Estava sentada na cadeira de balanço para o costumeiro descanso após o almoço. Tinha nas mãos um livro. Era um romance água com açucar, só mesmo para passar o tempo. Mas já não estava preocupada com aquelas linhas. Alguma palavra, ou a combinação de algumas delas, e o cheiro de terra molhada que entrava pela janela - havia caido uma chuvinha gostosa uns quinze minutos antes, e agora o sol já queimava novamente-, fato é que estava longe. Num vai e vem de pensamentos e lembranças, de repente, tinha onze anos. Caminhava pelo pátio numa tarde preguiçosa morna e com cheiro de terra molhada. Mariana e Isabel caminhavam ao seu lado.
Como estariam agora as velhas amigas? Durante anos mantiveram contato. Mas desde que se mudara para o interior não teve mais notícias. Também não deu mais notícias a ninguém. Naquela tarde, resolveram cabular a aula de literatura. Como eram incríveis as ideias de uma cabecinha naquela idade. O teatro do velho colégio católico era um ótimo esconderijo. Irmã Florência, que dava aulas de literatura, já era bem velhinha e as meninas tinham muita energia para ficarem ouvindo a irmã falar de poesia e escolas literárias.
Mariana foi quem deu a ideia de se esconderem no teatro. Além do mais, Isabel estava cismada de que as irmãs guardavam segredos naquele lugar. A última vez que estivera lá ouvirá choro de criança. Era sim! Ela tinha certeza. Vinha de alguma parte daquele velho teatro.
Ainda podia sentir o coração batendo forte como quando encontraram a passagem secreta. Aquela tábua solta no assoalho as levou escada abaixo ao porão do teatro. Isabel dava gritinhos de emoção! Eu disse! Eu disse! Ela repetia em sussurros, enquanto descia a escada de madeira. As duas a seguiam. Lembrava de ter recolocado a tábua no lugar para que ninguém as descobrisse. O cheiro era muito ruim. Mofo e um perfume doce e enjoativo, como se alguém tivesse acabado de usar. E aquelas caixas e baús? Não estavam empoeiradas. Abriram algumas. Mas o que significavam aqueles vestidos espalhafatosos? Vermelhos e dourado, azul e amarelo. Cheios de laços e babados. E os saltos? Sandálias e sapatos, também coloridos. Quem usaria aquelas coisas? Puseram-se a imaginar irmã Clara, irmã Maria, irmã Felicidade, irmã Florência. Riram muito! Mas não fazia sentindo. Encontraram uma pequena caixinha de madeira, com cartas. Mas que língua era aquela? As aulas de Francês de irmã Clara serviram para Júlia identificar algumas palavras. Pegou uma carta e colocou no bolso.
Mais estranho do que os vestidos e sapatos foi aquele bauzinho cheio de roupas de criança que encontraram embaixo da escada. Mantinhas, calças, pagãozinhos, e tudo com cheirinho de limpo e até mesmo de criança. E aquele saco preto? Que nojo, estava cheio de fraldas usadas, emboladas e jogadas lá dentro. Isabel se lembrou do choro de criança que ouvira da vez passada.
Sentia o coração quase parando, podia ouvir aqueles passos lá em cima, e as vozes sobre suas cabeças. Ficaram imóveis, nem respiravam. Mas os passos se afastaram e as vozes sumiram. Fez-se total silêncio. Subiram a escada depressa. Escapuliram até o pátio. Mal botaram os pés ali, ouviram irmã Felicidade: O que as senhoritas estão fazendo aqui? Não deveriam estar na aula da irmã Florência? Elas resmungaram "sim, senhora" e correram para a sala. Tinham um enorme segredo agora. Não ouviam nada do que a irmã falava. Só conseguiam imaginar como ela ficaria num daqueles vestidos, e com os pés dentro daqueles sapatos, ao invés daquelas delicadas sapatilhas.
Voltaram ao teatro umas três semanas depois. Mas que decepção. Havia um enorme, velho e pesado armário bem em cima daquela tábua solta. Parece que alguém também as tinha descoberto.
Nunca puderam explicar aquilo tudo. A carta, Júlia guardava até hoje como um grande tesouro. Era uma carta que não havia sido enviada, mas que não estava assinada. Era para um tal de Luis, que estava na França, dizia que aqui estava tudo bem e que sentia muitas saudades. Falava também do 'fruto' que crescia e que a todo momento lhe trazia lembranças...
