O mesmo assunto mais uma vez rondava seus pensamentos: a morte. Como são estranhas - pensava - essas idéias esquisitas que vez em sempre me vem à cabeça...
Muitas vezes havia experimentado aquela sensação indescritível. Sentia, com uma nitidez enlouquecedora, que todos a sua volta lhe escondiam um segredo. Mas um segredo que ela já sabia: que ela iria morrer. Podia sentir nas palavras e nos olhares que lhe dirigiam. Tentavam fingir que não sabiam. Tentavam disfarçar. Mas era evidente o desconforto e a apreensão deles...
Certa vez foi sua dentista. Chegou para a consulta 10 minutos adiantada. Sentou e esperou ser chamada. Quando entrou, via no olhar dela uma tristeza. Era como se ela dissesse: "Pobre garota, ainda tão jovem.. que desperdício!" Ela foi terna e segurou as lágrimas. Perguntou como ia a faculdade. Quando eu me formaria. Mas quando fazia silêncio, eu podia sentir o constrangimento dela. Ela sabia que eu ia morrer. Mas não queria me dizer. Não desconfiava que eu já tinha percebido...
Outras vezes foram atendentes de supermercados e lojas. Podia ver na cara deles o terror de saberem que eu ia morrer. E todos tentando ignorar que eu já sabia. Todos tentando fingir para eles mesmo que a morte não chegaria... nem para mim, nem para eles...
Agora, sozinha na sala de casa, sentia mais uma vez que todos sabiam de algo, que ela mesma, só desconfiava. Na verdade, desde pequena, tinha uma quase certeza de que sua vida seria curta. E cada ano que passa, essa sensação de vida curta aumenta mais e mais. Nunca conseguiu se imaginar bem velhinha. Em seus sonhos, o fim de tudo é sua juventude. Quando adolescente, fazia planos e tinha alguns objetivos bem traçados, mas não conseguia ver nada para além dos vinte e poucos anos. Agora, com vinte e poucos anos, sente que a cada dia que passa, fica mais perto da morte. Não sabe ainda se tem medo... Medo da morte? de morrer? bom, como diz Quintana, o problema não é morrer, mas sim deixar de viver...
Pensa tanto nisso que as lágrimas escorrem por toda sua face. Sozinha, apenas pode sentir a solidão que o deixar de viver causará. Um vazio. Sim, todos nós deixaremos um vazio. Não no mundo material. Tão logo damos o último suspiro e a matéria que agora nos compõe corre em direção a outras matérias, prontas para formar novos corpos... O vazio que deixamos é no mundo das palavras, dos sentimentos. Seremos um nome vazio. Lembranças vazias. Amores vazios. Saudades vazias...
Hoje esses pensamentos estranhos vieram novamente. Como se o vento soprasse secretamente por entre as folhas que balançam ali fora, que todos sabem que ela vai morrer. Mas o pior é que ela sente que há uma doença grave e feia. Esse é o motivo de seu pavor por médicos e hospital. Teme receber a qualquer momento a desagradável notícia... Prefere assim, sentir que é só a morte. A morte para qual caminhamos desde nosso primeiro choro. Sempre brinca consigo mesma que nascemos morrendo e assim é por toda a vida. Cada minuto vivido é um minuto morrido...
2 comentários:
poxa!!! agora eu entendo quando o Denis dizia q a gente sempre lê até o final. Muito bom o texto.
"Cada minuto vivido é um minuto morrido..."
Só não deixe q a morte atrapalhe sua vida!
bjo!
''... Seremos um nome vazio. Lembranças vazias. Amores vazios. Saudades vazias... ''
De fato isso é uma das melhores descrição da morte que já li, por que como você disse, Quintana sabia das coisas!
Abraços!
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