eu já apresentei. No entanto, se isso vier a contribuir para que surjam novos interessados por cultura, será ótimo!
Mas espero que haja também movimentos confluentes de conscientização em espaços de educação/escola, que proporcionem um melhor aproveitamento dessa iniciativa.
Abraço e obrigada pela visita!
Também vejo com bons olhos a iniciativa. Entretanto, longe de ser apenas uma questão de dinheiro, vemos que cultura é também resultado de nosso sistema educacional precário. Podemos observar, Fran, no próprio meio da "elite intelectual pós-graduanda" do país o quão pouco embasado e a superficialidade com o qual este tema é entendido.
Voltamos sempre a problemática da educação básica. Infelizmente, incentivo à cultura não é apenas um vale de 50 reais por mês. É questão de anos de incentivo e vivência educacional.
Concordo (e muito!) contigo!
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