segunda-feira, 6 de abril de 2020

Má-fé e covardia

Bolsonaro e seus defensores fogem de suas responsabilidades e exploram a miséria e o medo da população mais vulnerável (#PagaLogoBolsonaro) 

O deputado Osmar Terra tem se esmerado nos últimos dias nas redes sociais em atacar a estratégia do distanciamento físico no combate à pandemia do Covid-19 - como deve saber Terra, pois tem usado de sua autoridade de médico para se pronunciar contra o isolamento – trata-se de uma pandemia e não epidemia, como ele escreveu no seu texto. Infelizmente, depois de passar o final de semana propagando fake news e distorcendo dados da doença pelas redes sociais, Osmar Terra ganhou espaço na Folha de São Paulo para ampliar o seu desserviço (Medo e Coragem, 06 de março de 2020).

Ao contrário do que afirma Terra, o estudo do Imperial College, divulgado no dia 16 de março, não inspirou a estratégia de isolamento, mas fez projeções a partir de dados de países que já estavam adotando essa prática, comparando-os com dados de países que não haviam adotado tal prática. Vale lembrar que o isolamento ou distanciamento social foi adotado pela China, onde o surto do Covid-19 teve origem, já em janeiro de 2020. Nesse sentido, os estudos do Imperial College estão sendo usados como evidências da eficácia do isolamento no controle do espalhamento do vírus por autoridades sanitárias de diversos países, inclusive os EUA, que foram inicialmente resistentes à estratégia. 

É verdade que há posições divergentes do Imperial College. Os estudos da epidemiologista da Universidade de Oxford, Sunetra Gupta, partem de pressupostos distintos do estudo do Imperial College e apontam para a possibilidade de que o Reino Unido tenha muito mais pessoas contaminadas do que o estudo prévio considerou. No entanto, conforme foi noticiado na própria Folha de São Paulo (Coronavírus pode ter infectado metade da população britânica, diz estudo de Oxford, de 24 de março de 2020), “ela reluta em criticar o governo por decretar uma quarentena nacional a fim de conter a difusão do vírus, porque a precisão do modelo de Oxford ainda não foi confirmada e, mesmo que ele esteja correto, o distanciamento social reduzirá o número de pessoas que adoecerão seriamente e aliviará a pressão severa sobre o Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês), durante o pico da epidemia.” Ainda segundo a matéria da Folha, “se as constatações forem confirmadas pelos testes, as restrições em vigor poderão ser canceladas muito mais cedo do que os ministros indicaram.” Ou seja, diferentemente do que Osmar Terra pretende, os estudos de Sunetra não são conclusivos e não podem ser utilizados para defender o fim imediato do isolamento como quer o deputado. 

O argumento de Terra em favor do contágio de assintomáticos para imunizar a população é no mínimo irresponsável quando pensamos na realidade brasileira e nas limitações dos sistemas de saúde para atender os casos graves que necessitam de internação e de ventiladores mecânicos. Além disso, as peculiaridades demográficas e também sociais do Brasil – existência de favelas e extensas áreas de aglomeração de pessoas em condições sanitárias precárias - devem ser levadas em consideração. Coisa que o deputado é incapaz de fazer. Apelar para o fato de que “isso ocorre com todas as epidemias” é novamente má-fé e irresponsabilidade, uma vez que o Covid-19 possui características específicas que impedem sua comparação com outras epidemias, conforme tem alertado especialistas como o biólogo Atila Iamarino

As afirmações de Terra de que “a quarentena aumentou o número de casos” e que “não houve achatamento da curva epidêmica” carecem de provas. Infelizmente ele não traz respaldo para suas afirmações. Nas redes sociais, o deputado fez uso de gráficos que estavam em diferentes escalas, distorcendo, portanto, as informações, para "corroborar" suas afirmações, no que foi amplamente questionado por usuários das redes. Ao falar de países que não adotaram o distanciamento social e citar Coreia do Sul, Japão, Israel e Suécia, o senhor Osmar Terra ou está mal informado ou mais uma vez age de má-fé. A testagem massiva da população não é ação complementar, como sugere o deputado, antes é o que permitiu, em especial a Coreia do Sul, adotar isolamento parcial. No caso da Suécia, ontem à noite, tivemos notícia de que o país havia mudado de estratégia e passará a adotar o isolamento. Quanto a Israel, portais de notícias anunciavam há duas semanas que o país estava restringindo a circulação de pessoas para combater o novo coronavírus. A situação do Japão pode ser explicada por hábitos culturais que, por si só, promovem um certo tipo de distanciamento social. Embora não tenha declarado isolamento, o país proibiu eventos com aglomerações e fechou escolas e aconselhou que as pessoas se abstivessem de sair de casa voluntariamente. No entanto, hoje temos notícia de que o país pode declarar estado de emergência em 7 cidades, e que passará a orientar seus cidadãos para que permaneçam em casa.

A partir de um certo momento do texto fica clara a intenção de Osmar Terra, política e não científica, de atacar gestores públicos com os quais ele não concorda. E mais abaixo, quando claramente se posiciona em defesa do presidente Jair Bolsonaro, que não apresenta nenhum respaldo científico para defender o fim do isolamento, alegando apenas que isso irá quebrar o país. Caso o deputado estivesse de fato preocupado com a miséria de milhares de pessoas como ele insinua estar, deveria estar cobrando o presidente Bolsonaro para que agilizasse o pagamento da renda básica emergencial aprovada pelo Congresso a milhares de brasileiros que dependem desse auxílio para poderem se proteger nesse momento. O mesmo vale para os pequenos e microempresários com os quais Terra diz estar preocupado: que cobre do governo medidas que os proteja, e não somente ações em prol de grandes empresários. 

Osmar Terra dá provas de má-fé e covardia ao elogiar a suposta coragem do presidente em contrariar o seu atual ministro da saúde e demais autoridades sanitárias e promover, isso sim, terrorismo com parcela da população que hoje é refém do presidente e do seu governo, pois quanto mais atrasam a liberação da renda básica emergencial, mais forçam essa população a voltar ao trabalho e às ruas em busca de sobrevivência. Pânico é o que estão fazendo Bolsonaro e Osmar Terra divulgando vídeos que exploram a miséria das pessoas, matérias jornalísticas que evidenciam os impactos sofridos por essa população vulnerável e desassistida, enquanto fingem que não têm responsabilidade sobre esse cenário.

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