Balançando ainda na cadeira, Júlia sentiu alguém tocando seus cabelos de leve, abriu os olhos.
- Estava sonhando mamãe?
-Estava meu amor! estava....
Como estariam agora as velhas amigas? Durante anos mantiveram contato. Mas desde que se mudara para o interior não teve mais notícias. Também não deu mais notícias a ninguém. Naquela tarde, resolveram cabular a aula de literatura. Como eram incríveis as ideias de uma cabecinha naquela idade. O teatro do velho colégio católico era um ótimo esconderijo. Irmã Florência, que dava aulas de literatura, já era bem velhinha e as meninas tinham muita energia para ficarem ouvindo a irmã falar de poesia e escolas literárias.
Mariana foi quem deu a ideia de se esconderem no teatro. Além do mais, Isabel estava cismada de que as irmãs guardavam segredos naquele lugar. A última vez que estivera lá ouvirá choro de criança. Era sim! Ela tinha certeza. Vinha de alguma parte daquele velho teatro.
Ainda podia sentir o coração batendo forte como quando encontraram a passagem secreta. Aquela tábua solta no assoalho as levou escada abaixo ao porão do teatro. Isabel dava gritinhos de emoção! Eu disse! Eu disse! Ela repetia em sussurros, enquanto descia a escada de madeira. As duas a seguiam. Lembrava de ter recolocado a tábua no lugar para que ninguém as descobrisse. O cheiro era muito ruim. Mofo e um perfume doce e enjoativo, como se alguém tivesse acabado de usar. E aquelas caixas e baús? Não estavam empoeiradas. Abriram algumas. Mas o que significavam aqueles vestidos espalhafatosos? Vermelhos e dourado, azul e amarelo. Cheios de laços e babados. E os saltos? Sandálias e sapatos, também coloridos. Quem usaria aquelas coisas? Puseram-se a imaginar irmã Clara, irmã Maria, irmã Felicidade, irmã Florência. Riram muito! Mas não fazia sentindo. Encontraram uma pequena caixinha de madeira, com cartas. Mas que língua era aquela? As aulas de Francês de irmã Clara serviram para Júlia identificar algumas palavras. Pegou uma carta e colocou no bolso.
Mais estranho do que os vestidos e sapatos foi aquele bauzinho cheio de roupas de criança que encontraram embaixo da escada. Mantinhas, calças, pagãozinhos, e tudo com cheirinho de limpo e até mesmo de criança. E aquele saco preto? Que nojo, estava cheio de fraldas usadas, emboladas e jogadas lá dentro. Isabel se lembrou do choro de criança que ouvira da vez passada.
Sentia o coração quase parando, podia ouvir aqueles passos lá em cima, e as vozes sobre suas cabeças. Ficaram imóveis, nem respiravam. Mas os passos se afastaram e as vozes sumiram. Fez-se total silêncio. Subiram a escada depressa. Escapuliram até o pátio. Mal botaram os pés ali, ouviram irmã Felicidade: O que as senhoritas estão fazendo aqui? Não deveriam estar na aula da irmã Florência? Elas resmungaram "sim, senhora" e correram para a sala. Tinham um enorme segredo agora. Não ouviam nada do que a irmã falava. Só conseguiam imaginar como ela ficaria num daqueles vestidos, e com os pés dentro daqueles sapatos, ao invés daquelas delicadas sapatilhas.
Voltaram ao teatro umas três semanas depois. Mas que decepção. Havia um enorme, velho e pesado armário bem em cima daquela tábua solta. Parece que alguém também as tinha descoberto.
Nunca puderam explicar aquilo tudo. A carta, Júlia guardava até hoje como um grande tesouro. Era uma carta que não havia sido enviada, mas que não estava assinada. Era para um tal de Luis, que estava na França, dizia que aqui estava tudo bem e que sentia muitas saudades. Falava também do 'fruto' que crescia e que a todo momento lhe trazia lembranças...
Balançando ainda na cadeira, Júlia sentiu alguém tocando seus cabelos de leve, abriu os olhos.
- Estava sonhando mamãe?
-Estava meu amor! estava....
2 comentários:
Fraaaaan!!
Esa es la historia, q bonito! viajé en el tiempo..
un beso!
Que bom que gostou! e obrigada por ter proporcionado a inspiração!
hehe
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