quinta-feira, 16 de abril de 2020

Um registro de quarentena

imagem disponível pixabay
Hoje acordei e não tinha forças para me levantar. Corri os olhos pelas notícias no celular e deu uma vontade de desligar tudo, de parar o mundo e descer! Um mês sem ver meus alunos. Um mês sem poder encontrar amigos, sem sair de casa. Nessas quatro semanas, as saídas foram pontuais: farmácia, supermercado, casa de material de construção - urgência de consertar uma vazamento da caixa de descarga depois de ter passado quase quatro dias sem água, mas esse foi um problema do prédio todo (e me fez pensar em tantas pessoas que convivem com essa realidade de falta de água, falta de saneamento, falta de tantas coisas essenciais, básicas...).

Hoje o coração está apertado. São tantas incertezas e de repente o medo toma conta. Quando vou poder visitar meus pais? Passou um feriado, logo virá o outro e nada de viagem. E as aulas? Quando poderemos retomar? Poderemos? 

De repente levamos uma rasteira tão grande que não é possível levantar e continuar como se estivesse tudo "normal". Normal não estava faz tempo... mas agora, os esforços de uns e outros para criar uma ilusão de normalidade me parecem pura insensatez. 

As notícias, os jornais e revistas parecem ficção, distopia. As mortes, os que fingem não ver as mortes, os que patrocinam as mortes, os que chamam para a morte, os que zombam e fazem piada com as mortes. Será esse o nosso fim? 

Nas redes sociais, nas correntes de WhatsApp, nas hashtag do Twitter, nos vídeos no YouTube, reina a loucura, o egoísmo, o ressentimento, o ódio, a irracionalidade, qualquer coisa que insiste em apagar nossos traços de humanidade. Ou será isso o que restou da nossa humanidade? Que desatino insano é esse que toma conta das pessoas? 

Mas é preciso ser produtivo, a economia não pode parar, viva a tecnologia, aulas EaD, ou remotas, temos que manter as coisas funcionando dentro do possível - e fazer todo o possível para mantê-las -, os que não fazem, estão fazendo corpo mole, não tá fácil pra ninguém, mas temos que continuar, temos que fazer o nosso melhor, temos que nos reinventar, ser inovadores, aproveitar a oportunidade para... são tantos os desatinos, e também não encontro humanidade nessa paranoia da produtividade, da normalidade, da volta à normalidade... Mas que normalidade? 

Queremos retornar ao ponto que estávamos antes da pandemia? aos vergonhosos índices de desigualdade? de violência? de corrupção? de mentiras? de negação da Ciência? O terraplanismo era parte da normalidade? o obscurantismo era parte da normalidade? a exploração do trabalho era normalidade para a qual queremos voltar? a invasão de terras indígenas? as altas taxas de feminicídio? os presídios lotados? a fracassada guerra às drogas era parte da normalidade?  Por que não assumimos nosso fracasso? Por que é tão difícil aceitar que não tinha nada de normal na vida alucinada, pautada por lucros, resultados, degradação da natureza, exploração do outro, aparências, superficialidades e contradições: hiperconexão através da internet sem fio e total falta de verdadeira conexão com o outro que era ignorado nas ruas, no elevador, na fila, na sarjeta, na vala comum? Sim, as valas comuns que se abrem agora para os corpos vítimas da COVID-19, sempre existiram para os outros, os pobres, os negros, os párias, os eternos "suspeitos" que morrem diariamente pelas mãos da polícia... isso era normal? Os milhares de migrantes vagando pelo mundo fugindo de ditadores, de guerras, de perseguição religiosa, isso era normal?

Hoje me sinto mais do que nunca impotente. Dentro de casa, tentando fazer a minha parte, com medo do que vai acontecer com tantas pessoas nas próximas semanas, triste, com saudades de tantas pessoas, desejando ter de volta parte do que dava sentido aos meus dias - minhas aulas, a companhia dos meus alunos e colegas - dominada pelo sentimento de incerteza quanto ao futuro. Estou paralisada. Escrevo, mas sinto que as palavras me escapam. Tenho uma sensação de vazio, oco, na cabeça e no peito. Estou em silêncio, mas tem muito barulho de fundo. Hoje estou precisando me agarrar às boas lembranças, porque, hoje, está difícil ter esperança.

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