sábado, 1 de novembro de 2014

Mitos sobre a Educação

"Estamos mal porque o nosso ensino médio, voltado para o vestibular, reprova a metade dos alunos que nele conseguem entrar e os condena ao contingente do 'nem estuda nem trabalha'"(retirado de Por que a educação precisa mudar?, grifo meu). 

O artigo do qual retirei a afirmação acima é claramente anti-petista (e não estou aqui para defender o pt ou qualquer outro partido, porque realmente não acredito que nenhum deles mereça qualquer defesa quando o assunto é educação) mas acredito que por isso, apesar de ser publicado num meio de comunicação do Estado de São Paulo, parece ignorar a situação calamitosa da educação nesse estado há tantos anos conduzido pelo psdb. Mas isso é apenas uma constatação, não pretendo tratar dessa questão, até porque o desgaste gerado por essa polarização pt/psdb já deu o que tinha que dar. 

A minha questão é bem pontual e diz respeito ao que deixei grifado na citação, a saber, a afirmação de que o 'ensino médio brasileiro é voltado para o vestibular'. Se o João Batista estivesse falando do ensino médio das escolas privadas, das redes Anglo, Objetivo, COC, e por aí vai, eu estaria de acordo. No entanto, todo o texto dele é focado em políticas públicas e em escolas públicas (ou eu estou equivocada?), centrado em ações ou na falta delas por parte do governo federal. Até onde eu sei, o maior contingente de alunos hoje está na rede pública e, por outro lado, as escolas que ideologicamente têm o ensino médio voltado para o vestibular são justamente aquelas que mais 'aprovam' seus jovens no vestibular das melhores universidades públicas desse país. Perceberam o problema?

Desde o fim da década de 90, eu ainda estava no ensino médio, tornou-se moda nas escolas públicas o discurso de que esse segmento escolar deveria 'preparar o aluno para a vida' (e não para o vestibular, subentende-se). Desde aquela época o meu questionamento era: e o vestibular não irá fazer parte da vida do jovem egresso do ensino médio? Que a ‘vida’ do aluno do ensino médio não se resume ao vestibular estou de pleno acordo. Mas daí a negar a existência do vestibular em nome de uma formação para a cidadania ou seja lá que nome se dá para isso me parece um grande erro. Mas talvez esse erro seja estratégico.

Como eu disse, esse discurso é comum nas escolas públicas.  Hoje eu sou professora da rede estadual de São Paulo, e posso garantir que o ensino médio dessa rede não é voltado para o vestibular.  Na verdade passa a anos luz disso, ainda mais se estivermos falando do vestibular das universidades públicas. Não sei se estou sendo clara, mas essa negação do conteudismo e da preparação para o vestibular só se dá para os alunos de classe baixa, que são os freqüentadores das escolas públicas. Os filhos da elite brasileira não precisam ser preparados para a vida, só para o vestibular mesmo.

Antes que me acusem de ser mais uma professora mercenária e conteudista, permitam-me defender-me: sempre estudei em escola pública e tive a sorte de ter tido professores que resistiram a esse discurso de negação ao vestibular e, na medida do possível, me deram condições de entrar numa universidade pública. E sim, sinto que houve intenções e ações efetivas que também visavam preparar-me para a vida, preocupados com minha formação enquanto cidadã.

Não vou negar que os discursos dos documentos que orientam a educação são bonitos e bastante sedutores, pois falam de formação de valores, de cidadania, de habilidades e competências que preparam o jovem para a vida em sociedade, para o exercício pleno da cidadania. No entanto, na prática isso tem virado desculpa para um total desprezo pelos conteúdos escolares. A tal ponto de descaracterizar o papel da escola. Nesse sentido, estou de acordo com o autor do artigo citado inicialmente, pois ele afirma que “a escola que serve para tudo não serve para nada”.

A educação precisa mudar! Não acredito que haja alguém que discorde disso. Mas essas mudanças não podem ser feitas para apenas uma parte, a pública, no caso. Pode parecer extremismo – que seja!, mas eu acredito que a primeira e mais profunda mudança que a educação necessita é acabar com essa separação entre público e privado. Ou melhor, acabar com a exploração da educação pela iniciativa privada. Depois desse primeiro passo, precisaríamos discutir as políticas públicas educacionais com seriedade, enquanto ações públicas em vista da educação e não como politicagem, cujos interesses são bem outros que a qualidade da educação do povo brasileiro.

Só para finalizar, não acho que o grande vilão é o vestibular, mas sim a desigualdade de oportunidades que têm sido oferecidas nesse sistema misto que comporta educação pública e privada com diretrizes tão diferentes, para os jovens do ensino médio brasileiro. E não podemos tapar o sol com a peneira, jogando toda a responsabilidade para o governo federal, sem observar os insistentes equívocos de políticas públicas de secretarias de educação estaduais, que gozam de autonomia suficiente para montar seus currículos e criarem (ou não) planos de carreira para o professorado. Enfim, os problemas são tantos quando falamos desse assunto, que me parece complicado colocar no mesmo pacote toda sorte de responsabilidades para o fracasso da educação hoje. 

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