A violência que vemos explodir
nas escolas nos últimos meses pode ser entendida como mais uma consequência da
violência política característica de grupos armamentistas; mas também reflete
mazelas profundas de uma sociedade que está doente
Nesta segunda-feira, 27/03/2023, leio com tristeza e pesar
que uma escola estadual da zona oeste de São Paulo, Escola Estadual Thomazia
Montoro, na Vila Sônia, passou por uma experiência traumática: um adolescente
de 13 anos atacou com facadas colegas e quatro professoras, sendo que uma delas
não resistiu aos ferimentos e faleceu.
Se durante muito tempo nos acostumamos a ter notícia
de cenas como essas acontecendo lá longe, nos EUA, infelizmente, parece que o
problema, pelo menos desde 2019, tem rondado nossas escolas. No ano passado,
tivemos dois casos de atentados que terminaram em óbito em escolas do Espírito
Santo e da Bahia. Um outro atentado a tiros numa escola do Ceará, felizmente
não deixou mortos.
Os desavisados de plantão, e os mal-intencionados de sempre,
se aproveitam de uma tragédia como a de hoje para defender suas ideias tortas:
militarização de escolas, armar professores, diminuir maioridade penal. E não
falta governador, secretário de educação e afins demonstrando o quão
despreparados estão para lidar com a Educação desse país.
Nos últimos anos, os discursos de ódio e de intolerância
ganharam terreno em nossa sociedade. Mas os discursos de ódio foram
acompanhados de crescente apologia às armas e de uma política de flexibilização
na venda de armas que nos aproximou um pouco do contexto estadunidense que por
anos facilitou o acesso de crianças e adolescentes a armas de fogo. Ao lado de
palavras violentas, cresceram também as ações violentas: todos os tipos de
violência contra mulher tiveram aumento no último ano, o aumento da violência
nas escolas também já havia sido detectado pelas próprias Secretarias de
Educação dos Estados (Casos de violência e ameaças aumentam 48% em escolas
de São Paulo, Folha de São Paulo, 9 de abril de 2022).
As redes sociais em muito colaboraram com esse triste estado
de coisas. Isso não é novidade para ninguém.
Nesse sentido, não deve surpreender também o fato de que o adolescente
autor do atentado de hoje tenha anunciado o ataque em um post em rede social na
manhã desta segunda-feira. Segundo a polícia, ele escreveu ter aguardado por
esse momento a “vida inteira” e que esperava matar ao menos uma pessoa. O resto
todo deveria nos assustar muito. Que tipo de vida levaria uma criatura de 13
anos afirmar que esperou a “vida inteira” para uma ação como a que levou a
cabo? O que foi que deu de errado para uma criatura de 13 anos desejar matar
alguém?
Certamente há muitas coisas a serem investigadas. O
adolescente parece ter um histórico de violência, o que teria motivado sua
transferência esse ano para a Escola Thomazia Montoro. Mas, independente de
quais sejam as respostas, não me parece que colocar polícia dentro das escolas
seja o tipo adequado de solução ou prevenção para que tragédias como essa não
venham a se repetir.
Estamos vivendo numa sociedade adoecida. As telas que conectam são as mesmas que
distanciam, que nos desumanizam e que nos fazem desumanizar o outro. Não há
solução simples para situações complexas. O enfrentamento a esse tipo de
situação passa pela conscientização de todos nós da importância das escolas na
construção de uma sociedade mais humanizada, menos violenta, mais empática,
mais acolhedora, uma escola que possa ser transformadora da realidade e não
reprodutora de suas mazelas.
Não é possível, no entanto, esperar que as escolas e seus
profissionais, professores e demais funcionários, do jeito que estão hoje,
tenham condições de lidar com os desafios que se apresentam. Não quando o
próprio abandono a que centenas, milhares de escolas enfrentam hoje é uma forma
de violência: prédios deteriorados, com goteiras, com vazamentos, com falta de
água. Não quando os profissionais da educação são reiteradamente tratados como
“caso de polícia” quando reclamam das péssimas condições de trabalho e da desvalorização
a que estão submetidos. Não quando os estudantes pobres têm seus direitos de
aprendizagem violados, com falta de professor, com (de)formas que aumentam as
diferenças entre eles e os estudantes ricos. Não quando a sociedade enxerga a educação
como “gasto” que precisa ser contido, cortado para que se possa honrar
pagamento de juros a meia dúzia de investidores.
A violência simbólica que perpassa o dia a dia escolar (e por
que não dizer todo nosso cotidiano) também precisa ser alardeada. Porque a violência
que se materializa em facadas e tiros muitas vezes é só mais uma das muitas
violências que têm sido a regra, e não a exceção, nesses espaços. Se realmente
nos vemos preocupados diante de casos extremos como o de hoje, é preciso que,
como sociedade, sejamos mais incisivos em cobrar das autoridades políticas
públicas sérias, responsáveis e que realmente estejam comprometidas com a
existência de escolas capazes de acolher, que ofereçam oportunidades de futuro,
que, acima de tudo, sejam capazes de fazer com que jovens de 13, 15, 17 anos
possam sonhar, vislumbrar uma vida melhor e não sejam sugados pela falta de
esperança, pelo desespero e pela crueza de uma realidade que transforma jovens
em assassinos. Uma vida inteira – para alguém de 13 anos – é só o começo. E não
podemos aceitar que o começo da vida de nossa juventude seja planejando
atentados e desejando morte.
Precisamos reconhecer que a violência que explode hoje nas
escolas é a mesma violência que tem nos adoecido nos últimos anos. Combater
essa violência exige muito mais que frases de efeito e promessas feitas no
calor do momento. Exige compromisso com uma visão de mundo mais humana, que
trate as pessoas não como números ou como coisas. Os professores, os estudantes
e toda a comunidade da Escola Estadual Thomazia Montoro precisam se sentir
abraçados e acolhidos hoje. E todos nós, que entendemos a gravidade da
situação, precisamos nos colocar na luta em favor de uma educação amorosa,
justa e libertadora, capaz de abrir portas e janelas para que crianças,
adolescentes e jovens possam voar e construir o novo – oxalá construam um novo
melhor do que o que temos agora.
Um comentário:
Excelente texto. Grato pela partilha. Prof. Rodolfo.
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