domingo, 5 de outubro de 2025

Coincidência

Eu parei de roer as unhas. Mas você não reparou. Pensando bem, quando foi a última vez que você reparou em mim? Semana passada, quando disse que aquele vestido verde, que eu amava, estava me fazendo parecer velha e gorda? Ou foi no final do mês passado, quando você me mandou tirar o batom porque estava horrível? Talvez a última vez que você realmente reparou em mim tenha sido no final do ano passado, quando você me fez trocar de blusa, porque o roxo no meu braço estava chamando muita atenção. Mas eu parei de roer as unhas. Lembrei que, quando nos conhecemos, você elogiou as minhas mãos. Você as segurou com delicadeza, deu um beijo em cada uma delas e disse que era uma pena as unhas estarem muito compridas e com esmalte tão escuro. Por meses eu apenas usei renda e mantive as unhas rentes ao dedo. Mas você nunca mais elogiou as minhas mãos. Mas agora eu parei de roer as unhas. E não foi por você. Ou foi, não sei bem. Estou confusa. Mas me lembrei de que você parecia sentir prazer em me ver roer as unhas até sangrar. No carro, naquelas voltas para casa, depois de sair com os seus amigos ou com o pessoal do seu trabalho, quando o silêncio entre nós pesava toneladas. Eu sabia o que iria acontecer quando chegássemos em casa. Ou porque eu havia mostrado os dentes demais ou porque havia ficado emburrada. Porque eu tinha dado corda para algum garçom que estava me paquerando. Ou porque eu simplesmente disse algo que desagradou algum dos seus amigos. Motivos não faltavam. Mas eu parei de roer as unhas. E espero que você não tenha tempo para notar. Quando você chegar, a casa estará limpa e impecável, como você gosta. A mesa já estará posta. E até a sua cachaça já estará no copo. Eu mesma fui comprar. Fiz tudo direitinho. Desta vez você não terá motivos para reclamar. Você leu o jornal hoje? Não, acho que não. Espero que não. Eu li. Mais de 100 casos suspeitos de intoxicação. Onze mortes sendo investigadas. Metanol em destilados. E eu parei de roer as unhas. Faz quase dois meses e você nem reparou. Talvez seja só coincidência, mas tenho me sentido tão animada e confiante. Passei a sentir saudade de mim, de como eu era antes de conhecer você. Eu não roía as unhas. Era primavera quando nos encontramos, num bar, depois do trabalho. Eu trabalhava naquela época. Ontem eu percebi que as primaveras e as caliandras estão floridas, as sibipirunas e os jacarandás colorindo as ruas da cidade em amarelo e roxo. Eu vi da janela do nosso quarto. Também percebi que os pássaros estão cantando, formando casais, fazendo ninhos. E eu parei de roer as unhas. Amanhã vou pintá-las de vermelho carmim. Não, talvez amanhã não. Mas em breve. E você não irá notar.


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