quinta-feira, 20 de maio de 2010

Afrodite

Era jovem, bonita e de boa família. Prendada como todas as mulheres de seu tempo deveriam ser. Além dos serviços da casa, ou melhor, além de saber como administrar uma casa, tinha apreço por poesia e tocava piano. Era a terceira de uma família de cinco filhos, sendo que acima dela estava o irmão mais velho e uma irmã. Abaixo vinha mais duas meninas que contavam seus 9 e 12 anos. Recentemente ela tinha assistido o noivado e os preparativos para o casamento da irmã. Já dera, então, sinais de que o pai teria problemas quando chegasse sua vez. Indignada ficou em ver o futuro membro da família. Um homem já com cabelos brancos, de cara enrugada e hábitos pouco gentis. Era dono de muitas terras e nisso se resumia o interesse da família. Como ela já tinha lido alguns romances também, disse certa noite, enquanto estavam presentes a mãe e a irmã:
- Eu quero me casar com um homem que me ame, e que eu também o ame muito.

A mãe torceu o nariz e fingiu não ter escutado. A irmã, de gênio mais dócil e já resignada com seu destino, disse que amor era coisa dos Romances, e que na vida mesmo o que uma mulher deveria buscar era um homem que lhe garantisse um bom lugar na sociedade, filhos saudáveis, e muitos vestidos e chapéus bonitos.
Quem fingiu não ouvir nada dessa vez foi ela, continuou falando dos amores dos livros, e que seria um amor daqueles que viveria.

No dia do casamento, vendo a irmã tão bonita, entrando na igreja conduzida pela pai, e sendo recebida por aquele homenzinho sem graça, teve vontade de rir mas, minutos depois, dando-se conta de que era sempre assim - lembrava-se agora da prima Angélica, da prima Luiza, da filha do fazendeiro vizinho e até mesmo da esposa de seu irmão mais velho, tinha a menina acabado de fazer 15 anos quando se casaram, e o dia do noivado foi a primeira vez que se viram- teve mesmo foi vontade de chorar. Não se casaria com qualquer um, porque o pai assim desejasse. Não mesmo! Estava decidido, precisava logo encontrar o amor de sua vida, cuidar de se arranjar ela mesma, antes que alguém decidisse por ela. Já estava para completar 16 anos. De repente se deu conta de que a próxima seria ela.

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Passado o tempo, ela havia até mesmo esquecido dos casamentos. Continuava lendo seus livros, tocando piano nos finais de tarde, jogando pedrinhas no ribeirão, correndo atrás de borboletas. Como a vida social não era muito agitada, não tivera tempo de encontrar o amor de sua vida. Mas sabia que só deveria se casar com alguém que fizesse seu coração bater como um trem descarrilhado, e que ao vê-lo sentiria seu rosto em chamas e as mãos trêmulas e frias.

Mas, deu-se, então, certo dia, que a mãe veio lhe dar aquela notícia. O pai havia arranjado casamento para ela. Deveria usar aquele vestido novo, encomendado dois meses atrás, porque naquela noite ele viria oficializar o noivado. A menina foi pega de surpresa. Ficou pálida, quis chorar, implorou com os olhos marejados, disse que não se casaria. Mas a mãe disse:
- Não me faça ter que chamar seu pai. A senhorita deve se comportar. Que ingratidão demonstra para com seu pai, que com cuidado lhe escolheu um homem justo, de posses, e de tão boa família. O que mais deseja? Que mais julga ter direito? - E virando-se para a porta arrematou: Deveria ter aprendido com sua irmã.

Ela poderia ter chorado por horas, mas sabia que isso nada resolveria. Talvez ele fosse uma boa pessoa. Talvez nem fosse tão velho quanto o marido da irmã. Talvez gostasse de poesia e música. Talvez ele gostasse dela e ela dele. Mas sabia bem que não era assim. Sabia que a irmã passava todo o dia sozinha, enquanto o marido cuidava de negócios, e também muitas noites em casa sozinha, enquanto ele festejava com os amigos. A irmã não estava feliz. Já tinham lhe perguntado quando viria o primeiro filho. Ela estava pálida e abatida. Nem sorria mais, e nem os caros vestidos e bonitos chapéus lhe faziam feliz. Ela precisava encontrar um jeito, não podia se casar com esse desconhecido.

