Ontem Sérgio Moro, atual ministro da justiça e segurança pública de Bolsonaro e ex-juiz da lava-jato, esteve no centro do Roda Viva, na Cultura. A ausência de jornalistas envolvidos na Vaza-Jato no time que iria entrevistar Moro, fossem eles jornalistas do The Intercept Brasil (TIB) ou de outros veículos parceiros da série de reportagens, fez com que as redes sociais entrassem em ebulição na semana passada pedindo a presença desses profissionais. O pedido não foi atendido, mas os jornalistas presentes na bancada pegaram mais pesado do que se esperava com o superministro de Bolsonaro. No entanto, suas respostas foram, como sempre, evasivas, desconexas, cínicas, cheias de mas veja bem, tudo naquele adorável som de desafino que sua inconfundível voz possuí. A equipe de jornalistas do TIB fez questão de acompanhar a entrevista no seu canal no Youtube, para quem quiser maiores detalhes das mentiras e desculpas esfarrapadas do ex-juiz, vale a pena conferir. Minha intenção não é comentar a entrevista de ontem, mas é pensar um pouco a relação de Moro com o fenômeno que vem sendo chamado bolsonarismo no Brasil.
Alguns jornalistas e intelectuais já levantaram a bola de que o bolsonarismo seria maior que Bolsonaro. Em seu novo livro, Brasil: construtor de ruínas, Eliane Brum defende a hipótese de que seja possível bolsonarismo sem Bolsonaro. Segundo ela, "a pessoa e o personagem Jair Bolsonaro deram nome e forma a este fenômeno que testemunhamos nascer e conquistar o Brasil." No entanto, a autora diz suspeitar que, "pelo seu próprio conteúdo, o bolsonarismo vai muito além de Bolsonaro e, em determinadas condições, pode prescindir dele." (BRUM, 2019, p.237). Eliane afirma que "o bolsonarismo é um fenômeno da democracia brasileira, de como ela foi fundada e de como se desenrolou, e é um fenômeno que ganha força pelo modo como o PT se tornou governo, no que fez de bom e no que fez de ruim." (BRUM, 2019, p.237).
Se aceitamos a hipótese de Eliane a respeito do fenômeno bolsonarismo, podemos nos perguntar quem seriam os candidatos a ocupar o lugar de Bolsonaro, uma vez que ele viesse a ser defenestrado ou, por qualquer outro motivo, viesse a perder a posição que ocupa hoje. Para mim a resposta é muito clara: Sérgio Moro é o candidato natural a essa posição. Bolsonaro também sabe disso, por isso tratou logo de colocá-lo no bolso, ou melhor, no governo, debaixo do seu nariz. Mas parece que a estratégia não tem saído exatamente favorável ao presidente. As pesquisas têm mostrado que a popularidade de Moro segue maior do que a de Bolsonaro, apesar das denúncias da Vaza-Jato, as quais ontem o ministro chamou de "bobageirada". As pretensões de Moro de se tornar presidente do Brasil continuaram assombrando Bolsonaro mesmo tendo o ex-juiz debaixo de suas ordens. Questionado ontem sobre possível candidatura em 2022, Moro deixou clara suas intenções ao negá-las. Fez o que os políticos costumam fazer. Por sinal, para um ex-juiz que dizia não ter pretensões políticas, ele tem mostrado que possui todas as piores características dos maus políticos: mente de forma descarada, é cínico, afirma suas intenções negando-as, é vago, escorregadio e prolixo.
Depois da entrevista de ontem, mais do que nunca é preciso colocar Moro na roda sempre que formos discutir o cenário eleitoral de 2022. Também me parece importante revermos o nome que foi dado ao fenômeno que se materializa hoje no país. Chamá-lo de bolsonarismo pode criar ilusões a respeito da sua durabilidade e das consequências que ele terá na vida de todos nós. Não seria o caso de darmos nomes mais apropriados ao que vivemos? Principalmente depois do episódio que culminou com a exoneração de Roberto Alvim da secretária de cultura? O flerte do ex-secretário com o conceito de cultura do nazismo e seu plágio mal disfarçado de Goebbels não deveriam servir de alerta? Por que relutamos em aceitar que o fenômeno que hoje toma conta do Brasil é também uma cópia mal disfarçada de movimentos fascistas?
Nesse sentido, a pesquisadora Thatiane Oliveira propôs uma análise muito interessante acerca da relação entre o movimento fascista e o 'bolsonarismo', que, segundo ela, "não é o mesmo que o 'governo de Jair Bolsonaro', assim como 'movimento fascista', não é o mesmo que 'regime fascista'" (texto disponível aqui). A análise de Thatiane me parece ser um bom caminho para pensarmos as próximas cenas da distopia que experimentamos diariamente. Se, como me parece, o bolsonarismo vai além do clã Bolsonaro e a liderança do fenômeno pode vir a ser ocupada por outros personagens, é preciso ter claro diante de nós do que se trata, que fenômeno é esse. Amanhã ou depois, Moro e similares poderão tentar dar uma cara nova para os mesmos anseios e ideias destrutivos que estão na base do que hoje chamamos 'bolsonarismo'. Esmiuçar esse fenômeno não é tarefa tão simples, mas é urgente, e muitos já começam a desbravar esse caminho.
Originalmente publicado no Diário do Engenho.
Originalmente publicado no Diário do Engenho.
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