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Era bem apessoado. Talvez ainda não tivesse 30 anos. Sorriso largo e falante. Tinha estudado no estrangeiro. Não gostava da vida na fazenda, falava maravilhas da cidade e não das pequenas, como aquela que ela conhecia, mas das grandes. Gostava do teatro e dos vinhos, falava francês.
Ela nunca tinha visto um homem assim antes. Pensou que talvez tivesse sorte. Ele lhe beijou a mão todo cheio de mesuras. Fez logo cara de entendido e disse que ela tinha mãos de pianista. Elogiou sua elegância e beleza. E depois de ouvir a mãe dizer que ela tocava muito bem valsas, ele disse que seria um imenso prazer ouvi-lá. Ele olhava de um jeito que a deixava encabulada.
Ela não resistiu ao noivado. E foi tudo como os conformes. Em 8 meses o enxoval estava pronto e o casamento se consumou. Ela era agora uma mulher. Foi morar na cidade. Ele gostava de festas. A casa estava sempre cheia. Amigos e amigas. Música, dança, poesias. Ela achava que aquilo era amor. Até o dia em que Eugênio apareceu. Velho conhecido do jovem esposo, e que a primeira vista lhe roubou todo afeto e desejo da jovem esposa.

De repente, cada vez que ele chegava, ela sentia as mãos trêmulas, toda ela gelava para em seguida sentir-se quente, como se o sangue do corpo todo viesse até a superfície de sua pele. Sentia-se corar, não sentia os pés no chão. Era impossível olhar-lhe nos olhos. Aquilo sim, era aquilo que sonhava ser o amor. Como nos livros. Nos muitos romances que o marido lhe havia dado de presente. Mas não era ele que lhe fazia sentir-se daquele jeito. Eugênio também só tinha olhos para ela. Pensava nela por muitas horas no dia. E sempre arrumava uma desculpa para visitar o amigo, mesmo quando sabia que ele não estava. Mas o que ele sentia não era amor. Era desejo dos fortes. Não era homem de amores, mas de aventuras. E ela não passava de mais um capricho seu. Apenas esperava o melhor momento para desfrutar daquele corpo bem feito, de pele clara, cabelos tão negros, boca carnuda.

E foi assim, numa tarde despretenciosa, quando sabia o amigo ter viajado, que resolveu fazer uma visita. Ela estava entretida com um novo romance. Deliciando-se com a história de uma jovem senhora e seu amante. Pensava que era ela. Queria que o fosse. Levou um susto quando a criada anunciou a chegada de Eugênio. E foi mesmo dentro de sua casa que ela se entregou a seu verdadeiro amor, enquanto ele, finalmente, possuía aquela mulher que se tornara seu capricho.

Foram mais meia dúzia de encontros e amassos. Ela sentia-se desfalecer ao toque das mãos dele. Suspirava quando ele não estava por perto. Mas ele foi direto ao ponto:

-Sabe que isso dever ter fim. Um pouco mais e seu marido descobrirá. Não quero perder o amigo. Essa será a última vez.

Ela não podia compreender as palavras direito. Sentiu um forte enjoo. Os olhos ficaram marejados. Os doces encantos do que julgava ser amor verdadeiro, de repente, de uma só vez, transformaram se nas amarguras de uma realidade nua. Fora apenas a amante. Ele apenas desejou possui-la. Mas ela tinha descoberto uma coisa boa, aquela forma de amor errante, carícias obscenas, amor clandestino, era mesmo o que queria viver. Teve mais uns três amantes. Ela mesma deu jeito de dispensá-los, cada um a seu tempo. O marido, ou era mesmo muito bobo, ou talvez não se importasse em nada com ela. Não demonstrou nunca ciumes, embora fosse difícil dizer que ele não sabia.

Mas um dia ela se decidiu. Queria mesmo era ser possuída por quantos fosse que a quisessem. Deixou casa, marido, e família. Foi morar num bordel. Apresentou-se desde então como Afrodite. Nunca mais leu romances. Mas teve fartura naquilo que descobriu ser seu destino - sua cama esteve sempre cheia.

2 comentários:

Vanna disse...

Nossa, lindo. Gostei. Não tanto d seu destino final, mas d ser capaz d descobrir q tem o poder depois d ter se engando quanto ao amor.
Bjs, linda semana.

Vanna disse...

Q tua ausência seja apenas por falta de tempo.
Bjs, abençoada semana.

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